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A Somalilândia É um País de Verdade, Segundo a Somalilândia

O país declarou independência da Somália, mas não é reconhecido por ninguém.

Em uma sala apertada do último andar de um pequeno edifício de escritórios em East End, Londres, virando a esquina do Tesco da Mile End Road perto da entrada do metrô da Whitechapel, fica a Missão da Somalilândia no Reino Unido. Sim, Somalilândia, não Somália (como os panfletos no escritório deixam dolorosamente claro). Em 1991, logo após a queda do ditador militar da Guerra Fria Mohamed Siad Barre, e pouco antes da decadência do país em 22 anos (e contando) de caos e violência, o trecho norte da nação delicadamente declarou sua independência como República da Somalilândia.

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No entanto, nenhum país reconheceu a independência da Somalilândia e poucos ofereceram qualquer apoio. Na verdade, muitos países, como os Estados Unidos, apoiaram oficialmente o Governo Transicional Federal da Somália, partido que periodicamente nega a independência da Somalilândia.

Mesmo assim, desde que declarou sua independência, a Somalilândia parece experimentar menos insegurança e violência e se desenvolver mais efetivamente do que o resto da Somália. Muita da recente (e extremamente limitada) cobertura da imprensa sobre a região aplaudiu desenvolvimentos como as eleições presidenciais de 2010, na qual o partido de oposição derrotou os candidatos da situação por uma pequena margem de algumas centenas de votos. As eleições foram consideradas livres e justas por observadores internacionais e a transição de poder aconteceu sem que nenhum coquetel molotov fosse arremessado.

Depois dessa mudança de guarda, o novo presidente, Ahmed Madamoud Silanyo, indicou Ali Aden Awale como novo chefe da Missão da Somalilândia no Reino Unido, um posto diplomático em pleno funcionamento que emite vistos para Somalilândia e promove a causa do reconhecimento. Recentemente, após visitar a missão, conversei com Awale para tentar descobrir exatamente como ele conduz a diplomacia em um mundo que ainda não reconhece a realidade de sua nação.

VICE: Como vocês possuem uma missão diplomática no Reino Unido, um governo que não reconhece a independência da sua região?
Ali Aden Awale: Deixe-me corrigi-lo primeiro. Nunca fomos uma região e não somos uma região. Somos um país chamado Somalilândia. Tornamo-nos independentes antes mesmo da Somália. Em seguida, houve uma unificação dos estados e, em 1991, cancelamos essa unificação.

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O escritório surgiu porque a comunidade somalilandense já estava aqui. É uma comunidade muito forte. Durante a guerra civil dos anos 1980, nosso país se organizou daqui. Nosso escritório foi uma parte muito importante da nossa luta contra a ditadura de Barre.

Depois de, finalmente, derrubar o ditador, transformamos nosso escritório em uma missão diplomática. Isso porque, em 18 de maio de 1991, [com a queda do ditador] decidimos olhar para nossa história [a existência de um Estado da Somalilândia independente em 1960] e nos retirar da união, reafirmando a independência. Ao mesmo tempo, decidimos que precisávamos de um meio onde pudéssemos conduzir nossas atividades diárias e transmitir nossa mensagem para o mundo.

Por que vocês escolheram Londres?
Nossa maior comunidade e principais canais de comunicação com o mundo exterior estão em Londres. Nosso escritório vem crescendo com os anos e agora temos 13 postos e escritórios representativos em lugares como Bélgica, França, Etiópia, Noruega e Estados Unidos, todos funcionais e representando nossa nação.

Como você se envolveu em tudo isso? Como alguém se torna embaixador de um país jovem e ainda não reconhecido como a Somalilândia?
Na época de nossa luta contra a ditadura, eu era um dos membros da comunidade que apoiava a causa. Eu moravana Arábia Saudita na época, financiando as operações de lá. Mais tarde, tornei-me membro do partido que está no poder atualmente, antes de vencermos a eleição em 2010, e, depois que vencemos, fui indicado pelo presidente.

