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Música

Como o Bok Bok Encontrou o seu Mojo

Qual foi aquele momento tchan que te transformou nisso que você vê no espelho hoje? O Bok Bok conversou com a gente sobre suas noitadas antes de se transformar num patrão do bass.

Muitas vezes, basta um simples momento - um encontro casual, um show incrível ou uma música especial - para desencadear inspiração e motivação para o resto da vida. Na coluna The Spark, nossos DJs favoritos nos contarão quais foram esses momentos deles.

Aqui, o patrão da gravadora Night Slugs, Bok Bok, conta sobre como ele aprendeu a desencanar e passou a amar o bass.

Eu tinha umas mesas e mixava algumas coisas, mas eu nunca soube exatamente o que estava fazendo; se era só para mim, ou se era algo que eu fazia do meu tempo livre. Quando você começa a discotecar, ou a produzir algumas faixas na sua casa ou algo assim, você nunca bota muita fé de que isso pode vir a se transformar em algo de verdade.

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Eu devia ter por volta de 18 anos quando um amigo me fez ouvir as rádios piratas de Londres. Eu não sei se você já ouviu rádios piratas, mas as vezes elas transmitem esses comerciais engraçados e muitas vezes divulgavam eventos no qual estão envolvidos. Ouvi alguns anúncios na Rinse FM para a FWD>>, que supostamente era uma festa de "cabeçudos", mas ao ouvir a música que tocava no fundo do comercial eu fiquei tipo "Pera aí, o que é isso?". Era diferente de tudo o que rolava na rádio.

Às vezes, especialmente durante a noite, eles tocavam um estilo mais instrumental. Notei que as faixas carregavam um pouco de dub, ou que a proposta daquele som estava mais interessada no espaço e em outros elementos. Chegou um momento em que eu conseguia discernir que esse era o novo som que vinha desse clube novo chamado FWD>>. Seria apenas uma questão de tempo até que eu fosse lá.

Na primeira vez que eu fui rolou bastante grime. Sabe o Roll Deep Crew? A turma antiga do Wiley e Dizzee Rascal? Eles estavam se apresentando lá, então fui dar uma olhada. Eu estava ouvindo muito grime naquela época. Eles eram muito bons e depois do show deles ainda tinha mais um DJ. Hoje em dia ele se chama Plastician, mas naquela época era Plastic Man. Foi aí que eu pensei: "Ah, ok – esse som realmente funciona como instrumental também".

Eu fui com outro amigo que estava começando a entrar nessa cena de grime e ele estava ouvindo aquilo no clube pela primeira vez, assim como eu, e eu percebi que ele não estava curtindo muito. Mas pra mim foi o contrário, eu só queria entrar e dançar.

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De certa forma, foi o som mais foda que eu já tinha ouvido. Eu pensava - sim, isso é pra mim.

O FWD>> rolava em um lendário clube de Londres chamado Plastic People. Quando você vai lá… Parece que quem quer que tenha projetado o lugar fez tudo errado, mas acabou dando certo. Era um cômodo pequeno com teto baixo e uma cortina que separava o bar da pista. Cabiam cerca de 100 pessoas numa boa. O sistema de som, na verdade, era bem maior do que o espaço precisava, mas existia um equilíbrio, então você meio que sentia a realidade, a fisicalidade dos subs. Era quase como estar submerso, ou dando uma volta numa montanha-russa. Totalmente visceral. Totalmente físico. Também era bem escuro, então era quase como uma privação sensual.

Sabe essa sensação? Você não sente em muitos outros clubes. É algo especial. Pra falar a verdade, eu já toquei em ótimos sistemas de som e já ouvi muitos outros, mas nunca encontrei algo parecido com aquilo.

Como era muito escuro, você poderia fazer o que quiser. Todo mundo deixava você ser o que quisesse. E é por isso que agora eu tento fazer minhas noites as mais escuras possíveis. Eu sinto que uma vez que você faz isso, especialmente com música nova, as pessoas conseguem responder de uma maneira física. Eles vão achar uma forma de se expressar; novas sequências de bateria, novos ritmos. As pessoas conseguem responder com o corpo e reagir instantaneamente, em vez de sentir que alguém está os olhando, medindo ou qualquer coisa assim.

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Eu costumava ir muito sozinho. Quando eu era mais novo eu curtia muito fazer isso. Eu ia às quintas e encontrava um monte de gente que conhecia só de ver lá. Quero dizer, não era uma noite para socializar exatamente. Você poderia ir lá e socializar todas as outras noites, mas se eu levasse alguém que quisesse conversar comigo a noite inteira, eu ia ficar puto. Na real eu ia lá para viajar.

