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Conversando Sobre "Game of Thrones" com os Militantes Islâmicos Mais Temidos da Síria

Na base dos al-Nusra em Ras Al Ayn, o jihadista que perguntou se eu era americano levantou o punho num movimento exagerado, depois fingiu me socar quando confirmei minha cidadania. O homem – um egípcio vesgo que depois fiquei sabendo ser tipo um...

Membros do Jabhat al-Nusra, o mais temido grupo jihadista atualmente em operação na Síria.

“Ameriki?” o jihadista perguntou, apontoando para mim com uma expressão confusa no rosto. Eu tinha acabado de me aproximar dele na casa que serve como base local do Jabhat al-Nusra (JAN), o mais temido grupo militarizado islâmico em operação na Síria. Um mês atrás, seus colegas tomaram uma casa perto de onde mora meu contato local, bloqueando a passagem e hasteando uma bandeira preta que serve como símbolo do grupo. Lá eles passam o tempo de bobeira do lado de fora da casa, às vezes andando por aí nas suas picapes com as caçambas transbordando de caras vestidos de preto com lança-foguetes e AKs-47.

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Acompanhado por alguns rebeldes do Exército Livre da Síria, eu ainda estava um pouco tenso em me aproximar dos al-Nusra. Jornalistas mais experientes já tinham me avisado para tomar cuidado com eles, e a administração Obama os designou recentemente como um grupo terrorista. A ligação com a al-Qaeda ainda não era oficial, mas foi confirmada alguns dias depois. Além disso tudo, eu tinha acordado naquela manhã com a notícia de que o FBI tinha acabado de prender Eric Harroun, um norte-americano que supostamente teria lutado com os al-Nusra na Síria.

O al-Nusra e outros grupos islâmicos apareceram na cidade fronteiriça de Ras Al Ayn na Síria em novembro e – juntamente com o Exército Livre da Síria – expulsaram o que restava das forças do regime de Assad em lutas acirradas, conquistando quarteirão por quarteirão. Depois essa coalizão combateu a milícia curda mais poderosa da Síria, as Unidades de Proteção Popular (UPP). A luta durou meses antes que um cessar-fogo fosse arranjado, e a cidade foi essencialmente dividida em duas, com as UPP operando de um lado e o ELS e os al-Nusra de outro. Mais recentemente, o JAN chegou até a enfrentar uma brigada do ELS na cidade próxima de Tal Abyad, mas a paz foi restaurada logo depois.

Na base dos al-Nusra em Ras Al Ayn, o jihadista que perguntou se eu era americano levantou o punho num movimento exagerado, depois fingiu me socar quando confirmei minha cidadania. O homem – um egípcio vesgo que depois fiquei sabendo ser tipo um relações públicas e pregador do grupo – riu alto.

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“Cuidado, somos terroristas!”, entrou na conversa um colega dele, um magrelo dos Emirados com uma barba que me fez lembrar o Orlando Bloom, antes de começar a rir também. Depois o cara dos Emirados me perguntou de que parte de Nova York eu era. “Ah, Brooklyn? Sim, conheço. Frequentei uma escola em Seattle por um ano.”

Falamos então sobre as visitas dele a Detroit, Chicago e à Disney, bem como os termos para tempo, café e esportes de Seattle. “Go Huskies!”

Eventualmente, outros membros do grupo chegaram, incluindo o “chefão”. As coisas tomaram um tom mais sério. Nosso pedido de entrevista foi negado. O homem depois me avisou que poderia ser perigoso andar pela área, mas colocou a culpa disso num possível ataque das UPP ou de bombardeio aéreo. Yilmaz, meu contato, me contou que quando os al-Nusra se mudaram para o quarteirão perto da casa dele, ele ficou preocupado que o lugar fosse explodir, sabendo que a casa estava cheia de explosivos e munição.

Dois homens caminham pela área de um ataque aéreo nos arredores de Ras Al Ayn.

A presença dos al-Nusra na Síria é uma questão controversa entre os locais. Fayez Durbas não era um homem religioso antes da guerra começar. Vestindo uma camiseta da Adidas, agasalho e com uma barba recentemente aparada, Fayez me disse que é membro da brigada Fatah do Exército Livre da Síria, mas que estava pensando em se juntar ao JAN em breve. “Eles trabalham por Deus, não por dinheiro”, ele disse. “Eles distribuem comida para as pessoas.”

