Esta Pode ser a Foto mais Perigosa – e Cara – do Japão

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Esta Pode ser a Foto mais Perigosa – e Cara – do Japão

A foto deve valer mais de US$ 1 bilhão no Japão. Ou, no mínimo, uma surra de bandidos armados com tacos de basebol.

A foto acima deve valer mais de US$ 1 bilhão no Japão. Ou, no mínimo, uma surra de bandidos armados com tacos de basebol.

Em setembro, o jornal de direita Keiten Shimbun comprou a foto de Hidetoshi Tanaka, o diretor-chefe da Universidade do Japão e vice-presidente do Comitê Olímpico japonês. Na imagem, ele está sentado com Shinobu Tsukasa, o chefe do maior sindicato yakusa [crime organizado], o Yamaguchi-gumi. (Veja a mão esquerda dele.)

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A foto, que a polícia acredita ter sido tirada no começo de 2005, foi enviada anonimamente a vários meios de comunicação, incluindo o Keiten Shimbun; além das fotos, uma revista recebeu um bilhete, que dizia: "Sou um funcionário da Universidade do Japão, onde muitos estão em conflito com o diretor-chefe Tanaka. Seis ou oito anos atrás, quando Tanaka foi eleito diretor-chefe, ele foi a um clube em Nagoya comemorar sua promoção com o chefe do Yamaguchi-gumi e muitos outros membros da organização. Ele mostrava essas fotos para nos intimidar e nos manter em silêncio. Por favor, investiguem".

Yakuza é um termo geral usado para os 21 grupos de crime organizado do país que contam com cerca de 60 mil membros. Eles existem como entidades semilegais no Japão, com escritórios, cartões de visita e até revistas especializadas. O dinheiro deles vem principalmente de extorsão, agiotagem, fraude, manipulação da bolsa – e construção civil.

As Olimpíadas de Tóquio de 2020 devem custar pelo menos US$ 5 bilhões. O que quer dizer que há muito dinheiro para se ganhar no ramo da construção agora.

De acordo com a polícia e outras fontes, um repórter do Keiten Shimbun pediu esclarecimentos por parte da Universidade do Japão e de Tanaka sobre o período em que as fotos foram tiradas e qual a relação atual dele com o Yamaguchi-gumi. Na noite de 30 de setembro, quando o repórter voltava ao escritório do jornal, ele foi atacado por dois homens com bastões de basebol de metal, que o acertaram numa única parte do corpo. A polícia disse que não vai divulgar o local específico dos golpes, "porque é algo que só a vítima sabe, e queremos evitar falsas confissões".

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Um dia depois do ataque, quase todos os grandes meios de comunicação japoneses receberam ameaças por telefone, dizendo que eles não deviam publicar a foto. Um editor de revista, que falou com a VICE sob a condição de permanecer anônimo, afirmou que a ameaça foi a seguinte: "Atacamos o Keiten Shimbun. Se você for arrogante e publicar a foto daqueles dois, você enfrentará o mesmo destino".

Mais de um mês depois, a foto continua inédita no Japão. (A VICE é o primeiro meio de comunicação a publicá-la.) No entanto, o Keiten Shimbun publicou outra imagem de Tanaka no fim de outubro. Na foto (abaixo), de algum momento de 2004, ele aparece com outro membro sênior do Yamaguchi-gumi chamado Iwao Yamamoto, que já foi próximo de Tanaka. Yamamoto se matou em frente ao túmulo de seu predecessor em dezembro de 2010.

"Se (Tanaka) tem ou não alguma associação com os membros da Yamaguchi-gumi, isso ainda não foi esclarecido", destacou um oficial da Agência Nacional de Polícia. "Sob a Portaria de Controle do Crime Organizado de Tóquio, tais laços seriam ilegais."

Tanaka tem um histórico de associações suspeitas. Uma foto dele (abaixo) foi tirada numa festa de comemoração da promoção do chefe de gangue Hareaki Fukuda a presidente do grupo criminoso Sumiyoshi-kai (um rival da Yamaguchi-gumi), em setembro de 1998, no Hotel New Otani, em Tóquio. Ele supostamente teria ido à festa para parabenizar o chefe da gangue. (Fontes do Sumiyoshi-kai dizem que, por volta de 2003, Tanaka começou a se associar mais com o Yamaguchi-gumi.)

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Fukuda e Tsukasa também são conhecidos das autoridades americanas. Um investigador de uma agência federal, em contato com a VICE, ratificou: "Em 2012, os EUA estabeleceram sanções econômicas contra esses grupos yakuza e proibiu cidadãos norte-americanos de se associar com os grupos ou seus líderes. Essas fotos levantaram suspeitas sobre a seriedade com que o Japão está lutando contra o crime transcontinental".

O Comitê Olímpico do Japão, no entanto, não parece compartilhar essas preocupações. O comitê tem um papel importante na promoção dos desejos do Comitê Olímpico Internacional (COI) e na garantia de que os jogos corram da melhor maneira possível. A entidade olímpica do país também teria informações privilegiadas sobre as construções a serem realizadas para os jogos, informações que podem ser muito valiosas na hora de se fechar contratos lucrativos de construção. O Comitê Olímpico do Japão não quis comentar o assunto quando contatado semana passada.

