Como foi criado o beijo realista do trailer de 'The Last of Us 2'
Todas as imagens: Sony/Naughty Dog.

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Como foi criado o beijo realista do trailer de 'The Last of Us 2'

Falamos com o diretor criativo Neil Druckmann e a corroteirista Halley Gross sobre AQUELE BEIJO e as implicações da demo sobre a violência.

Durante a E3 2018, no palco principal da Sony, testemunhei algo que achei que nunca veria num videogame grande mainstream: o que parecia ser um romance queer realista e feliz.

Falamos um pouco sobre isso no nosso podcast sobre a E3, mas a demo de The Last of Us Part 2 começa com uma cena onde Ellie — a protagonista do novo jogo — compartilha uma dança fofa e um beijo com Dina, outra personagem principal da história.

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Na cena, cortamos de um momento cinematográfico mostrando o melhor beijo que já vi num videogame para um seguimento de gameplay que é tudo que a cutscene não é: uma sequência sombria e brutal com mortes violentas, enquanto Ellie passa por um bando de bandidos que querem vê-la morta.

Aí, quando a demo acaba, voltamos para o final do beijo, com um casal sorridente e corado, e depois vem o logo do jogo.

Tive a oportunidade de falar com o diretor criativo do jogo, Neil Druckmann, e a corroteirista Halley Gross sobre criar aquela cena – incluindo toda a nova tecnologia que entrou para fazer o beijo parecer tão realista – e a decisão deles de colocar uma cena romântica e uma de violência brutal juntas na demo.

A Naughty Dog teve alguns anos bem movimentados, com o lançamento de Uncharted 4, Uncharted: The Lost Legacy, e agora, a sequência de um dos jogos mais queridos para PlayStation quando The Last of Us Part 2 sair.

Eu gostaria de apontar, como com todas as coisas que escrevemos sobre o estúdio, que não toleramos o jeito como a empresa lidou com alegações de má conduta sexual. Um ex-funcionário disse que era rotineiramente assediado sexualmente por um líder da Naughty Dog, e que foi demitido por falar com o RH sobre isso. A Sony e a Naughty Dog deram uma declaração sobre o assunto que deixou muito a desejar, como o Patrick escreveu em outubro quando a história apareceu: “A resposta da Naughty Dog dificilmente pareceu uma investigação cuidadosa sobre as acusações, o que levaria mais de uma semana para fazer da maneira certa. Se uma investigação completa ainda vai acontecer, não está claro”. Pelo que sabemos, não há uma investigação em andamento.

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Não falei com a equipe sobre essas alegações nesta entrevista.

A entrevista foi ligeiramente editada e condensada para maior clareza.

Waypoint: Qual foi a resposta ao trailer?

Neil Druckmann, diretor criativo: Não tive tempo de mergulhar muito profundamente nisso, estou tentando [Gross ri], mas parece ser positiva, parece uma reação bem boa. Tem algumas merdas homofóbicas com que não me importo.

Halley Gross, corroteirista: Estou empolgada em ter lançado o clipe.

Sou queer e fiquei entusiasmada com o trailer; tuítei sobre isso e tudo mais. É algo muito importante, ter mulheres queer se beijando como a primeira coisa que a Sony mostrou em seu primeiro grande evento para a imprensa na E3, e parece fincar uma bandeira. O que entrou na decisão de tornar isso parte da personagem dela e na decisão de fazer isso parte da demo em si?

Druckmann: Enquanto a E3 se aproximava, ficamos pensando que parte do jogo — o que seria uma coisa interessante para as pessoas verem? Tentamos, num período muito curto, condensar todas essas coisas. A estética do jogo, a jogabilidade, o tom emocional que estamos procurando.

No que diz respeito a Ellie, nem tivemos o que pensar. Em Left Behind, estabelecemos que ela é lésbica. E parecia que, se ela vai fazer 19 anos, e se a vida agora é um pouco mais segura na comunidade, claro que ela vai investir num romance. Então sempre quisemos explorar isso. E aí justapor esses dois elementos da Ellie — tímida, esperançosa e feliz. O mais feliz que já vimos.