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Quando vocês mudaram de escritório de apoio do movimento contra a ditadura de Barre para uma missão diplomática – imaginando que a Somalilândia tenha sido muito prejudicada pela guerra civil –como vocês funcionavam? Como você se comunicava com e falava pelos somalilandenses?
Foi uma das situações mais difíceis. Demorava-se muito tempo para conseguir entrar em contato com as pessoas de nossa terra. Tínhamos alguns telefones por satélite, que eram muito caros. Mas não havia serviço postal nem sistema convencional de telefonia. Demorou cerca de três anos para estabelecermos o primeiro contato telefônico com alguns telefones por satélite importados.

Como foi essa curva de aprendizagem, a transição de organizadores da resistência para diplomatas?
Da maneira como vemos, ainda estamos lutando por nossa nação. Fomos capazes de estabelecer nossos sistemas governamentais. Mas, como você disse, houve uma curva de aprendizado. Começamos desarmando as milícias, depois fomos lentamente fazendo a transição para um sistema multipartidário. Tivemos que enfrentar muitos altos e baixos e acho que conseguimos lidar muito bem com as situações que se apresentaram.

A principal questão é que agora podemos entender como o mundo funciona. Estamos impulsionando nossa causa para o mundo todo e também começamos a discutir o término oficial de nossa união com o povo de Mogadíscio, apesar de isso já ter acabado profissionalmente em maio de 1991.

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Como é falar com o governo somali, que ainda acredita na união da nação?
O diálogo, como você pode imaginar, é diferente do lado deles. Eles têm suas próprias razões para pensar como pensam. Mas do modo como vemos, foi decisão nossa e do nosso país em acabar com a união. Sabíamos que eles ficariam bastante insatisfeitos, mas isso é problema deles.

Vocês têm algum problema com o governo britânico, já que conduzem trabalhos diplomáticos no país para uma nação que eles não reconhecem oficialmente?
Na verdade, nunca tivemos problemas com essa questão. Temos uma relação longa e forte com o governo britânico. E, na maioria das vezes, as pessoas que trabalham como representantes aqui têm nacionalidade dupla, então não temos problema com vistos. Além disso, não somos o único escritório de um estado não reconhecido pela Grã Bretanha. Há também Taiwan, que conta com um grande escritório representativo e fortes relações econômicas aqui.

Vocês seguiram em frente e desenvolveram seu estado – moeda, passaporte, etc. – sem o reconhecimento. Houve algum contratempo por causa disso?
Não tivemos nenhum contratempo com o resto do mundo. Os somali com certeza dizem coisas muito ilógicas e que nos aborrecem, mas estamos acostumados com esse tipo de retórica e sabemos como lidar com isso.

E as relações diplomáticas com o Reino Unido? Por que eles não apoiam o reconhecimento de sua independência e insistem na noção de unidade somali?
Não acho que seja esse o caso. Acho que é como alguém que não estudou a história da Grã-Bretanha e da Somalilândia vê o caso. A Grã-Bretanha tem problemas com pirataria e terrorismo, e nós os ajudamos com esses problemas. A Grã-Bretanha quer ajudar a Somália, e os somalilandenses não veem problema nisso.

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Acreditamos que a Grã-Bretanha não está nos empurrando para nada [ou seja, união com a Somália] e temos uma boa comunicação entre nós. Acredito que eles sabem exatamente porque decidimos nos afastar e esperamos que eles respeitem isso. Nós também respeitamos as decisões deles.

Então vocês estão satisfeitos com a neutralidade? Desde que o Reino Unido não force a unificação?
Não estamos satisfeitos com a neutralidade, mas a situação é essa no momento. Estamos lidando bem com nossa situação com a Grã-Bretanha até agora. Mas não ficamos felizes com a posição deles. Queríamos que tivessem feito mais pela gente, como os norte-americanos fizeram pelo Sudão do Sul e os portugueses pelo Timor Leste.

Sabe, a Somalilândia tem se saído bem nos últimos 22 anos com pouca ajuda da comunidade internacional. Esperamos que britânicos, norte-americanos e o resto do mundo recompensem nosso bom comportamento e nosso povo que está fazendo um bom trabalho reconstruindo o país. Porque, no momento, eles estão gastando bilhões na Somália e isso se mostrou infrutífero.