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Durbas é originalmente da zona rural de Alepo, mas agora trabalha num posto de controle na fronteira de Ras Al Ayn. Ele creditou a trégua na cidade aos al-Nusra e disse que estava muito contente com o jeito como eles lidaram com as coisas – um contentamento compartilhado por muitos de seus amigos, que também não eram religiosos antes, mas que agora também pensavam em se juntar aos al-Nusra. “Quando eles veem que o Ocidente não vai ajudar, eles vão para o Jabhat”, Durbas me disse.

Os sentimentos de Durbas são ecoados por vários outros na cidade. Os al-Nusra fizeram o caminho de muitos grupos de resistência experientes, fornecendo bens e serviços para os cidadãos famintos dos dois lados nas cidades que ocupam. Eles acertam disputas e tentam fornecer justiça numa época onde o vácuo de poder apresenta uma abertura para o caos e a criminalidade. Dizem até que um cristão contatou o JAN quando seu filho foi sequestrado, apesar dos outros cristãos que encontrei na cidade estarem hesitantes – com medo até –  de falar sobre eles.

Mas áreas de maioria curda controladas pelas UPP são um termômetro mais fácil para medir o sentimento em relação aos al-Nusra. Nesses lugares, qualquer invasão islâmica ao território curdo vai encontrar uma resistência feroz. A população curda, mais secular e progressista, vê o JAN e os outros grupos jihadistas como uma ameaça tão grande quanto o regime.

Os al-Nusra também tentaram tomar o controle sobre os bens cruciais, como petróleo e grãos. Montaser Al Khaled – um capitão desertor do exército do regime que agora dizem ser o soldado de maior patente do ELS na província de Hasakah – tem uma visão decididamente negativa deles. “As pessoas aqui os rejeitam, elas não gostam do comportamento deles. Eles tentam controlar as reservas, tentam vender as safras e o petróleo”, ele disse. “O objetivo deles é ditar o futuro, não combater Assad.”

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Quatro membros de uma brigada do ELS posicionados fora da cidade.

No entanto, diferente de Khaled, muitos dos soldados do ELS parecem em conflito sobre como veem o JAN. Muitos dos soldados mais jovens admiram o grupo por sua habilidade nos combates e dizem que eles são destemidos nas batalhas. Eles admiram a coragem e a dedicação dos membros do JAN ao Islã, mesmo que os próprios soldados do ELS sejam mais moderados. Às vezes eles até brincam com isso. Sempre que o assunto é uísque ou mulheres, eles apontam para um de seus amigos e gritam: “Cuidado, ele é do Jabhat!”. Várias vezes eles fizeram piada dizendo que me levariam para os al-Nusra quando eu estava na conversa.

Marwan, um combatente curdo do ELS que lutou por toda a Síria, rebateu as afirmações de Khaled, dizendo que o JAN tem um apoio significativo no país. “Nem todo mundo [apoia o JAN], nossa área não é para pessoas islâmicas, mas o Jabhat serve as pessoas. Em Idlib, Alepo e Homs, todos adoram os al-Nusra porque eles fornecem comida, água e ajuda”, disse.

Marwan diz que o ELS não pode fazer nada sem a ajuda do Ocidente, mas que os al-Nusra não precisam disso. Ainda assim, ele admite que, quando o regime cair, o ELS pode acabar tendo que lutar contra o JAN, e apontou que talvez aí os americanos finalmente concedam armas para que o ELS faça isso. Mas, por enquanto, afirma: “Na minha cabeça, estou com eles, mesmo sendo do ELS”.

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Apesar de terem visões diferentes sobre a popularidade dos al-Nusra, tanto Marwan quanto Khaled concordam em como eles conseguiram ganhar apoio. “Como ninguém no mundo deu armas ao ELS, o ELS e o Jabhat lutam juntos”, Marwan me disse.

Khaled tem uma abordagem diferente. “A razão para o Jabhat ser tão forte é por causa de vocês”, ele me diz – com esse “vocês” querendo dizer “Estados Unidos”. A falta de recursos entre o ELS fez as pessoas apoiarem aqueles com dinheiro, armas e comida: os al-Nusra.

As UPP contam com várias mulheres em suas fileiras.

Cinco dias depois de abordar inicialmente a base dos al-Nusra, recebi uma ligação do cara dos Emirados com quem falei sobre a Disneylândia. Apesar de não terem recebido permissão de seus superiores para dar uma entrevista formal, ele e o egípcio queriam me encontrar informalmente para esclarecer qualquer má interpretação sobre as crenças e intenções deles. Eu os encontrei na casa de um morador da região, juntamente com dois soldados do ELS e meu contato, Yilmaz.

