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Filhos do Dragão

Alta-Costura Cambojana

Camboja não quer mais ser lembrado por seus assassinatos em massa e monumentos feitos com crânios humanos. E foi por isso que, no fim do ano passado, o país sediou a primeira semana de moda.

Um dos desfiles mais notáveis foi o de Remy Ho, um expatriado que mora em Los Angeles. Sua família fugiu do Camboja nos anos 70, quando Remy era bebê. Durante a fuga, seu pai o colocou dentro de uma mochila, mas quando ele passou por baixo de um arame farpado, a bolsa ficou presa, ferindo o rosto de Remy e deixando uma cicatriz.

A história recente do Camboja foi marcada por genocídio, guerra e corrupção. Mas não foi sempre assim. Durante os anos 60, eles adoravam rock psicodélico, as meninas usavam o corte de cabelo da Mia Wallace e a maioria dos adolescentes se divertia como quaisquer outros jovens. Aí veio a guerra do Vietnã e os cambojanos assistiram a jovens vietnamitas e norte-americanos se massacrando mutuamente com metralhadoras enquanto pensavam que pelo menos não era com eles (tirando, é claro, os bombardeios que sofreram).

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Pouco depois do fim da guerra do Vietnã, quando todo mundo perdeu o interesse no Sudeste Asiático e desistiu da ideia de intervenção militar na região, um líder do comunista Khmer Vermelho educado na França que usava o pseudônimo de Pol Pot conseguiu silenciosamente assassinar cerca de dois milhões de cambojanos em uma aquisição massiva de terras. Quem não cedia sua fazenda para o Khmer Vermelho era sumariamente executado.

Quarenta anos depois, o país conhecido como o Velho Oeste do Leste não quer mais ser lembrado por seus assassinatos em massa e monumentos feitos com crânios humanos. E foi por isso que, no fim do ano passado, o Camboja sediou a primeira semana de moda de sua história. Obviamente, a equipe do Fashion Week Internationale foi até lá.

Pnom Pen é uma cidade estranha, parte dela exibe uma glória colonial francesa decadente, outra parte é favela, ocasionalmente pontuada por palácios reais ou templos budistas intactos.

Andar pela margem do Rio Mekong dá uma boa ideia do cenário local: meninos pré-adolescentes vestidos de meninas reproduzem cenas de violência doméstica para famílias locais que passeiam por ali à noite. Parece uma versão daqueles palhaços malabaristas de Covent Garden, em Londres, só que mais deprimente e com mais ambiguidade sexual. Se você conseguir atravessar a rua – pelas milhões de guinadas e buzinadas de tuk-tuks e motocas – vai encontrar uma parte mais sinistra da cidade, onde vários homens ocidentais de meia idade frequentam clubes com nomes como Coração da Escuridão. Entramos em um deles por uns cinco segundos, tempo suficiente para ver um turista masturbando uma prostituta sob o olhar atento de seu cafetão.

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Uma americana que trabalhou em Pnom Pen por um ano contou que as pessoas vêm para essa cidade e se tornam “almas perdidas”. É fácil perceber como isso acontece: remédios controlados são baratos e vendidos à vontade, restaurantes com nomes como Happy Pizza vendem sacos de maconha do tamanho de um palmo por R$10, e uma comunidade improvável de africanos comanda um movimentado comércio de heroína.

Em algum lugar no meio disso tudo, as fábricas de roupas zumbem com a atividade de 400 mil jovens mulheres que produzem roupas populares de merda para pessoas como você e eu.

Assista ao Fashion Week Internationale: Camboja aqui.

Há rumores de que Norodom Sihanouk (esquerda), o octogenário rei do Camboja, é gay, porque além de apoiar a semana de moda, também já foi bailarino e é defensor do casamento entre homossexuais. Por outro lado, ele tem 14 filhos. Um membro do “Khmer Riche”, como são conhecidos os filhos de políticos poderosos. Um deles em particular, Sophy Ke, filha do vice-primeiro-ministro, gosta tanto de roupas que ergueu uma mansão/loja de seis andares para adorar o deus da moda. A loja, chamada Sophy & Sina, possui um relaxante jardim de sapatos, adega e oficina de costura particular. Eles publicam a F, única revista de moda do Camboja, que é administrada pelo irmão dela, Sophea.

Duas semanas antes da nossa viagem, lemos na edição online do Phnom Penh Post que 300 mulheres desmaiaram simultaneamente em uma fábrica que produz roupas para a H&M. O relatório oficial informou que os desmaios foram causados por “espíritos malignos” na fábrica. A semana de moda cambojana tem tudo que uma semana de moda deve ter: luzes, modelos, lista de convidados. Em um dos desfiles, um cara disse: “Tudo o que sabemos é que o Camboja é um país de terceiro mundo, mas organizar essa semana de moda significa que estamos progredindo, não só em relação à política ou economia, mas também à moda”.

Veja também:

Fashion Week Internationale: Camboja - Parte 1

Fashion Week Internationale: Camboja - Parte 2

Fashion Week Internationale: Camboja - Parte 3