A segurança da Somalilândia foi construída pelas pessoas da Somalilândia e estabelecemos um governo com um parlamento totalmente funcional, um banco central, uma constituição, forças policiais e militares, uma moeda, passaporte e tudo mais. Temos tudo que uma nação moderna precisa, e fizemos tudo sozinhos. A Somalilândia é um dos países do Chifre da África que não têm pirataria. Usamos nosso exército para manter a segurança e controlar o terrorismo. A Somalilândia está fazendo sua parte e muito mais. E, atualmente, parece que o mundo ignora todas as coisas boas feitas pela Somalilândia.

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Você mencionou antes que o Reino Unido forneceu algum apoio. O quêespecificamenteos britânicos fizeram para apoiar o reconhecimento?
Os britânicos apoiam nosso país em áreas como treinamento das nossas forças de segurança, saúde e educação. Mas, para nós, isso não é suficiente.

Quando você acha que as nações vão começar a reconhecer sua independência?
Não quero citar nomes, mas muitos países estão impressionados com nosso progresso e conquistas, e têm discutido isso entre si. Acho que o reconhecimento vai acontecer em um futuro muito próximo.

Por que está demorando tanto? Por que vocês ainda não foram reconhecidos por nenhuma nação?
Não sei. Acho que isso tem que ser respondido pelo resto do mundo. Mas, da maneira como vejo, não conseguimos ainda o apoio daqueles que achamos que poderiam apoiar nossa causa.

Legalmente, a Somalilândia não tem problemas com sua independência. Apenas cancelamos nossa união, como a Síria e o Egito cancelaram a deles.

A questão é que esperávamos que Grã-Bretanha e Estados Unidos fizessem mais e dissessem ao resto do mundo que é hora de garantir ao povo da Somalilândia o que ele merece, que é o reconhecimento político. Foi o que eles fizeram pelo Sudão do Sul e pelo Timor Leste. O que o Sudão do Sul provou que não podemos provar? Nada. Eles nunca foram independentes. Nós já fomos.

É hora de esses países perceberem que também é interesse deles dar ao povo somalilandense o que ele merece. De outra maneira, ficamos realmente preocupados com desemprego, com o crescimento populacional e com os jovens que estão se formando nas nossas faculdades e não conseguem arranjar empregos.

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No que você acha que as pessoas deveriam estar investindo?
A coisa mais importante que os somalilandenses esperam é que o mundo nos ajude com nossa rede de estradas. A Somalilândia ainda tem uma rede de estradas muito pobre que dificulta o tráfego de pessoas e bens. Não temos dúvidas de que assim que nossa rede de estradas melhorar, veremos um crescimento econômico na Somalilândia. Também contamos com muitos recursos inexplorados e temos convidado organizações internacionais para analisar nossos potenciais em minerais e petróleo.

Muitos países na África conseguiram esse tipo de desenvolvimento – estradas e tudo mais – fechando negócios com a China, que ganhaacesso aos direitos minerais e constrói a infraestrutura em troca. Vocês estão buscando algo assim?
Acho que a China é um país muito cuidadoso e vai considerar muitas coisas antes de tomar uma decisão. E eles não serão tão rápidos em reagir à Somalilândia por causa do fator Taiwan – essa é minha visão pessoal. Mas há países discutindo com a gente.

Vocês já se sentiram frustrados e cansados por trabalhar em uma missão diplomática por 22 anos e não conseguir o reconhecimento?
Essa é uma pergunta muito boa. As pessoas da Somalilândia têm uma história muito difícil de opressão sob o domínio de Barre no final dos anos 1970 e 1980. Os mais velhos se lembram de como aqueles dias foram infernais e não querem vê-los de novo.

O presidente da Somalilândia disse, há alguns meses, em seu discurso anual no parlamento, que o país está pronto para esperar, para trabalhar duro e pra fazer o seu melhor para conseguir o que merece, mesmo se levar cem anos. Essa é a mentalidade das pessoas da Somalilândia. Não espere que nosso povo fique cansado de esperar.

Estamos cuidando dos negócios cotidianos melhor do que a Somália e do que muitos outros países. Vivemos em um país democrático, com uma imprensalivre, leis, governo eleito, sistema de justiça e sistema legal estabelecidos.

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