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Bastidores da Peruana

Eu e amigos indigenistas estávamos reunidos, refrescando-nos com cerveja, quando a notícia-bomba chegou por telefone.

De Taruacá (AC)

Índios isolados / Foto por Gleison Miranda (Funai)

Sábado, 23 de julho, e um sol de matar na cidade amazônica de Rio Branco, capital do Acre. Eu e amigos indigenistas estávamos reunidos, refrescando-nos com cerveja, quando a notícia-bomba chegou por telefone. A base da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, no igarapé Xinane, foi invadida. A equipe da Fundação Nacional do Índio (Funai) tinha saído pelos arredores da base para seu trabalho rotineiro de busca de vestígios de índios isolados, mas encontrou três pessoas – duas com armas.

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Foto por Maria Emília Coelho

O celular tocou de novo. A equipe evacuou a área rumo à aldeia Simpatia, distante três horas de barco, e onde vivem indígenas Ashaninka contatados pela sociedade. Esses índios tinham avisado a Funai sobre a possível incursão de cerca de 40 peruanos armados até os dentes dias antes. A base do Xinane fica a 32 quilômetros da fronteira com o território do Peru.

Os dias que seguiram a invasão foram agitados para mim, pois escrevo sobre as ameaças a que estão expostos os índios isolados na fronteira Brasil-Peru desde que cheguei nesta região da Amazônia, há quatro anos. O amigo e sertanista José Carlos Meirelles, que coordenou a Frente Envira por 23 anos, sempre alertou o mundo sobre a vulneralidade desses povos por conta da exploração ilegal da madeira no lado peruano. Em 2007, constatou durante um sobrevoo a migração de um grupo de isolados do Peru para o Brasil. Esses índios fugiram de madeireiros que invadiram seus territórios.

Mas agora a ameaça chegava ao lugar por causa do narcotráfico. No dia 3 de agosto, eu e Meirelles partimos de helicóptero até a cidade acreana de Tarauacá. Encontraríamos o chefe da operação Xinane da Polícia Federal, iniciada uma semana após a invasão, para depois sobrevooar a área. A nossa missão era fotografar as malocas dos isolados para saber como estava a situação depois do ocorrido.

José Carlos Meirelles

Em Tarauacá, o delegado Barbosa soltou mais uma bomba: o Português foi preso! Joaquim Antônio Custódio Fadista havia sido capturado em março deste ano na mesma base da Funai, com o auxílio de Artur Meirelles, filho do sertanista e atual coordenador da Frente. O narcotraficante foi extraditado para o Peru, mas mesmo assim conseguiu retornar ao Xinane supostamente atrás da uma mochila com drogas que havia deixado.

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No dia seguinte, já no helicóptero, fomos informados que a Polícia Federal havia retirado todo mundo da base, inclusive a equipe da Funai. Decidimos então, ainda no ar, mudar o rumo e encontrar o pessoal em Jordão, o município mais próximo da Frente. Indignados com o final da operação da PF, fizemos uma reunião na qual ficou decidido que Artur, Meirelles, Carlos Travassos (coordenador geral de Índios Isolados da Funai), e mais dois mateiros, Marreta e Chicão, voltariam para a base. Eu regressaria para Tarauacá para jogar a merda no ventilador, ou seja, espalhar a notícia para o mundo. Foi o que fiz.

Na sexta-feira, 5 de agosto, subi novamente no helicóptero para deixar os meus valentes amigos naquele lugar remoto da Amazônia. No dia seguinte, recebi a notícia mais triste de toda essa história do Carlos Travassos via email (apesar da base ter sido bastante saqueada pelos peruanos, a internet continua funcionando): "um pedaço de flecha de um índio isolado foi encontrado dentro de uma mochila deixada por um dos invasores em acampamento abandonado próximo a base". Conflitos? Matanças? O que será que aconteceu com esses povos isolados? Isso, até agora, ninguém sabe.

Foto por Maria Emília Coelho

TEXTO POR MARIA EMÍLIA COELHO, DE TARUACÁ (AC)