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Eu e Minha Equipe de Filmagem Fomos Atacados Na Ucrânia Por Sermos Americanos

Na hora em que o gás lacrimogêneo encheu a van, eu já tinha coberto o rosto com meu capuz. Eu conseguia sentir pedacinhos de vidro em minha boca. As janelas foram quebradas. Meus amigos estavam gritando. E eu só conseguia pensar em: “Eu vou morrer?”

Filmagem do ataque feita por uma testemunha ucraniana.

Na hora em que o gás lacrimogêneo encheu a van, eu já tinha coberto o rosto com meu capuz. Eu conseguia sentir pedacinhos de vidro em minha boca. As janelas foram quebradas. Meus amigos estavam gritando. E eu só conseguia pensar em: “Eu vou morrer?”

Por mais idiota que pareça, não achei que nada de ruim aconteceria com a gente na Ucrânia. Nossa equipe já tinha estado lá duas vezes filmando um documentário sobre um orfanato em Mariupol, uma cidade longe da turbulência em Kiev e na Crimeia. As pessoas lá disseram que as coisas estavam pacíficas, e parecia que a violência era isolada e talvez exagerada pela mídia. Eu tinha que terminar o documentário antes que uma guerra total arruinasse nossas chances de voltar. Era um risco mas, para mim, parecia pequeno. A gente evitaria os protestos. Não estávamos procurando encrenca.

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Isso aconteceu sábado passado, dia 15 de março, um dia antes do referendo na Crimeia pela independência. Tínhamos acabado de filmar uma cena crucial numa prisão. Um homem chamado Gennadiy Mokhnenko, o tema do documentário, estava na van conosco quando cruzamos com o que devia ser o resto de um protesto pró-Rússia de algumas horas antes. Achamos que podia ser um Lado B valioso para o filme, mas só estávamos interessados em como essa luta afetava Gennadiy e seu trabalho no orfanato. A multidão era pequena e estava diminuindo, mas nos aproximamos com cuidado de qualquer maneira. Filmei algumas tomadas da polícia, um senhora tocando sanfona, algumas imagens de bandeiras. Eu estava satisfeito e pronto para partir. Quando saí da área para me reagrupar com o resto da equipe, encontrei Gennadiy no que parecia ser uma discussão acalorada sobre nós. Nós, como grupo de americanos, estávamos sendo pessoalmente culpados pelos eventos da Euromaidan em Kiev. Nosso amigo Filipp, que estava servindo como tradutor, disse que era hora de irmos embora.

Nós nos afastamos andando o mais calmamente possível. Os insultos começaram a ficar mais altos. Alguém tinha ouvido meu nome e começou a andar perto de mim, repetindo sem parar: “Steve, Steve, Steve”. Gennadiy voltou para pegar nosso amigo John, que ainda estava filmando.

Um dos homens que estava nos insultando se aproximou e agarrou o Filipp pela camisa. Ele conseguiu escapar e gritou uma palavra: “Corram!” Num momento, tudo mudou. A multidão que estava por perto, apática, nem um pouco interessada no protesto que minguava, de repente se tornou violenta e correu em nossa direção. Armas apareceram do nada – bastões de basebol, gás lacrimogêneo, tacos improvisados. É uma visão que nunca vou esquecer, uma visão que parecia mais ficção do que realidade.

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Corremos para a van e desviamos de carros que cruzavam a rua movimentada. Nós seis nos esprememos freneticamente dentro do veículo. Enquanto eu entrava, fui chutado por trás por um manifestante. Eu consegui ver Vitalik, um dos homens de Gennadiy, lutando com os manifestantes, tentando afastá-los da van, socando e levando socos.

O som dentro da van era ensurdecedor. Eles batiam sem parar no veículo. Natalya, uma mulher com quem estávamos trabalhando, foi puxada para fora da van, mas conseguimos puxá-la de volta depois que Filipp gritou, em russo, “É uma mulher! É uma mulher!” Vitalik se esticou em frente à porta da van, fazendo de tudo para evitar que alguém entrasse. Ele levava um soco atrás do outro e espirraram tinta nele. Sua camisa foi rasgada e seu rosto e corpo estavam cobertos de marcas vermelhas. Não há nada mais inacreditável do que ver um homem que você mal conhece defender sua vida. As janelas da van estavam se quebrando à nossa volta. Eu tinha certeza de que eles queriam nos matar. Eu não sabia onde o John e o Gennadiy estavam. Eu não sabia se eles estavam vivos.

Lembro de ter parado para pensar em certo momento – se isso fosse um filme, essa parte seria em câmera lenta. Pensei em como era estranho estar nessa posição, como isso era idiota. Por que eu estava ali, prestes a ser morto por um bando de ucranianos enfurecidos?

Filmagem feita depois do ataque, seguida pelo áudio do ataque.

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Os cacos de vidro me trouxeram de volta para a realidade da situação. Eu estava dizendo ao nosso cara do som, George, que pedia desculpas por ter convencido ele a vir nessa viagem. Ele estava com a esposa grávida e um filho pequeno o esperando em casa.

Assim que nosso motorista conseguiu se mover, alguém agarrou os braços dele, fazendo a van bater num caminhão estacionado. Outra mão entrou no veículo para espirrar gás lacrimogêneo, enquanto outras continuavam a jogar objetos contra as janelas. A van estava sendo destruída. A multidão começou a balançar o veículo, tentando virá-lo. Nossos pneus foram cortados.

De algum jeito, nosso motorista conseguiu se soltar e recuperar o controle da van. Aceleramos, mas alguns metros depois a multidão conseguiu nos alcançar, quebrando mais janelas e nos deixando sem opção a não ser tentar a sorte no meio do trânsito. Peguei a câmera para filmar e fiquei feliz em ver que nossas duas C300 estavam rodando o tempo inteiro. Elas estavam no chão e só gravaram o áudio. Olhei por um buraco na janela de trás e vi um pequeno carro vermelho cheio de homens vestidos de vermelho. O carro começou a encostar na van e o Filipp gritou para cairmos fora. Eles atiraram em um dos nossos pneus com uma pequena arma caseira, mas conseguimos fugir.

Acabamos numa delegacia de polícia, onde encontramos o John, o Gennadiy e, por fim, o Vitalik. Milagrosamente, todos tinham escapado. Fomos então escoltados por uma porta traseira do aeroporto, onde esperamos 15 horas por um voo de última hora para fora do país. Mesmo indo embora, eu queria voltar e filmar, mas sabia que tínhamos testado a sorte o suficiente.

Naquelas últimas horas no aeroporto, Gennadiy falou sobre se preparar para uma guerra em potencial. Ele falou sobre comprar suprimentos para sua família e para as crianças que vivem no orfanato, e como ele ia ensiná-las a cultivar a própria comida e a se defender, seja lá em que mundo elas acordassem amanhã. Aquela noite, ele ligou para sua esposa e pediu a ela que colocasse muitas das crianças em outra casa por alguns dias, no caso de alguém decidir retaliar.

“Amanhã, podemos acordar na Rússia”, ele disse. Entramos no avião.

Vou lembrar daquele dia para o resto da vida. Da maneira como completos estranhos decidiram nos machucar por razões que nem eu nem eles nunca vamos entender direito. E do modo como pessoas como Vitalik e Gennadiy, também quase estranhos, lutaram para defender nossas vidas com as suas, quando estávamos fracos ou assustados demais para nos defender.

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