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Desporto

Chelsea, Mourinho e o triunfo do aborrecimento

O Chelsea venceu a Premier League com um futebol controlado e aborrecido. Mas Mourinho não está minimamente preocupado com isso.
Fotografia: Flickr/ cvrcak1

José Mourinho. Fotografia do Flickr - usuário The Sport Review.

Sabemos que José Mourinho é um génio porque apenas precisou de dois anos para construir o seu palácio dourado - entediante - na zona oeste de Londres. O Chelsea venceu a Premier League no início deste mês, para desespero de qualquer fã da "blue team". A diferença é que se compararmos com as equipas de Pep Guardiola do Barcelona, o Arsenal ou o Dortmund de Jürgen Klopp, o Chelsea poderá ganhar títulos, mas dificilmente se aproximará da popularidade universal.

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Mourinho pouco se importa com isto. A sua marca artística é precisamente isso: a arte não lhe diz absolutamente nada. O português é o Michael Bay do futebol, um homem com uma visão brilhante, mas crua, do desporto: a sua única motivação é o marcador. Depois de um austero empate a zero frente ao Arsenal em finais de Abril, Mourinho assegurou: "Para mim, o 'jogar bonito' é ir para o campo, em cada jogo, e saber exactamente como tens que jogar e fazê-lo. No Emirates fomos brilhantes". Sim, se a sua mente não fosse tão genial na parte técnica, Mourinho estaria, de certeza absoluta, a trabalhar num edifício qualquer do governo português, em Lisboa, ou a assinar certificados, maravilhando-se com o carácter imutável das leis. Ou talvez seria professor de matemática em Setúbal, soletrando para si todos os passos de uma majestosa fórmula matemática. O homem gosta da funcionalidade: é a sua obsessão.

Num desporto definido por equipas dominantes que cuidam da imagem, Mourinho é um herético. A percepção de que é um tirano repugnante tem muito a ver com as suas conferências de imprensa corrosivas e paranóicas: quando o ouvimos falar parece que o mundo inteiro conspira contra si. O seu inabalável pragmatismo contribui, sem sombra de dúvida, para a sua imagem sinistra.

Os cânticos das claques rivais têm sido tão altos e tão claros nos últimos meses: "boring, boring Chelsea" [aborrecido, aborrecido Chelsea]. O debate que surgiu do seu primeiro título - em 2010 - na liga inglesa, com a equipa londrina, falava, essencialmente, sobre a questão estética. E ainda está bastante acesa. Uns argumentam o clássico "ok, tudo bem, mas olha como eles jogam" e outros vêm com a história das lesões e dos golos marcados. Nenhuma das duas linhas é especialmente convincente porque gostos não se discutem, porque pode haver beleza numa defesa bem organizada e porque medir a espectacularidade de uma equipa a partir do número de golos marcados é como medir uma pizza deliciosa pelas calorias que tem. Como qualquer outra coisa que atingiu tamanho sucesso, cada um vê o que quer, e isto também se aplica ao Chelsea: podes ficar com técnica sublime de Eden Hazard ou com o mau feitio de John Terry. Cada um com a sua opinião.

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Aqui está José Mourinho, muito provavelmente a magicar um novo método extremamente complexo para classificar a sua colecção de selos. Fotografia de Jason O. Watson, USA Today.

Seja como for, uma equipa com tanto talento não pode ser verdadeiramente aborrecida. É uma delícia ver Cesc Fàbregas e Eden Hazard com a bola nos pés, estejam ou não rodeados por defesas. A graça de jogadores deste nível está não só no que fazem realmente - um corte ou um passe mágico que derrube qualquer defesa - mas também na possibilidade de protagonizarem algo maravilhoso a qualquer momento. Mourinho pode dizer, com toda a seriedade do mundo, que os jogos do Chelsea não foram aborrecidos nos últimos tempos, porque é um tipo estranho que prefere um parque bem delineado e estruturado a um jardim repleto de flores que crescem a diferentes ritmos.

Contudo, por outro lado, os detractores mais ferrenhos do Chelsea têm que admitir que os jogos da equipa londrina têm sido iluminados consistentemente, mesmo que com fragilidade, por Cesc e Hazard. Cada vez que um deles recebe a bola, o público sabe que existe a probabilidade de que algo mágico aconteça e que justifique totalmente ver aquele jogo de futebol. É sempre fixe ver futebolistas jogar assim, mesmo quando não fazem nada porque estão super concentrados nas tácticas ultraconservadoras.

Esta rigidez é o grande pecado de Mourinho, se é que o português alguma vez cometeu algum. A sua equipa poderia ser muito mais, mas tudo o que ele pede é que seja suficiente. O potencial estético do Chelsea nunca se irá concretizar com Mourinho no comando, simplesmente porque isso nunca foi uma prioridade para o treinador. O "Special One" tem apenas uma palavra em mente, que ressoa como um eco: "títulos, títulos, títulos". E ainda para mais, agora acaba de somar mais um à sua colecção. Este Verão, o Chelsea irá contratar mais um par de estrelas para tentar alcançar a Champions League, e, para além disso, irá tentar renovar o título de campeão da Premier. A frustração de Mourinho, e isto aplica-se a qualquer equipa que treine, é que fará o que for preciso para alcançar esses objectivos… e nada mais. Para quê ser especialmente criativo ou mais aventurado do que o estritamente necessário? Mourinho acha que é uma pergunta retórica - e nada o define tão bem como isto.

Este artigo foi inicialmente publicado em VICE Sports.