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Entrevista com um black bloc egípcio

O anarquismo europeu já chegou ao Egipto.

Na quinta-feira passada, alguns manifestantes egípcios passaram a tarde toda a arrancar bocados de um muro de betão na rua Qasar Al-Aini, no Cairo, para depois os atirar contra a polícia de choque que tentava dispersar a multidão com gás lacrimogéneo. O muro foi construído pela polícia, de forma a restringir os protestos à Praça Tahrir, mas saiu-lhes pela culatra: o muro acabou por servir de munição aos manifestantes. Subitamente, dois jovens que usavam máscaras pretas, camisolas pretas e calças pretas passaram pelo muro a carregar coquetéis molotov. A dupla movia-se com uma estranha descontração enquanto escalava a barreira, atirava a sua carga para cima dos polícias e regressava depois para o meio da multidão. O ataque foi uma das primeiras aparições do black bloc egípcio, uma forma de protesto amplamente utilizada pelos anarquistas europeus e norte-americanos, que envolve o uso de máscaras e de roupas pretas, de forma a proteger a identidade dos manifestantes e a projectar uma imagem ameaçadora de união. Nenhum meio de comunicação social do Ocidente tinha conseguido falar com um black bloc egípcio. Até agora. Foi na semana passada, durante as grandes manifestações, que os black blocs apareceram no Cairo e em Alexandria, marcando o segundo aniversário da revolução que retirou o presidente Hosni Mubarak do poder. Já foram vistos a bloquear pontes, a hastear bandeiras negras, a guardar as entradas da Praça Tahrir e a juntarem-se a milhares de outros manifestantes, mascarados e desmascarados, em combates contra a polícia. Essa mutação no vocabulário de protestos desencadeou, instantaneamente, uma espiral de debates nas ruas, na internet, em talk shows e nas páginas dos jornais. O black bloc pode ser, dependendo de quem responde, uma resposta séria à repressão dos protestos pelo governo, uma ameaça violenta à ordem pública ou um simples exercício de parvoíce adolescente. Com manifestações violentas a agitar novamente o país, os black blocs também forneceu ao governo e aos seus aliados um novo (e conveniente) bode expiatório. Os oficiais da Irmandade Muçulmana e os média estatais já culparam o grupo por todo tipo de desordens, desde trocas de tiros com as forças de segurança até ataques a oficiais da Irmandade. Na semana passada, o procurador-geral do Egipto ordenou a prisão de toda e qualquer pessoa que participe de um black bloc, apelidando-os de “grupo de terroristas organizados”. A agência de notícias estatal anunciou a prisão de 18 alegados membros do black bloc. Os média locais também relataram que os salafitas estão a formar um white bloc e há grupos islâmicos que anunciaram estar preparados para “matar, crucificar ou cortar as mãos e os pés” dos membros do black bloc, se o presidente assim o ordenar. Os black blocs foram, originalmente, utilizados por movimentos anti-nuclear e por okupas alemães nos anos 80, ganhando notoriedade mundial por destruírem janelas de Starbucks nos protestos contra o encontro da Organização Mundial do Comércio em Seattle, em 1999. Os activistas dizem que começaram a usar esta táctica no Egipto como resposta à mudança das dinâmicas locais dos protestos de rua. Hassan, um estudante de engenharia de 20 anos, explica que os activistas procuravam novos meios de se defenderem, depois do tumulto do lado de fora do palácio presidencial no início do passado mês de Dezembro, no qual partidários da Irmandade Muçulmana atacaram o protesto pacífico da oposição. Cinco pessoas foram mortas no confronto que se seguiu. “Depois disso, vimos que a Irmandade é muito organizada”, contou-me Hassan, sentado num café escuro no centro do Cairo. “Tínhamos de nos organizar. A ideia é, basicamente, defender os revolucionários.” Os activistas já tinham visto vídeos dos black blocs europeus na internet e começaram