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A Deep Web Pode Tornar o Contrabando de Pessoas mais Seguro

Será que um mercado criptografado, pensado para unir migrantes ilegais e contrabandistas, pode tornar a experiência física mais segura para aqueles que querem se desenraizar?

Os negócios estão crescendo nos cantos escuros da internet. Desde o fechamento do Silk Road original no final de 2013, cerca de meia dúzia de outros mercados negros surgiram, todos vendendo basicamente qualquer droga existente desde que você tenha bitcoins e um endereço para a entrega. Se você quer um frasco de LSD líquido, por exemplo, é muito mais conveniente entrar no OpenBaazar e achar um vendedor do que sair por aí perturbando estranhos.

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São muitas as evidências de que a deep web é muito mais segura que as ruas para comprar drogas. No começo do ano, pesquisadores da Universidade de Manchester e da Universidade de Montreal publicaram um estudo afirmando que "a localização virtual do Silk Road deve reduzir a violência, a intimidação e o territorialismo [no comércio de drogas]". O estudo também aponta que o sistema de feedback e de classificação dos usuários ajuda a manter outros consumidores longe de maus fornecedores.

Mas… e outros mercados ilícitos? A deep web pode torná-los mais seguros também? Todo ano, milhões de migrantes contratam contrabandistas para transportá-los através de fronteiras. Assim como o comércio de drogas, esse negócio é notoriamente violento. Será que um mercado criptografado, pensado para unir migrantes ilegais e contrabandistas, pode tornar a experiência física mais segura para aqueles que querem se desenraizar?

De acordo com o professor David Decary-Hetu, um dos autores do estudo sobre o Silk Road, "um sistema similar poderia ajudar, através de feedback do público sobre os contrabandistas e o uso de serviços de garantia, a reter os pagamentos até que os migrantes tenham atingido seu destino".

Devo esclarecer aqui o que é exatamente contrabando humano, já que o termo pode ser confundido com tráfico humano. Contrabando humano implica no consenso de ambas as partes. São pessoas que querem migrar para um novo lugar, mas não têm permissão oficial para isso. Tráfico humano é quando pessoas são forçadas a migrar contra a vontade, geralmente sendo obrigadas a se prostituir ou mantidas presas. Alguns traficantes podem posar como contrabandistas e sequestrar seus clientes.

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Contrabando humano, frequentemente sinônimo de migração ilegal, é, compreensivelmente, algo interligado com a política. No entanto, num senso mais geral, são simplesmente pessoas – boas e más – saindo de uma situação ruim em busca de algo melhor. Mesmo os defensores mais extremos do fechamento das fronteiras ficariam mal em condenar a Underground Railroad durante a era da escravidão no sul dos EUA ou os judeus escapando da Alemanha nazista. Essas situações ainda acontecem hoje – por exemplo, curdos fugindo da Turquia para escapar da ofensiva do Estado Islâmico.

O documentário da VICE

Operação Noturna com um Contrabandista de Pessoas: Guerra na Fronteira da Turquia

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Seja dentro de um barco atravessando o Mediterrâneo até a Europa, por um longo caminho pelo deserto dos EUA ou trancados num contêiner num navio de carga da Ásia, migrantes vão continuar tentando alcançar outros lugares mesmo sem permissão. E milhares morrem tentando todos os anos: mais de 4 mil até agora, em 2014, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Migração.

Falei com voluntários de um abrigo para migrantes no México sobre os perigos de uma viagem secreta através da fronteira.

"Os migrantes geralmente seguem a recomendação de amigos e familiares na hora de encontrar um contrabandista", explicou Eduardo, que já foi migrante e contrabandista. "Mas essas pessoas costumam mudar muito, acabam mortas ou na cadeia; então, você pode não conseguir encontrar ninguém conhecido; então, tem de tentar a sorte e ir com um estranho. É aí que as coisas ficam perigosas. Os contrabandistas têm controle total sobre você, e alguns deles são pessoas realmente más. Eles podem te roubar, te estuprar. Eles podem te deixar no deserto para morrer ou te vender como escravo. Os migrantes estão sempre tentando descobrir em quem confiar e de quem ficar longe."

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Na superfície, há muitos paralelos entre o comércio de drogas e o contrabando humano. Os dois continuam a crescer apesar da pressão cada vez maior da lei. Os dois são perigosos. Ambos podem se tornar mais seguros através de um sistema baseado em reputação, algo que atue como um tipo de autorregulamentação entre os membros da comunidade.

Mas um mercado negro digital para contrabando humano enfrentaria grandes desafios. Decay-Hety explicou: "Um mercado criptografado para migrantes ilegais e contrabandistas teria que, de alguma maneira, vetar certas pessoas para que nenhum agente disfarçado seja mandado como migrante ilegal. Embora isso seja possível, acho que seria muito difícil de fazer".

"Outro problema", segundo Jason DeLeon, um professor da Universidade de Michigan, "é que essa é uma cadeia longa e sinuosa, e um migrante pode passar por muitas mãos".

Jason comanda o Undocumented Migration Project, um estudo de migração clandestina entre o México e os EUA. "Mas, se houvesse algo como [um mercado negro digital] que as pessoas pudessem utilizar, isso mudaria tudo. Qualquer coisa que acrescente uma prestação de contas do contrabandista seria do interesse dos migrantes; no momento, não existe nenhum recurso assim."

Documentário da VICE

A Outra Fronteira do México

sobre a jornada de migrantes da América Central através do México até os EUA.

Desde o colapso do Silk Road original, a geração emergente de mercados criptografados tem evoluído rapidamente. O Silk Road era um sistema centralizado e foi tirado do ar depois da prisão do administrador do site. Algo como o OpenBazaar, no entanto – que lançou sua versão Beta 2.0 no mês passado –, permite que os usuários comandem sua própria "loja". Suas características de segurança descentralizadas e mais avançadas tornam muito mais difícil – se não impossível – que as autoridades consigam controlar ou fechar a rede.

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Mas há uma curva de aprendizado para o acesso e uso de um mercado criptografado na deep web, e migrantes ilegais – geralmente pobres e sem acesso a equipamentos modernos – podem não ter as habilidades tecnológicas necessárias.

Decay-Hetu vê "uma minoria não conseguindo entrar [na deep web] ou comprar bitcoins, mas, para a maioria, acho que isso não será um problema – pelo menos agora".

DeLeon está ainda mais confiante. "As novas gerações têm muito mais conhecimento de tecnologia", ele disse. "Acho que, mesmo se não fosse uma tentativa consciente, eu não ficaria surpreso se [um mercado negro digital] acontecesse de qualquer forma. As pessoas já estão na internet falando sobre os contrabandistas em quem confiam. Não deveríamos pensar nisso como algo hipotético, isso já está começando a acontecer."

Está claro que as ferramentas e as ideias já estão por aí, prontas para serem exploradas – mas ainda existem muitos obstáculos para serem superados. Não sabemos se um sistema online baseado em reputação para contrabando humano é possível, quão popular isso seria e como isso iria realmente afetar a segurança dos usuários. Mas estamos cada vez mais perto de descobrir.

Tradução: Marina Schnoor