O Yamaguchi-gumi é o suspeito menos provável do ataque e das ameaças, já que o grupo não recorreria a tais táticas graças à influência de Tsukasa.

Além de ser vice-presidente do Comitê Olímpico do Japão, Tanaka também é diretor-chefe da maior universidade japonesa e presidente da Associação Internacional de Sumô; a polícia acredita que Tanaka pode ter conhecido Tsukasa e outros membros da Yamaguchi-gumi através de conexões do sumô. O esporte passou por um escândalo em 2009, quando foi revelado que muitos lutadores apostavam em partidas de basebol com agenciadores desse grupo criminoso. Também houve alegações de que os lutadores participavam de lutas combinadas, mas as investigações da polícia não chegaram a lugar algum.

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Quando contatado pela VICE, um porta-voz da Universidade do Japão fez o seguinte pronunciamento: "A universidade recebeu essas fotos com uma ameaça por escrito no começo de setembro e deu queixa na polícia por intimidação. O Sr. Tanaka não se lembra de ter encontrado com esses indivíduos e considera as fotos falsas". No entanto, a universidade ainda não submeteu as fotos à outra instituição para análise forense e não sabe explicar como elas poderiam ter sido falsificadas. A instituição alega que era impossível falar com Tanaka, mesmo que ele tenha admitido, através da universidade, que encontrou Fukuda acidentalmente muitos anos atrás. O diretor também se encontrou com o consigliere do Yamaguchi-gumi Heo Young Joong nos anos 90, mas disse não ter um relacionamento próximo com ele. O encontro supostamente centrava-se no pedido de ajuda política de Joong para tornar o sumô um esporte olímpico em 2008.

A dúvida sobre quem exatamente atacou o jornalista e ameaçou as outras revistas permanece. A polícia atualmente mantém a teoria de que o Sumiyoshi-kai teria liberado as fotos e armado o ataque para parecer que o Yamaguchi-gumi era a responsável. Isso poderia iniciar uma ofensiva contra as companhias de fachada do grupo criminoso na indústria da construção, forçando o grupo a sair do lucrativo esquema das Olimpíadas. O bolo remanescente poderia, então, ser dividido por outras yakuza.

Na verdade, Yamaguchi-gumi é o suspeito menos provável do ataque e das ameaças, já que o grupo não recorreria a tais táticas graças à influência de Tsukasa. Depois de sair da prisão em 2011, onde cumpriu pena por posse de armas, o antigo yakuza tem aplicado o velho código da Yamaguchi-gumi: não atacar civis, não se envolver em roubos ou assaltos menores, não vender ou usar drogas. Mas nem todos na organização compartilham as crenças de Tsukasa nos valores familiares tradicionais yakuza.

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De onde as fotos vieram e por que elas surgiram agora ainda é um mistério. De acordo com a revista FACTA, a Agência Regional de Impostos de Tóquio começou a investigar a Universidade do Japão sob suspeita de evasão fiscal, e há a possibilidade de as fotos terem surgido durante o processo. O bilhete enviado junto com as imagens também poderia ser verdadeiro – um membro frustrado da diretoria vazando fotos que eram usadas para intimidar os oponentes políticos de Tanaka na universidade. A polícia ainda está tentando datá-las, mas as considera autênticas.

Mesmo assim, dificilmente a revelação das conexões passadas e presentes entre Tanaka e a yakuza vão resultar numa tentativa de se limpar o comitê ou as Olimpíadas. Avô do primeiro-ministro Shinzo Abe, Kish Nobusuke (também primeiro-ministro) tinha relacionamentos amistosos com o Yamaguchi-gumi; em 1971, Nobosuke ajudou a levantar o dinheiro para pagar a fiança de um membro do grupo acusado de assassinato. Em 2012, surgiu uma foto de Abe e do membro do Yamaguchi-gumi Ichuu Nagamoto – juntamente com o político americano Mike Huckabee – tirada em 2008.

Abe insistiu que não conhecia Nagamoto e salientou que não sabia com quem estava tirando a foto.

Também é possível que o envolvimento da yakuza com as Olimpíadas não seja um problema, porque a administração Abe não vê isso como um empecilho – assim como também não acha que o envolvimento deles seja prejudicial nas indústrias nucleares, do entretenimento e de construção. O tribunal do distrito de Tóquio reconheceu, em janeiro de 2013, que uma das maiores construtoras responsáveis pelos projetos olímpicos contratou a yakuza para intimidação durante as negociações. O que não teve absolutamente nenhum efeito na continuação dos projetos da empresa.

Desde setembro, dois membros recém-apontados do gabinete de Abe tiveram de renunciar depois de alegações de desobediência a regulamentações políticas. O recém-apontado ministro da Indústria e Comércio teve de se desculpar quando seus subordinados usaram verba pública para frequentar um clube de sadomasoquismo. E Eriko Yamatani, o atual chefe da Comissão de Segurança Pública, que supervisiona a polícia, tem uma história de associação com grupos de extrema-direita bancados pela yakuza.

Enquanto os planos e as construções para as Olimpíadas continuam, haverá mais oportunidades para se fazer perguntas. Mas as chances de os repórteres japoneses saírem por aí questionando sobre a influência da yakuza são quase as mesmas do sumô se tornar um esporte olímpico em 2020.

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Tradução: Marina Schnoor