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Drogas

Tomei adrenocromo e pus-me a limpar a casa compulsivamente

Mais terror é igual a mais adrenalina.
frasco de adrenocromo

Pode ser-se antropófago por um de dois motivos: por necessidade ou por vício. E quando se junta a fome à vontade de comer, então são os dois ao mesmo tempo, como era o caso dos ngarrindjeri australianos, que praticavam o canibalismo ritual. Estes tinham o cuidado de manter as suas vítimas com vida, enquanto lhes abriam os corpos para extrair e engolir as suas glândulas supra-renais frescas, palpitantes e repletas de adrenalina.

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Este neurotransmissor é produzido em enormes quantidades nos momentos em que sentimos terror, de maneira que, com o simples processo de caçar a presa e a preparar para a sua execução, o excedente de adrenalina está mais que assegurado. No entanto, os mais aficionados tinham um cuidado extremo para que o organismo libertasse até ao último átomo desta apreciada molécula. A equação é fácil: mais terror igual a mais adrenalina. É por isso que, nos rituais de canibalismo a tortura é, e sempre será, uma constante universal. Não interessa se nos remetemos às culturas do paleolítico, às seitas satânicas, ou às conspirações dos Illuminati. Os comensais procuram sempre o mesmo: adrenalina, em doses industriais.


Vê o primeiro episódio de "Hamilton's Pharmacopeia"


Winona Ryder, ai não, desculpem, Arizona Wilder clarifica o motivo, no seu célebre e esquizofrénico testemunho de Ex-Deusa-Mãe iluminada: "Nestes rituais, evidentemente, houve quem fosse sacrificado. Foram assassinadas pessoas." […] "É verdade. Esses que são serviçais não sabem que serão sacrificados. Esses acreditam e dizem-lhes que o que fazem é uma honra. E são honrados para obter o adrenocromo que sai do seu sangue, que é o que os répteis necessitam. Aqueles que têm forma humana necessitam do adrenocromo para manter e desenvolver ainda mais as suas habilidades psíquicas. A única forma que o adrenocromo tem de sair através do sangue, da maneira que eles necessitam, é através de alguém que tenha sido torturado e traumatizado longa e dolorosamente. Quando isso acontece podemos extrair aproximadamente 10 cc de adrenocromo da corrente sanguínea".

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Era aqui que queríamos chegar: ao adrenocromo. Trata-se de um metabólico da adrenalina, que terá sido catapultado para o Olimpo da mitologia drogófila, através da mão e da caneta de Hunter S. Thompson. No seu livro Delírio em Las Vegas o composto mencionado protagoniza o episódio mais perturbador de toda a obra. Supostamente, Hunter arranjou esta substância graças ao seu advogado e amigo Oscar Zeta Acosta que, por sua vez, a tinha conseguido através de um cliente dado ao satanismo, que a extraiu das glândulas supra-renais de um ser humano vivo. Como bem sabiam os ngarrindjeri - e qualquer gourmet que se preze - o adrenocromo de qualidade e altamente concentrado só pode ser obtido desta forma.

Mas, o criador do jornalismo "gonzo" não tem razão neste ponto, porque há muito tempo que os avanços da ciência química tornaram possível sintetizar adrenocromo em laboratório, tão autêntico como aquele que podemos encontrar nas glândulas supra-renais mais frescas e suculentas. É idêntico. Um princípio activo é um princípio activo e ponto final. Não há mais conversa.


Vê: "Canábis e cozinha em casa de Hunter S. Thompson"


Nos anos 50, alguns profissionais da saúde mental colocaram a hipótese de que a esquizofrenia tinha origem numa alteração da metabolização do adrenocromo. Um deles foi HumphryOsmond, nada mais nada menos que o psiquiatra britânico que inventou o termo "psicadélico", o mesmo que dedicou a sua vida à investigação médica das substâncias psicoactivas, aquele que deu a Aldous Huxley as doses de mescalina que o levariam a escrever As Portas da Percepção. Ao que parece, Osmond experimentou o adrenocromo sintético e teve uma experiência absolutamente alucinante, delirante e psicótica. E, assim como ele, outros estudiosos e cobaias de experiências viram os seus processos perceptivos e de pensamento interrompidos, durante horas, dias, semanas e até meses, sem terem consciência de que estavam completamente janados.

