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Notas de um Cara na Líbia V - Sangue e Monotonia em Ajdabiya

É fácil perder a cabeça em um lugar como esse. Ontem passamos pelo menos oito horas dentro do carro, e hoje foram mais umas quatro horas ou algo assim.

É fácil perder a cabeça em um lugar como esse. Ontem passamos pelo menos oito horas dentro do carro, e hoje foram mais umas quatro horas ou algo assim. Conversamos com as pessoas que estão "alinhadas". Ficamos hospedados em hotéis com outros jornalistas. Fazemos os mesmos caminhos do que eles. Não é muito diferente de um pacote de férias. Cavamos nosso motorista por respostas e explicações sobre o que de fato está acontecendo, o que os líbios realmente pensam. É como turistas que se sentem mais íntimos do local no qual passam férias por conversarem com seus guias. A diferença é que, até onde sei, o Club Med e o Sandals não oferecem pacotes que incluem tiroteios constantes e destroços em chamas.

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Nossa próxima parada foi um hospital de Ajdabiya. Uma estudante de medicina que estava trabalhando no que parecia ser um quarto de emergência deixou que eu tirasse fotos de sangue no chão – o resultado de um acidente de carro com duas vítimas. Uma delas já estava se recuperando, e a outra seria enterrada em breve. A estudante nos disse que o pessoal de Gaddafi atacou o hospital e atirou em alguns pacientes. É a mesma história de quando as coisas estavam começando a esquentar no Iraque. Quem inventa essas histórias? Não tenho dúvida que aqueles que apoiam o Gaddafi realmente pertubaram os pacientes e funcionários do hospital, mas até que ponto?

Um segurança com o nome de Issa Mohammed (aliás, "Issa" é a tradução em árabe para Jesus) nos mostrou sua perna, que havia sido ferida por estilhaços. Não ficou claro exatamente quando, onde e por que o ataque aconteceu, ou se a aquela versão corroborava a história da estudante de medicina. Ela disse que ouviu disparos. Ah, jura? Tiros? Agora? Na Líbia? Não me diga.

Fomos informados de que o hospital estava completamente lotado e caótico nas últimas duas semanas, mas durante a nossa visita parecia calmo. Eu conseguia até ouvir os pássaros do lado de fora. Eventualmente continuamos nosso caminho até uma sala onde quatro pessoas estavam se recuperando. O quarto estava tomado por uma luz verde, que atravessava o vidro fumê e as cortinas. Parecia meio que um santuário, e tinha uma aparência um tanto sobrenatural, mas de certa forma fiquei decepcionado. Queria sentir a guerra – queria ter vontade de vomitar. Não vim aqui para experimentar o tipo de guerra em que os corpos são levado embora antes de eu chegar no local de batalha. Toda vez que via caras de verde correndo na direção das escadas, eu entrava em alerta -- mas nada realmente acontecia.

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O garoto que se machucou com estilhaços na perna nos disse que foi atacado quando transportava água para alguns rebeldes locais. Ele costumava fazer sanduíches para eles também. Durante um tempo, ele irá se sentar e olhar para a parede na sala banhada em verde. Uma garotinha sentou-se na cama ao lado da dele, com um olhar triste. Seu irmão e primo encontraram uma granada que eles pensavam não estar funcionando, e então eles começaram a brincar com a bomba. Eles se enganaram; o irmão dela morreu e voaram estilhaços no peito dela. Sangue seco manchava sua camisa amarela. Ela ajeitou seu hijab estampado com flores e parecia que ia chorar a todo instante enquanto contava a história lentamente para nós. Alguns momentos depois, decidimos ir embora.

Era o primeiro andar onde os feridos chegavam, e eu estava perto da porta enquanto meu colega jornalista falava com alguns caras. Um garoto deficiente mental apareceu ao meu lado e pegou a garrafa d’água na minha mochila. Peguei de volta impulsivamente, mas depois a devolvi. Seu pai tentou tirar da mão dele para devolvê-la para mim enquanto o menino gritava. Fiz um gesto para eles ficarem com a garrafa. Os rebeldes uniformizados que estavam por ali não gostaram muito da ideia a princípio, mas depois acenaram afirmativamente quando meus gestos foram compreendidos. O garoto devolveu a garrafa d’água, e então a entreguei a seu pai. Mais uma vez respostas de aprovação foram dadas por todos ali.

"Nada disso faz sentido", disse o jornalista mais velho.

Quando estávamos saindo, tirei uma foto de um cara com um ferimento na cabeça enquanto ele era levado para fora do pronto-socorro. Dormi o caminho inteiro na volta pra casa.