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o futuro segundo a vice

O Futuro da Religião Segundo a VICE

Se tivéssemos de escolher uma palavra para resumir religião em 2015, seria “medo”.

Se eu tivesse de escolher uma palavra para resumir religião em 2015, seria "medo". De que outro jeito se pode descrever uma situação em que fanáticos islâmicos sensíveis massacram cartunistas desarmados? O ataque ao Charlie Hebdo e o caos que se seguiu em Paris mandaram tremores pelo mundo todo. A Fox News e Nigel Farage tagarelaram sobre áreas de charia em cidades britânicas. Judeus na França e Grã-Bretanha ainda expressam sérias preocupações sobre antissemitismo. Uma pesquisa chocante, divulgada recentemente pela YouGov, mostrou que quase metade dos britânicos concorda com pelo menos uma de quatro declarações antissemitas mostradas a eles. Por exemplo, 13% afirmaram que "judeus falam muito sobre o Holocausto para ganhar simpatia".

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Parece que uma nuvem escura e desconcertante paira sobre nossas cabeças; como se gerações de progresso liberal estivessem ameaçadas, com loucos furiosos e narcisistas puxando fios soltos. Mas é realmente assim? Bom, provavelmente não.

Na Europa, pelo menos, as ligações entre terrorismo e religião são bem pequenas. A ThinkProgress, que vem preparando os relatórios anuais de "Terrorismo e Situação de Terror" para a União Europeia há anos, descobriu que apenas um punhado de incidentes tem motivação religiosa – apenas 2% nos últimos anos. Na Europa, é mais fácil ser morto por um separatista do que por um fanático islâmico, e as chances de ser morto por um assassino comum são maiores ainda.

Se isso já não fosse chato o suficiente, a maioria dos religiosos no Ocidente é de moderados alegres, mais para Ned Flanders do que Abu Hamza. Uma pesquisa da Pew mostrou que muçulmanos americanos geralmente são patriotas de classe média, muito bem assimilados. E acontece praticamente a mesma coisa na Europa. Isso não quer dizer que não existam problemas em comunidades específicas – os atentados de 7 de julho de 2005 em Londres e no Charlie Hebdo foram realizados por cidadãos locais, lembre-se –, mas estamos falando da minoria de uma minoria.

No mundo ocidental, pelo menos, a religião está sumindo com um sussurro, não uma explosão. O Cristianismo está num declínio lento de longo prazo. Cerca de 60% dos britânicos dizem não ser religiosos; já nos EUA, o ateísmo tem se espalhado por cerca de um quinto da população – para pessoas com menos de 30 anos, essa fatia já congrega um terço delas. Em outras partes do mundo, claro, as populações muçulmanas e cristãs estão crescendo, mas, principalmente, porque as populações na Ásia e África estão crescendo muito mais rápido do que as ocidentais, não porque mais pessoas estejam sendo convertidas.

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E essa tendência não vai continuar para sempre. A verdade é que, quando os países atingem certo ponto de desenvolvimento, a religião não é mais tão importante. Nos países mais desenvolvidos, a maioria da população teve mais educação e muito mais segurança do que seus ancestrais religiosos. Temos vários mecanismos de apoio social e psicológico – terapeutas, previdência social, saúde pública –, coisas que têm tomado muitas das funções que a Igreja costumava exercer. Em algumas partes do mundo, a religião já encara a extinção. Em regiões pobres, isso continua crescendo, mas o progresso é inimigo da religião – quanto mais forte uma nação se torna, menos ela precisa de religião.

Isso explica por que a Igreja da Inglaterra está sofrendo tanto. A antiga instituição teve uma chance real nos últimos anos de se definir como uma força radical na política – uma verdadeira oposição à austeridade. Os arcebispos de York e Canterbury lançaram um ataque feroz aos líderes políticos em janeiro, abordando desigualdade, consumismo e a ideia de que o valor de uma comunidade está em quanto dinheiro ela faz.

O problema é que a Igreja da Inglaterra não parece relevante até quando está sendo relevante. A maioria das pessoas não sabe o que ela realmente faz para ajudar os pobres além de enviar comunicados de imprensa, e a instituição está tão desconectada dos jovens que boa parte deles nem sequer pensaria em procurar ajuda ali. Arcebispos concorrendo nas eleições seria como algo saído de um romance de Terry Pratchett.