a espalhar a ideia no Facebook, no início de Janeiro. A tagline de uma das maiores páginas diz: preparem-se para o inferno. Alguns activistas e manifestantes egípcios já conheciam as tácticas de confrontos de rua bem antes do arranque de 2011 e os participantes de protestos que cobrem as caras são uma imagem comum hoje. Então, o que é que o black bloc fará de forma diferente para proteger os manifestantes? Hassan não foi muito claro. A sua resposta sugere que as roupas pretas fazem parte, no mínimo, de um tipo de teatro de rua. “É um novo rosto para a defesa dos revolucionários”, disse. Hassan (a propósito: este não é o seu nome verdadeiro) é um dos administradores de uma página do Facebook com mais de 66 mil seguidores que, em Janeiro, foi completamente refeita com slogans do black bloc e com imagens de manifestantes mascarados. O próprio Hassan apoia a figura conciliatória da oposição, Mohamed ElBaradei, e falou muito sobre os movimentos antifascistas da Europa. Quando lhe perguntei se ele se tinha juntado a um black bloc, tentou desconversar. “Não exactamente”, mas depois admitiu que, na verdade, se tinha juntado aos manifestantes num bloqueio de uma grande ponte, a 6 de Outubro, no Cairo, usando um casaco com capuz e um lenço na cara. Depois, enquanto andava até a Praça Tahrir para se juntar à batalha em curso com a polícia nas margens do Nilo, desta vez a usar calças de ganga e um lenço roxo, afirmou que o black bloc era só uma ideia que “qualquer um pode adoptar”. Contudo, o facto de manifestantes de negro aparecerem em várias cidades no mesmo fim-de-semana indica que houve um esforço conjunto para uma mudança de imagem a nível nacional. Que coordenação existe entre os grupos e quem está por trás deles permanece, no entanto, um mistério. Um dos axiomas do grupo, emprestado dos colegas europeus, é ser anti-média. Os manifestantes mascarados recusam, com frequência, os pedidos de entrevista. O black bloc egípcio tem uma crescente presença online, incluindo dezenas de páginas no Facebook, um rap black bloc e comunicados em vídeo gravados por manifestantes mascarados. Mas esses fragmentos de social media só acrescentam mais confusão sobre se isto é uma simples táctica ou um grupo organizado. Num dos vídeos no YouTube, um jovem mascarado que afirma representar o black bloc em Alexandria, afirma que o bloco é um grupo de indivíduos sem conexão com os líderes da oposição, como ElBaradei. Apresenta também a lista das exigências do grupo: tribunais revolucionários para membros do velho regime, um aumento no salário médio, reformas profundas nas instituições governamentais, criação de empregos e punições para crimes cometidos nos governos subsequentes, desde 2011. Isso também não esclarece se as páginas nas redes sociais têm alguma coisa a ver com a presença dos black blocs nas ruas. O administrador de uma dessas páginas chamou-me depois de ter postado uma mensagem a idendificar-me como jornalista. “Sou o Cidadão X”, disse ele, antes de afirmar que o black bloc não mantém nenhuma página no Facebook e que se recusa a ter qualquer contacto com a imprensa. “Não há nenhuma informação”, disse. O Cidadão X concordou em encontrar-se comigo na Praça Tahrir, mas não apareceu para a entrevista. Alguns revolucionários criticam o black bloc por ser um golpe sem sentido orquestrado por adolescentes. O Mosa'ab ElShamy, um respeitado fotojornalista que participou da revolução de 2011, disse-me que acredita que "seja lá o que for que esteja por trás deles, é algo de muito imaturo" e que "tudo o que eles fizeram foi dar ao governo mais desculpas para reprimir os protestos”. Na opinião de ElShamy, a promessa do grupo de proteger os manifestantes é vazia e a sua acção, na verdade, convida a mais agressão policial. “Eles não foram capazes de proteger nenhum manifestante. Quanto muito, prejudicaram ainda mais os manifestantes”, afirmou. “Eles são o novo monstro, basicamente.”