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Como devem calcular, no momento em que fiquei a par desta história, gravei-a na minha mente e repeti-a numa irreprimível obsessão: "Eu também quero isto!". Encarreguei-me de conseguir o adrenocromo através do dealer de produtos químicos mais fiável do mundo e, à custa disso, também consegui uns comprimidos vintage de adrenocromo nacional, calculo que, mais ou menos, da época do Plano Marshall. Eram oito comprimidos e tinham sido sintetizados em Porriño, Pontevedra.

Comecei por ingeri-los. Eram de adrenocromo semicarbazone, uma apresentação – diferente da canibal – direccionada para fins médicos, que se usa para reduzir o sangramento durante as cirurgias. Adam Gottlieb, no seu livro Legal Highs, afirma que este produto produz uma sensação de bem estar e ligeira alteração dos processos mentais.

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Adrenocromo de Porriño, Pontevedra.

Ingeri duas vezes este tipo de adrenocromo (o de Pontevedra e outro semicarbazone, que consegui nos Estados Unidos), em dias diferentes. Os efeitos, em ambos os casos, foram os mesmos (estado geral de bem-estar moderado e algum grau de entorpecimento mental) e tiveram o mesmo resultado: dediquei-me a apanhar papelinhos do chão, a organizar o meu quarto e a lavar roupa. Estranho. Fascinante. Tinha descoberto o dopping das mulheres a dias, a droga ideal para arrumar a casa.

Depois tomei o mesmo adrenocromo que Osmond, só que em vez de tomar 5 mg, tomei 25. Ele não teve alterações perceptivas, mas eu senti-me eufórico, estimulado e bem disposto. Lembro-me de pensar: "Foda-se, isto sim, deixa-me bem disposto!", embora não tanto como outros estimulantes. Mas, o seu efeito era inegável.

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Adrenocromo norte-americano.

De qualquer das formas já era de noite e como, segundo os comentários dos psiquiatras dos anos 50, os efeitos duravam horas e dias, decidi tentar adormecer. Na manhã seguinte tinha de ir a casa de um amigo que estava em modo babysitter, algo que podia ser bastante violento. Acordei bastante brincalhão. Peguei nuns boxers e reparei na sua cor vermelha-holocausto-canibal. "Ui!", pensei, "seu maroto!", como se estivesse a vestir-me para o engate. E matei-me a rir. Tinha-os vestido mil vezes e nunca me tinham chamado a atenção.

Enfim, a cena é que, a caminho de casa do meu amigo, apanhei o comboio e senti-me esquisito. Via as pessoas de uma forma estranha, os seus gestos e movimentos pareciam surreais e por vezes ameaçadores. Tanto que, na medida do possível, abstive-me de olhar para a paisagem. Toda a gente me parecia estranhíssima. Se olhava para elas mais que uma décima de segundo não conseguia conter o riso. Tinha sensações intensas de surrealismo e, às vezes, paranóicas (como quando tens a impressão de que alguém te olha de lado).

Cheguei a casa do meu amigo (Chema), que estava com o seu filho Miguel e outro amigo (Alexis). Sentei-me no sofá e foquei a minha atenção em ouvi-los e observá-los… Tudo estranhíssimo! Parecia que eles é que tinham tomado adrenocromo. Chema explicava a Alexis o conceito de um dos seus vários projectos. Gesticulava, sem parar, ideias e imagens, cada uma mais onírica, poética, bela, surrealista, incompreensível e hilariante que a outra: "Podia haver água, uma cascata, uma rapariga que aparecia assim, do nada. Podia faltar-lhe um braço, por exemplo". Alexis, visivelmente agitado por uma data de desvarios e por uma ressaca tremenda que carregava às costas, bebia pausadamente uma grande taça de café, tentando, sem sucesso, imaginar o que lhe contavam.

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Entretanto, Miguel falava sozinho – literalmente – soltando frases que seguiam caminhos impenetráveis e que terminavam com uma grande gargalhada, que o faziam tossir como se tivesse um pega-monstros na garganta, a ponto de ser expelido: "Tenho dois mil tipos de problemas diferentes e passei por 14.428 processos diferentes, ah ah ah ah, cof, cof, cof, cof…!!!". Compreendi que era o momento ideal de tomar o antídoto: Vitamina B-3.

No dia seguinte, quando acordei, apercebi-me de que estava normal. No dia anterior não tanto. Era subtil, mas não estava normal. Como disse Osmond, agora "voltava a ser eu mesmo", ainda que a seguir tenha jogado Pokemon Cristal e as imagens estivessem um tanto ou quanto estranhas, tanto na cor como no tamanho. Seja como for, se tenho que dizer alguma coisa em jeito de conclusão é: que, ainda assim, um simples charro afecta-me muito mais.


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