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Isso significa que a religião não importa mais no Reino Unido? Talvez não. Na verdade, as Eleições Gerais de 2015 podem ser um último aleluia para os cristãos britânicos. Para entender por que, é preciso olhar para o UKIP. Num livro muito interessante lançado recentemente, Revolt on the Right, os autores ignoram toda a discussão de sofá sobre racistas e tories perdidos para observar dados reais sobre a ascensão do UKIP. No fundo desses números, está uma reserva latente de eleitores. Eles o chamam de "Deixados para Trás".

Os Deixados para Trás não são tories caducos. Não é possível os classificar facilmente de esquerda ou direita. Eles são velhos, da classe trabalhadora, tradicionais – e alguns são religiosos. O que eles têm em comum é que o mundo seguiu em frente sem eles. Depois de décadas de multiculturalismo, liberalismo e igualdade, as ideias e os comportamentos com que os Deixados para Trás cresceram não estão só fora de moda como são tabu ou até ilegais. Enquanto as outras pessoas estão na crista da onda da história, eles se debatem atrás dela, perdidos no lado errado e sem terem como voltar.

Mas, em 2015, eles tiveram uma rara chance de glória. Com a opinião pública sobre os partidos mainstream mais baixa do que nunca, o UKIP finalmente vai se ver como parte de uma coalizão do governo em maio. No mínimo, o partido pode causar estrago no resultado principal, perturbando círculo eleitoral atrás de círculo eleitoral e tornando esse o resultado mais imprevisível que já presenciei. Para a direita religiosa, isso pode ser um último golpe de relevância.

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Os americanos ainda não chegaram lá, com mais de metade deles dizendo que não votaria em alguém que dissesse não acreditar em Deus. Mas esse número despencou 10% nos últimos anos: se a ascensão do ateísmo continuar, as coisas só podem se tornar mais e mais seculares. Os EUA conseguiram eleger um presidente negro em 2008, e Hillary Clinton tem uma boa chance de ser a primeira mulher eleita em 2016. Então – quem sabe? –, os veremos quebrarem o maior tabu de todos: um ateu na Casa Branca.

Nos dois lados do oceano, a tendência é clara: enquanto os moderados vão pelo lado do secularismo e do ateísmo, os religiosos costumam ficar no extremo mais hardcore. Nos EUA, isso é a direita religiosa barra pesada; já no Reino Unido, isso se mostra na ascensão das igrejas anglicanas. Assim, temos uma minoria nervosa e barulhenta… bem parecida com o UKIP.

Se as pessoas estão se afastando da religião, algo está substituindo isso? Sim e não. A religião não é algo programado em nossos cérebros – se fosse, não teríamos ateus –, mas alguns dos tropos que tornam a religião um sucesso ainda o são.

A busca por um significado e um propósito, a necessidade de comunidade, a esperança de que a morte possa ser previsível e significativa, o desejo de ver pessoas más serem punidas por seus pecados – tudo isso ainda forma a base da vida moderna. Isso significa que, mesmo se as religiões estabelecidas desaparecessem amanhã, ainda teríamos algum tipo de substituto, sejam as "igrejas" ateístas, times de futebol ou a hashtag Gamergate.

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Na verdade, você já pode encontrar um substituto num computador perto de você. O antropólogo Ryan Hornbeck escreveu uma tese na qual investigou as comunidades de gamers do World of Warcraft na China, descobrindo que várias delas são basicamente "religiosas". Crianças criadas em comunidades brutais, injustas e desiguais encontram uma certeza e um significado nas guildas do WoW, algo com que nunca contaram na vida real. Outro plano de existência onde boas ações são recompensadas de maneira consistente. "Esse é meu lar espiritual…", diz um entrevistado. "Acho que vou ficar aqui para sempre a fim de ver o fim do mundo."

Você pode rir desses caras, mas essa é a pior direção para a religião em 2015? Orações podem não ser respondidas, mas você sempre pode encontrar algum tipo de ajuda nos chats do jogo. Matar monstros para aumentar o nível do seu personagem não é mais fútil do que dar esmolas. E eu prefiro gangues de jogadores invadindo masmorras do que a Terra Santa.

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Tradução: Marina Schnoor