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Música

Entrevista: Renegades of Punk

E se o mundo for um lugar legal e ainda tiver espaço pra músicas rápidas e virulentas, em 2013 essa banda ainda vai conquistar mais corações e mentes por aí.

Com todo respeito às demais bandas que entrevistei desta série, se eu tivesse que indicar um disco de 2012 pra reavivar a fé na humanidade e o poder do hardcore/punk, eu indicaria Coração Metrônomo do Renegades of Punk.

O disco é basicamente uma coleção de canções sobre os desafios e dilemas próprios da chegada da maturidade em uma chave de atitude subjetiva e existencial. Sabe todo esse lance de “como me sinto desorientado e desnorteado diante de tanto absurdo”? Pode parecer meio chato falando assim, mas uma característica do melhor que foi produzido em termos de punk surgiu das premissas ou condições mais peculiares e adversas, então dê uma chance a eles como eu dei. Se o punk um dia já esbravejou sobre desemprego e falta de perspectivas, hoje ele grita sobre a insatisfação de um empreguinho qualquer, como na canção que dá nome ao álbum recente do grupo, ou sobre os dilemas das oportunidades que a vida oferece, como em “Vida Real”. E tem um fato maior a se preocupar: o trio produz barulho muito bom! A maioria das faixas tem pouco mais de 1 minuto, mas a minha primeira reação foi ficar voltando cada uma delas pra curtir os riffs e a timbragem que a Daniela Rodrigues, guitarrista e vocalista, vai criando. Nada soa fora do lugar ou vulgar.

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Os Renegades of Punk são Daniela Rodrigues (guitarra e voz), Ivo Delmondes (bateria e voz) e João Mário (baixo e voz), vêm de Sergipe e existem desde 2009. E se o mundo for um lugar legal e ainda tiver espaço pra músicas rápidas e virulentas, em 2013 eles ainda vão conquistar mais corações e mentes por aí.

VICE: Numa lista que participo de "críticos musicais", o comentário geral quando mostrei a banda foi: "O som é legal, mas o nome é horrível".
Ivo: Colocar nome em banda é uma das coisas mais difíceis pra mim. Sempre fico pensando em várias possibilidades, mas acabo ficando insatisfeito e não me decido. Daí vem alguém e faz uma brincadeira com o que deveria ser o nome e ele acaba ficando. Foi mais ou menos o que aconteceu com "The Renegades of Punk". O nome foi falado na brincadeira porque tinha a ver com um momento que estávamos passando no cenário local da época, aí veio à tona o trocadilho com a música do Afrika Bambaataa e acabou ficando. Tem gente que gosta, tem gente que odeia. Eu acabei me acostumando.

Vocês são bem novos e eu queria saber se vocês sofreram influência da geração anterior. Tenho impressão que tanto a cena de Vitória quanto a de Vila Velha do fim dos 1990 repercutiram bem no Nordeste, não?
Nunca pensei muito sobre isso. O Mukeka di Rato e o Dead Fish repercutiram bastante por aqui no começo dos anos 00, mas diria que outra cena foi mais decisiva quando a gente começou a se dedicar mais a essa coisa de faça-você-mesmo. O cenário straight edge de São Paulo, por exemplo, com bandas como Discarga, Infect, Point of No Return etc. falavam mais diretamente com a gente. Também todo o envolvimento que se tinha com libertação animal, feminismo, ativismo de uma forma geral, era mais a nossa cara. Na Bahia também havia uma cena com quem a gente interagia muito e era superimportante pra nós, bandas como Scooter Brigade, Lumpen… Além de inspirações mais velhas como Karne Krua [banda local], Cólera e Mercenárias, por exemplo.

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O punk/hardcore já foi enquadrado em todos os sentidos possíveis pela cultura pop e sempre está naquela linha tênue de perder todo e qualquer sentido. Queria que vocês falassem o que levou vocês a montarem uma banda hardcore em Aracaju. Tem algo que só faz sentido se dito numa roupagem hardcore pra vocês?
Gente se sentindo fora de sintonia com o mundo tem em qualquer lugar, e acho que por isso o punk, assim como outras formas de contracultura, tende a continuar se renovando e se misturando com culturas locais. Em Aracaju ou na Indonésia tem gente que vai estar insatisfeita com as coisas e vai achar no punk o melhor veículo pra falar sobre isso ou simplesmente descarregar o fardo do dia a dia.

