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O Dia dos Professores no RJ

Os professores estão em greve há mais de 60 dias e o bicho pegou de novo. Nunca se prendeu tantas pessoas numa manifestação no Estado do Rio de Janeiro. Foram 190 detidos

Dia 15 de outubro, Dia do Mestre, mais um grande protesto foi convocado pelos professores em greve, que mesmo após os episódios de violência da semana passada e toda a mídia contrária, mantém seu apoio incondicional aos que adotam a tática Black Bloc. Na semana passada, a PM assistiu sem fazer nada aos BBs detonarem um dos portões da Câmara Municipal e só acionaram a Choque quando eles partiram num ataque suicida contra o quartel-general da PM.

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Qualquer um que acompanha a evolução dos protestos no Rio de Janeiro já sabia que nesta terça-feira seria diferente — seria a vez da polícia dar seu recado. Não deu outra: a PM bem que tentou uma aproximação diferente e mais estratégica, mas foi o mesmo show de horror de sempre, com um rapaz hospitalizado após ser atingido por duas balas perdidas, muitos feridos, quase duzentos detidos e o desmantelamento do #OcupaCamaraRIO.

Começou de boa, com batucadas, performances e carro de som. Deveria ter um terço do quórum da semana passada.

Por outro lado, o Black Bloc estava bem maior, com vários grupos vindos de Niterói e outras regiões da cidade somando-se no decorrer da marcha pela Av. Rio Branco.

Fiquei muito curioso em saber como esse cara respirava ou enxergava com esse pano na cara. Tentei uma comunicação, mas, pelo visto, ele também não estava ouvindo direito.

Embora a polícia não tenha escoltado a manifestação, alguns pequenos grupos de PMs comuns estavam estacionados em algumas esquinas, conforme nos aproximávamos da Cinelândia.

Uma vez lá, os manifestantes se espalharam pela praça, ocupando as escadarias da câmara e do Teatro Municipal. Vendedores ambulantes faziam a festa.

A PM não estava na praça, mas entrincheirada em seu quartel-general, desta vez, protegido por grades. Pequenos grupos se posicionavam nas esquinas ao redor da Cinelândia, mas quem estava na praça mesmo não conseguia ver nenhum deles.

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Uma galera ameaçou ir para cima do quartel-general de novo, mas após uma acalorada discussão, o Black Bloc fez um cordão de isolamento impedindo o avanço de um novo ataque suicida. Então, o pessoal ficou ali pelas escadarias no Ocupa Câmara. Um Rage Against the Machine tocava na caixa de som acoplada à magrela de um manifestante. Já estavam externando seus recadinhos pelos arredores, quando surgiu a pilha de marcharem rumo a Alerj, onde o Black Bloc carioca fez sua primeira demonstração de força quando, após o ato convocado pelo MPL para o dia 17 de junho, um grupo grande deixou a Cinelândia rumo a uma desprotegida Alerj, que por muito pouco não foi invadida.

Desde então, as ações violentas do Black Bloc foram muito criticadas por diversos setores. Os BBs alegam que essa violência documentada nas ruas é somente um reflexo da violência do estado, que usa a força, o medo, a tortura e a censura em nome da “pacificação”. A evolução do caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo colaborou para inflar os ânimos contrários à polícia e alimentar o discurso pedindo o fim da militarização desta. Há alguns dias, dez PMs foram em cana por envolvimento no desaparecimento e a investigação promete levar mais gente junto. Um dos envolvidos é um major, então comandante da Unidade de Policia Pacificadora da Rocinha. Para quem não sabe, as UPPs são ocupações militares permanentes nas favelas cariocas onde, na base da bala ou negociações misteriosas, as facções criminosas que controlavam a favela são substituídas por uma nova polícia supostamente comunitária e benevolente, tudo em nome da segurança dos grandes eventos. Quando o comandante de uma UPP é envolvido num crime bárbaro, de tortura, assassinato e ocultação de cadáver, o conceito da UPP ganha, no mínimo, um gigantesco telhado de vidro.