O cara dos Emirados decidiu que seu caminho era a jihad aos 22 anos. Apesar de ter estudado nos Estados Unidos e Austrália, ele ficou cada vez mais enamorado dos vídeos jihadistas que assistia pela internet e eventualmente decidiu que essa vida era para ele. Seus pais acham que ele trabalha e mora na Turquia, e o que ele mais gostava de assistir antes de se juntar aos al-Nusra era Game of Thrones e o filme Tróia.

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A conversa começou com os dois homens me educando sobre a história do Islã. Então entramos numa discussão sobre o que são os al-Nusra. Ele disseram que o Islã é uma religião de paz, que eles estão lutando uma guerra defensiva. Perguntei a eles sobre o vídeo recente de decapitação que eu tinha visto e eles disseram que é isso o que acontece numa guerra. Disseram que o Irã é o inimigo e que os xiitas não são verdadeiros seguidores do Islã, mas acrescentaram que não querem impor suas ideias a ninguém. Eles culparam os líderes xiitas, e não todos os xiitas, por cegar as pessoas.

Eles tinham uma racionalização brilhante para todos os pontos de crítica que eu levantasse contra eles. Quando perguntei sobre o direito das mulheres, eles disseram que tudo bem uma mulher andar de minissaia nos Estados Unidos, mas que ela não pode andar nua, e que tudo é relativo. Eles apontaram que o Ocidente tinha regras similares às dos al-Nusra há centenas de anos, mas que podíamos mudar de ideia em 50 anos e voltar atrás. Durante a Idade Média, havia incesto e as mulheres não podiam herdar dinheiro no Ocidente, mas que essas coisas nunca foram assim nas áreas islâmicas. Sendo assim, por que eles deveriam confiar nos padrões ocidentais?

Um atirador dos al-Nusra.

Quando perguntei como eles pretendiam entrar na Síria e começar a dizer aos sírios o que fazer, eles apontaram que estávamos fumando cigarros e que eles não tinham problemas com isso. Mas disseram que, se um homem quer cometer um pecado religioso, que o faça fora de vista, em segredo, na sua casa… Mas que também não aprovavam que as pessoas cometessem pecados em segredo. Eles têm leis restritas que são obedecidas há mil anos e continuam fiéis às bases dessas leis, mas que era preciso achar espaço para adaptação e modernização.

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Eles disseram que não odeiam os americanos simplesmente por serem americanos, só odeiam aqueles que querem lutar com eles. Disseram que não apreciam como o Ocidente tenta impor o Islã moderado, que as pessoas querem a charia e que os únicos na Síria que temem os al-Nusra são ignorantes sobre o Islã. Disseram que a separação entre religião e estado é uma ideia ocidental. Disseram também que a mídia ocidental reporta que os al-Nusra estão cheios de gente pobre, sem educação e atrasada, mas afirmaram que isso não é verdade e que querem muitos homens ocidentais educados lutando em suas fileiras.

Por último, eles se perguntaram por que a mídia ocidental tenta deturpar o Islã. Depois me disseram para ler o Alcorão e acessar o site de Aaron Zelin, Jihadology, para saber a verdade sobre suas crenças.

Depois que terminei de falar com os soldados al-Nusra, quando estávamos indo embora, Yilmaz balançou a cabeça e murmurou: “Os jovens são OK. Mas os cabeças são gente ruim, cara. Eles não são bons para a Síria”.

O Jabhat al-Nusra emergiu indiscutivelmente como a força rebelde mais formidável da Síria. Seus combatentes, estimados em mais ou menos 5 mil, são destemidos e disciplinados. Eles já alcançaram vitórias significativas sobre o regime em batalha, e continuam a trabalhar duro para ganhar os corações e mentes dos civis e rebeldes do país. Eles prometeram levar a luta até o Hezbollah, e parece que eventualmente vão entrar em conflito com as UPP novamente.

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Alguns, como Marwan, acreditam que, em algum momento, elementos mais seculares do ELS vão se voltar contra o Jabhat ou vice-versa, assim que o inimigo comum deles cair. Por enquanto, a única certeza é que eles vão continuar se provando efetivos nas batalhas contra o regime de Assad e bastante problemáticos para as nações árabes e do Ocidente que procuram métodos para apoiar os rebeldes.

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