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E o contraste com ela desesperada, tentando sobreviver, talvez até um pouco sádica nisso, e dizer “é a mesma personagem”. Então essa pareceu uma justaposição legal, considerando os temas de The Last of Us, contrastando beleza com algo mais sombrio e como isso se filtra nas pessoas.

E quando tomamos essa decisão, e tínhamos nossa transição de como ir da cutscene para o gameplay, também percebemos: “Ah, vamos mostrar esse beijo numa entrevista coletiva da Sony!” É uma coisa importante.

[Os dois riem]

E aí ficamos empolgados! Tipo “Sim, vamos mandar ver! Vamos fazer desse o melhor beijo de todos os videogames!” e colocar todos os nossos recursos nisso, porque é algo muito importante para a história.

Quando percebemos certas coisas, tipo “isso é muito importante para a história”, seja um momento muito terno, ou um momento de violência desconfortável, nos focamos nisso e colocamos os recursos apropriados no trabalho.

Vocês podem falar um pouco sobre esses recursos, porque foi mesmo um dos melhores beijos que já vi num videogame.

[Os dois riem]

Ah! Posso tentar! [Risos] Mas com certeza vou perder algumas coisas técnicas.

Tem essa coisa chamada soft mods que afeta a maneira como a pele se move, especialmente quando colidindo com a pele de outra pessoa, para não ter as coisas se penetrando. Há juntas extras no nariz da Ellie quando ela coloca o rosto contra o da Dina e vira a cabeça. Há uma nova tecnologia para quando a ela se afasta e fica corada, para o rosto dela ficar vermelho em tempo real.

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Como estamos perto, temos novas sombras para os dentes, os dentes ganham sombras apropriadas para os lábios.

Porque se alguma dessas coisas dá errado, você é tirado da experiência. Então todas essas coisas tinham que se juntar e até o som do beijo — tivemos tipo — [Gross ri]

O que mostramos no palco não está exatamente certo, então tivemos várias sessões para gravar barulho de beijo.

Os lábios de Ellie estão molhados, então temos que mudar o que foi feito antes. Quando elas se separam tem um tipo de umidade nos lábios. São coisas sutis que você pode nem notar, mas se perder qualquer uma delas, você vai dizer “tem alguma coisa errada… não sei dizer exatamente o quê”.

O cabelo! Então você tem que passar pela física, para as juntas que precisam ser animadas à mão, e ir da mão para o cabelo!

Isso levou, tipo, semanas?

Meses!

Gross: [Rindo] Semanas, há!

Druckmann: E mesmo o resto da cena, todas essas pessoas dançando, foi uma sessão épica de captura de movimento. Precisávamos realmente de mais pessoas para poder capturar em todos os momentos. Então tivemos que chamar um coreografo, um grupo de dança, e fazer isso em partes. Eu estava falando com o animador cinematográfico principal e disse “essa é uma das cenas mais difíceis que você já fez?” E ele disse “Uma das? Essa é A cena mais difícil que já fiz!”

Acho que uma das coisas com que as pessoas estão preocupadas agora é com a ideia de que vocês podem matar a personagem. Que Dina pode ser morta para motivar dramaticamente a Ellie. Não estou pedindo spoilers da história, mas vocês estão conscientes do tropo, considerando a história das mulheres queer no cinema, TV, etc.? Vocês estavam conscientes disso quando escreveram essas personagens e cenários, e segundo, imagino que havia muita pressão para “fazer do jeito certo”?

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Gross: Essa é quase impossível de responder!

Druckmann: [Para Gross] Posso falar um pouco depois você assume! [Para mim] Vou tentar comentar sem dar spoilers! Vou dizer que sabendo que estávamos num gênero que tem certos tropos — e gênero pode ser uma história de relacionamento, ou de apocalipse zumbi, e estamos constantemente considerando os tropos.