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O Black Bloc deixou a Cinelândia aplaudido pelos professores, no entanto, não conseguiu ir muito longe. Uma quadra adiante, ao encontrar um grupamento de uns 20 policiais, houve uma troca de provocações e logo bombas começaram a explodir. Os PMs passaram um sufoco e apelaram para os tiros de verdade. Imagens na internet mostram também pessoas à paisana (ainda não se sabe se são P2 ou vigilantes) efetuando disparos de arma de fogo. Os BBs recuaram para a Praça novamente.

A maior parte da reação policial vinha de um grupo grande de PMs na Av. Rio Branco. Os BBs começaram a arrancar tapumes e placas de aço que protegiam as agências bancarias detonadas na semana anterior e partiram para cima da PM usando-os como escudo.

Quando eu vejo pessoas como essa tia aí na esquerda, ou um vendedor de cerveja que não aparece na foto, mas que estava junto jogando pedras de cara limpa, fico com a impressão de que qualquer um pode estar no Black Bloc.

Os PMs comuns não seguraram a onda e bateram em retirada, deixando o centro à mercê das depredações por alguns instantes. Neste local, detonaram o ônibus da PM da foto e incendiaram uma viatura na Lapa. O secretario de segurança José Mariano Beltrame até se pronunciou acerca do simbolismo desses atos. É engraçado que ele não se manifesta acerca do simbolismo do comandante de uma das unidades de seu maravilhoso projeto de polícia comunitária ter torturado, assassinado e desovado um morador dessa comunidade.

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A Choque chegou com motos e veículos empurrando os manifestantes pro Aterro. Chegando lá, mais policiais da Choque apareceram, cercando e empurrando a galera na direção da Glória.

Um acidente bem no cruzamento da Augusto Severo impediu o avanço da Choque e o Black Bloc pôde se reagrupar e marchar em direção a Lapa.

Na Lapa, houve novos ataques da polícia, que chegou a perseguir manifestantes até Santa Tereza. Após a dispersão, o movimento natural dos diversos grupos de manifestantes e jornalistas espalhados foi o de voltar para a Cinelândia, que tinha a maioria dos acessos cercados e  de onde só se passava mediante revista.

A maioria do pessoal ficou sentada nas escadarias da câmara. Esse doidão da foto vestido de Homem-Aranha fez uma coreografia bem louca que lembrava a Madonna no clipe de Vogue. Logo em seguida, recomeçou a troca de bombas e pedras, que eram arremessadas contra os manifestantes, inclusive do alto dos edifícios.

Separados em pequenos grupos, os PMs comuns viraram presa fácil e apelaram até para os escudos de tapume abandonados pelo Black Bloc. O pessoal jogava o lacrimogêneo de volta para eles, que estavam sem máscara, e acabaram sendo colocados para correr aos gritos de “essa é pelo Amarildo seu porco fardado!”.

Aí a Choque voltou fazendo o que faz de melhor: atirar bombas que custam mais do que um salario mínimo e prender o primeiro negro descalço e sem camisa que apareceu pela frente.

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Numa manobra super inesperada, a PM começou a cercar os manifestantes que ocupavam as escadarias e desmanchar as barracas da ocupação.

Logo, chegaram dois micro-ônibus da PM e eles começaram a colocar geral lá dentro.

Agora, vem um dos momentos mais incríveis da história: depois de lotarem todos os micro-ônibus da PM, apareceu um ônibus de linha, que pertence ao Jacob Barata, aquele empresário que domina os ônibus do Rio e é amigo do governador e do prefeito!

Ao fim da noite, foram 190 detidos levados a cinco DPs diferentes, algumas delas bem distantes do centro. A maioria foi liberada, 84 foram encaminhados ao sistema prisional, sendo 20 deles menores de idade. A nova Lei do Crime Organizado foi usada para enquadrar 27 deles por crimes como dano ao patrimônio público, formação de quadrilha, roubo e incêndio. Nunca se prendeu tantas pessoas numa manifestação no Estado do Rio de Janeiro.

Enquanto isso, uma liminar na justiça conseguiu anular as votações do novo plano de carreira dos professores, mas a Prefeitura disse que não está disposta a comunicar enquanto a greve continuar. Uma audiência de conciliação no STF está marcada para a semana que vem.

ATUALIZAÇÂO: A liminar foi derrubada nessa quarta (16) pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ - RJ) a pedido da Procuradoria-Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

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