Acredito que o que a gente fala poderia ser dito de diversas outras formas, mas o hardcore punk é realmente o lugar que a gente se sente mais à vontade pra se expressar, sempre foi. É o meio onde os desajustados se encontram pra celebrar a decadência e, por mais que o punk esteja se tornando uma fotocópia apagada de si mesmo, esse espírito ainda persiste: é quase um lugar onde podemos viver sem tantas máscaras e sorrisos amarelos. O dinheiro fica em segundo plano, a aceitação não é relevante, e a energia que as pessoas colocam ali pra celebrar algo que não tem nenhum valor mercadológico é incrível — não se vê isso em qualquer lugar. Obviamente, isso é o que a gente vê como punk, mas nem sempre é assim, em todo lugar tem gente idiota disposta a estragar tudo.

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Me vieram à mente pelo menos três bandas punk/hardcore que fazem algum trocado no Brasil (imagino que estejam longe de sobreviver deles) no circuito roqueiro mais amplo: Mukeka Di Rato, Dead Fish e Ratos de Porão. Sei que está fora de moda esse papo de vendidos e traidores, mas a questão é: perde-se um pouco da aura quando se passa a flertar com um lance mais "roquenrou"? Pensei nisso porque, quando vejo, sei lá, o Bad Religion nesses vídeos de grandes festivais, e o Los Crudos tocando naquelas bibocas estilo squat dos anos 1990, o segundo sempre soa mais urgente, mais interessante…
Sem dúvida a energia de se tocar no chão, rompendo aquela barreira de artista/espectador não tem como ser replicada em shows de médio ou grande porte, é outra coisa completamente diferente. Mas nem por isso é ruim. É óbvio que se perde muito do apelo que a coisa toda tem, mas, por outro lado, é uma forma das bandas se manterem ativas já que é muito difícil sustentar a banda só no underground. Vejo que hoje no Brasil já tem vários circuitos no cenário punk se consolidando como rota pras bandas, mas ainda estamos longe de conseguir ter uma boa margem pra ajudar as bandas e a molecada que mantém o “faça-você-mesmo”. Assim, quando fica no zero a zero, está todo mundo feliz.

Então se esse é o caminho que se tem agora pra que as pessoas consigam se dedicar mais às bandas, não vejo nada de mau em trilhá-lo. Mas, obviamente, nem todo mundo quer isso. Nosso show funciona bem em lugares pequenos, com as pessoas se envolvendo na produção e interagindo com a banda, é lá que a gente se sente em casa.

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Ainda assim, em termos práticos, acho que têm sorte as bandas que conseguem circular por todos os espaços sem perder a autenticidade. O Leptospirose, por exemplo, está fazendo circuito de festival constantemente, e tocaram aqui em Aracaju numa pista de skate de graça com gerador e equipamento improvisado, com a mesma energia ou até mais do que teriam num festival grande. Outro aspecto disso é ter competência pra fazer esses shows numa escala maior e ainda assim se manter relevante, autêntico e tal. Acho que o Ratos de Porão é uma banda que faz isso bem aqui no Brasil, não é pra qualquer um.

Quando eu ainda ia a shows de punk/hardcore, tinha a impressão de estar em um seminário, dada a quantidade de homens que rolava. Quando surgiam garotas tocando ou fazendo zines rolava comoção — no sentido “bom moço” e no sentido mais sórdido de sexismo e machismo. Como é uma garota estar numa banda? Rola desrespeito ou algum tipo de fetichização? Lembro bem de uma tigrada que ficava na beira do palco pra dar aquela vislumbrada na calcinha das meninas que tocavam de saia, por exemplo…
Dani: Faz mais ou menos 12 anos que estou nessa de tocar em banda. Acho que a situação toda já teve um aspecto mais pitoresco e bizarro. Hoje em dia há uma melhora na forma com que as pessoas encaram o fato de existirem mulheres tocando e participando desse rolê todo, mas obviamente muita merda ainda acontece. Ainda rola esse fetiche com a figura da mulher tocando guitarra, por exemplo. Várias vezes já passei por situações desagradáveis por estar ali com meus amigos tocando. Ainda fico muito puta quando precisamos tocar em lugares de médio porte e as pessoas envolvidas com a organização e logística da coisa desdenham das minhas preferências de timbre e volume, por exemplo, pelo mero fato de eu ser do sexo feminino. Quando não é a pressuposta abertura pra ser tratada como uma bonequinha inflável. Incrivelmente tosco e incrivelmente real. De qualquer forma não desanimo. Ainda estou aqui e pretendo ficar. Muita coisa vem acontecendo e muitas garotas se empoderando ao longo do tempo. Acredito que isso tem contribuído pra que esse clima de "seminário" diminua — a passos lentíssimos, diga-se de passagem.

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Ouça o Renegades of Punk aqui.

Anteriormente:

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