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Como Bispos e Pastores Pautaram as Duas Últimas Eleições para Presidente

Recuperamos as histórias de pressão, ameaça e barganha de líderes cristãos e evangélicos sobre as candidatas Marina Silva e Dilma Rousseff para descobrir quem manda no Brasil quando assunto é aborto e casamento gay.

A pressão que Marina Silva sofre de pastores evangélicos ao defender o casamento gay é a mesma que Dilma Rousseff sofreu de bispos católicos há quatro anos em relação ao aborto. Ambas tiveram de driblar o lobby religioso para não perder votos. No caso de Marina, a pressão veio de um obscuro pastor chamado Silas Malafaia, justamente quando a candidata conquistava o segundo lugar nas pesquisas e aparecia como possível vencedora num eventual segundo turno. No caso de Dilma, há quatro anos, até a Conferência Nacional dos Bispos e o papa Bento 16 entraram na história, criticando a candidata e forçando a realização de um tira-teima contra o tucano José Serra.

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Curiosos sobre como a religião tem influenciado a pauta eleitoral, nós da VICE nos debruçamos sobre dezenas de arquivos de jornais da última eleição para presidente, em 2010, para concluir que o povo de Deus não tem movido apenas ovelhas e montanhas mas também tem pautado fortemente o voto de seus fiéis.

Se Marina é evangélica e consulta a Bíblia antes de tomar decisões importantes, Dilma recitou de cabeça passagens do Evangelho quatro anos atrás, quando visitou uma maternidade em São Paulo, na sua primeira eleição à Presidência. Com maior ou menor apego a Deus, as duas sofrem com a pressão, mas também surfam no apoio de líderes religiosos e acenam com grandes concessões para os votos cristãos.

A vítima mais recente do lobby divino foi Marina. Na sexta, ela publicou um plano de governo audacioso, que defendia o casamento entre pessoas do mesmo sexo e prometia pôr na cadeia os homofóbicos. Os ativistas urraram de aprovação no Facebook e a candidata à presidente pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) virou “ídala”. Mas mal os confetes baixaram, ela voltou atrás.

Por trás do recuo, estava Malafaia, o pastor de retórica grosseira e enorme poder de barganha, apontado pela Forbes como o terceiro pastor pentecostal mais rico do Brasil. Assim que o programa de Marina foi publicado, Malafaia arremeteu contra a candidata no Twitter, no sábado, dizendo que “ela pensa que o povo de Deus é idiota”, antes de arrematar com uma ameaça: “Se Marina não se posicionar até segunda-feira (sobre o casamento gay), na terça será a mais dura e contundente fala que já dei até hoje sobre um candidato a presidente.”

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O Pgm de gov de Marina pensa que o povo de Deus é idiota.Corrigiu palavras mas a essência é a mesma,pior,cheio de subjetividades.

— Silas Malafaia (@PastorMalafaia) August 30, 2014

Aguardo até segunda uma posição de Marina. Se isso não acontecer, na terça será a mais dura fala que já dei até hj sobre um presidenciável.

— Silas Malafaia (@PastorMalafaia) August 30, 2014

A ameaça funcionou. Marina recuou, disse que o programa de governo continha erros. Imediatamente, ela adernou seu barco na direção dos evangélicos, reforçando a suspeita de que um eventual governo seu estaria permanentemente imobilizado por esse tipo de pressão religiosa.

Após o debate de ontem, no SBT, Dilma alisou Marina sugerindo apoio à criminalização da homofobia: “Acho que a gente tem de criminalizar a homofobia, essa é uma discussão”. A frase é dúbia o bastante para que não se entenda exatamente o que está sendo dito. Ela apoia a criminalização? Ou apenas reconhece que essa é uma discussão? Não importa. Horas depois, a metralhadora de Malafaia voltou-se também contra Dilma:

A Dilma apoia a criminalização da homofobia. Vamos combinar: Os gays votam em Dilma e o restante vota em Everaldo, Aécio, Levy e Marina.

— Silas Malafaia (@PastorMalafaia) September 2, 2014

Dilma já havia provado de pressão religiosa semelhante. Nas últimas eleições presidenciais, em 2010, o próprio papa Bento 16 “condenou o aborto e conclamou um grupo de bispos brasileiros a orientar o voto dos católicos”, como informa o arquivo do jornal Folha de S. Paulo do dia 30 de outubro daquele ano.

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A candidata petista andava então como Marina, oscilando entre o apoio e a condenação em relação a uma bola dividida com os religiosos. Ainda vaga e dubitativa, Dilma teve de levantar uma bandeirinha branca de trégua durante debate promovido na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil): “Considero também que a legislação vigente já prevê os casos em que o aborto é factível. E não, não, não sei se acho que seria necessário ampliar estes casos. Não vejo muito sentido." Ela disse “não sei se acho”.

Na mesma semana, grupos religiosos fizeram circular um panfleto assinado por bispos da CNBB chamado “Apelo a todos os brasileiros e brasileiras” numa missa campal em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. “Nas próximas eleições, deem seus votos somente a candidatos ou candidatas e partidos contrários à discriminalização do aborto”, dizia o texto, claramente orientado contra a candidata petista.

Na época candidata do PV (Partido Verde), Marina também já lidava com a sombra de Malafaia, pastor onipresente cujo real tamanho eleitoral ainda é desconhecido. Faltando seis dias para a eleição presidencial de 2010, ele retirou apoio à candidatura dela e passou a pedir votos para o então candidato do PSDB, José Serra. "Faltaram convicção e firmeza em suas declarações (de Marina), uma vez que o cristão tem de mostrar a cara posicionando-se de forma categórica contra o pecado. Infelizmente, Marina não nega suas raízes petistas. Desce do muro, minha filha! O cristão tem que dizer a que veio, senão boto chumbo na hora". Com essa fala, Malafaia abandonava a candidata seringueira.

Em 2010, Marina terminou como terceira colocada, com 19,6 milhões de votos. Dilma foi eleita a primeira presidente mulher da história do Brasil, com 55,7 milhões. Agora, as duas se enfrentam novamente. O resultado ainda é desconhecido, mas a pressão religiosa é cada vez mais manjada nos bastidores eleitorais.

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