Às vezes nos baseamos nos tropos onde eles são melhores para a história, e às vezes queremos subvertê-los de maneira interessante. Então posso te dizer, especialmente com essas coisas, que houve muita conversa sobre isso — não só esse tropo, mas outros que vêm desse tipo de relacionamento.

E o que vence no final é o que é melhor para a história.

Por exemplo, se vamos ter uma protagonista lésbica num gênero de apocalipse zumbi, isso significa que a protagonista vai estar em situações muito violentas, com ela perpetrando isso e outros fazendo isso com ela. Às vezes há certos tropos que podem ter conotações negativas, mas temos que assumir o risco se isso é parte do gênero. Novamente, sem entregar quem sobrevive, porque muito da história são as expectativas das pessoas com quem você se importa.

Temos consciência disso, mas estamos tomando as melhores decisões para a história.

Gross: Ótimo, acho que ele acertou na mosca! [Risos]

A justaposição intensa de romance e violência foi a marca deixada por essa demo. O que entrou nessa decisão?

Em termos de mostrar os dois?

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Sim, em termos de mostrar os dois juntos, de forma tão próxima.

Um dos objetivos para esse jogo é mostrar uma personagem muito complexa e complicada. Colocando essas duas coisas juntas, você realmente consegue ver a Ellie em seus momentos mais confiantes e mais inseguros. Ellie está mais capaz que nunca, e mais confusa e hesitante que nunca.

Então era uma questão de tentar ganhar a confiança e fé do público na história, estamos focando na personagem, estamos honrando a Ellie — não só como uma protagonista legal, mas como uma mulher complicada.

Druckmann: Só quero tocar nisso um pouco. Muita da nossa inspiração para essa história é em eventos do mundo real que estamos estudando. Pessoas boas, nas circunstâncias certas, podem facilmente se voltar para a violência. Especialmente em sociedades onde você não tem a lei para as impedir de fazer isso.

Parte da nossa pesquisa é assistir vídeos que você não vê normalmente em noticiários americanos. Assistimos versões muito editadas dos eventos. Como sentimos que vamos contar uma história sobre o ciclo de violência, então temos que absorver essas coisas — tipo, coisas que acontecem no mundo real — como parte da nossa pesquisa. E portanto, se vamos contar esse tipo de história, temos que nos basear nessas coisas.

Às vezes a arte pode te fazer — e deve te fazer — se sentir desconfortável. E essa é parte da jornada da Ellie. Certo? Não estamos fazendo um jogo onde você pode introduzir sua posição moral e decidir a bússola moral da personagem. Estamos contando uma história com uma personagem forte que toma decisões muito específicas, então às vezes vai haver uma diferença da sua posição moral, e você vai ter que encarar isso. Essa é parte da experiência de jogar esse videogame.

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Minha última pergunta é se há algum feedback importante do primeiro jogo ou do DLC que vocês consideraram profundamente para fazer o segundo jogo.

O principal, eu diria, é a AI. Queríamos — tínhamos certas ambições com o primeiro jogo — que achamos que não acertamos com a AI, e que essa era uma oportunidade de atingir e superar isso. Algumas das fases são muito mais amplas e complexas, Ellie tem um botão de pular agora, então as coisas são mais verticais, e ela se arrasta e pode se mover melhor pelo espaço. Os inimigos têm uma consciência muito maior do ambiente que antes, eles podem se comunicar entre si, eles podem se juntar.

Mesmo quando você está na “grama stealth” — em títulos anteriores, Uncharted 4, especialmente — você está completamente escondido, ou completamente à vista de todos. Aqui, há uma natureza analógica, então tem uma HUD que mostra quanto você está escondido, o que permite aos inimigos ter uma percepção melhor de como te achar.

Todas essas coisas funcionam para tornar os inimigos mais inteligentes, mais ameaçadores e mais humanos.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

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