O que eu mais gostava de tudo - e isso é uma parte importante do cenário musical londrino em geral - eram as misturas étnicas e culturais. Você tinha essa sensação quando estava lá. Os caras geralmente usavam roupas de treino (o que no UK significa uma calça de moletom e blusão de capuz), e as garotas se arrumavam um pouco mais. Todo o tipo de gente colava lá. Às vezes apareciam umas pessoas realmente esquisitas, e acho que isso se deve pelo fato de que a música instrumental consegue tocar vários tipos pessoas de diferentes origens. Como por exemplo, alguns caras que já chegavam muito chapados logo no começo da noite, no meio da semana, e botavam pra foder na pista.

Naquele momento, em 2004, tudo isso ainda estava surgindo, então eu estava lá enquanto tudo estava se tornando concreto. Eu me sentia parte de algo novo e excitante. Não era como se tudo isso já estivesse lá, esperando que eu descobrisse - eu estava bem no momento certo.

Eu comecei a ir àFWD>> o tempo todo, quando eu a descobri, mas chegou um ponto em que passou a rolar mensalmente, e depois virou quinzenal.  Acho que esse foi o meu período favorito, porque eu sentia que estávamos chegando ao auge. Entre as duas semanas, eu me preparava para a próxima noite acompanhando as novas faixas na Rinse FM. Você antecipava as melhores faixas que iam tocar na próxima festa.

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Eu me lembro de ter ficado zoado após uma noite específica. O Kode9 tocou a noite inteira, e eu acho que ele exagerou um pouco. Meus ouvidos ficaram muito fodidos, foderam ao ponto de que eu realmente não conseguia ficar em pé sem perder o equilíbrio.

A FWD>> e toda a cena conectada - as várias rádios, DJs e produtores que estavam envolvidos - me fizeram olhar com outros olhos para onde eu estava vivendo. Eu sentia que havia uma razão para estar em Londres. Havia uma razão para estar aqui ao invés de outra cidade ou país ou qualquer outro lugar. Eu sentia que existia um contexto para eu começar a fazer algo e me dedicar a isso.

Eu estava estudando Arte na época. Eu não tinha uma carreira em música, mas os valores daquele lugar e toda a forma como ele foi apresentado para mim, me afetou profundamente, e ainda afeta. Eu sinto que eu fui lá para aprender com os DJs. Aquilo foi a minha escola. Havia uma grande ênfase em produzir faixas de um jeito para que soassem amplas e detalhadas, com subs realmente expansivos. Essa é a minha estética. A estética da minha produção, e de toda a minha gravadora, foi completamente forjada pelo fato de eu ter frequentado esse clube quando mais novo. Eu estava treinando meus ouvidos, basicamente.

Hoje em dia, a FWD >> ainda acontece. Está em um novo local e passou por um monte de transformações. Um dia me vi me chamaram para tocar lá. Eu fiquei tipo "Uau, OK". Eu alcancei algo especial aqui. Isto foi definitivamente um alicerce para mim, sempre tive muito respeito e aqui estou eu, do outro lado, por trás dos decks. Houve uma sensação de conquista quando esse dia chegou. Definitivamente me senti como se tivesse alcançado um ponto importante da minha vida. Isso foi algo que me influenciou profundamente, um momento que sempre aspirei, e lá estava ele. Desde então acho que já toquei seis ou sete vezes lá.

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Algumas vezes por ano eles me chamam de volta para tocar lá, o que é muito legal. Tudo começou ao ouvir a Rinse quando adolescente e eu fiquei tipo: "Caralho, isso está mudando minha vida". E a FWD>> é uma noite da Rinse FM, então tem algo de certa forma psíquico que aconteceu porque eu consegui entrar nessa cena de alguma forma. Eu consegui me enfiar dentro do underground que tanto me influenciou.

Quanto ao Plastic People, aquele lugar passou por várias mudanças, e infelizmente foi afetado por um processo de gentrificação idiota. Quando uma área fica legal, pessoas ricas se mudam para lá e começam a reclamar do barulho. Basicamente, só havia reclamações de barulho e batidas policiais atrás de drogas. Eles revistaram a cabine, os banheiros e encontraram rastros de cocaína. Dá pra acreditar? Eles iam fechar o local, mas conseguiram ficar abertos depois de diminuir drasticamente o sistema de som. As coisas que o transformaram numa lugar mágico foram aos poucos sendo eliminadas.

Um dia eu terei meu próprio clube, e ele vai ser daquele jeito.

Ilustrações por Nathaniel Flagg.

Como contado à Lauren Schwartzberg. Lauren é a mulher que é hoje por causa da tour Glow in the Dark, do Kanye West - @laurschwar