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festivais

Doclisboa: do tropicalismo ao abismo em quatro filmes

Um cocktail de subversão feito para arremessar contra o sistema.

Sim, vamos repetir a lengalenga. Engulam aí o nosso spam (ou passem estes parágrafos à frente):

Antes DE MAIS, nunca é DEMAIS relembrar que

a VICE está numa relação com o Doclisboa e não é complicada

. Porquê? Bem, porque temos umas sessões com alguns dos nossos documentários. Onde? No

Palácio das Galveias

(mesmo ao lado da Culturgest). Quando? Nos dias 21 (domingo), 22 (ontem) e 23 (hoje). Horas? Às 22h30. Como? Com o apoio das bicicletas da

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MERRELL

e com a ajuda dos estafetas da

Camisola Amarela

, produzimos energia suficiente para que o sistema de projecção consiga trabalhar a 100 por cento. Domingo, apresentámos o

Takanakuy

. Ontem, a nossa/vossa atenção foi para o Paquistão, com

The VICE Guide To Karachi

. Hoje, a ideia é ir até à Coreia do Norte, enquanto se vê o

North Korean Film Madness.

 E a entrada é livre, pessoal.

Anotem aí:

a festa de encerramento do Doclisboa

também está por nossa conta, tendo a

MERRELL

como parceira e contando com o apoio do

Purex

e da

Red Bull

. Sábado, dia 27, também no palácio, a partir das 23h30, vamos todos poder ir na cantiga de

Round Square Arkestra

,

Jozef van Wissem

,

My Dry Wet Mess

,

Auntie Flo

,

ESA

e

Zoda Cade DJ7

.

O Miguel foi ver uns filmes sobre música no dia 21 e é isto que tem a dizer:

PRIMEIRO, UM TRUQUE DE MAGIA

Toda a variedade de actividades e salas envolvidas no

Doclisboa

fazem com que um dia no festival se pareça um pouco com a

Caça ao Tesouro

, glorioso programa da SIC, em que a Catarina Furtado andava a correr de um lado para o outro ao comando do Henrique Mendes. O facto de ter chegado com algum atraso a Lisboa tornou tudo muito mais excitante neste meu primeiro dia (antes de mim, o Sérgio já foi a dois). Entrei algo atrapalhado na

Culturgest

e fui à procura do que julgava ser apenas uma credencial. Deram-me, além desse cartãozinho, uma sacola com livros e uma fita enrolada nas abas da mesma. E é aqui que surge o truque de magia: de modo a organizar as coisas, coloquei a sacola em cima de uma bancada e tentei desatar o nó que juntava a fita às abas. O problema era de solução lógica, mas alguém atrasado não faz ideia do que é isso. Ainda não tinha visto qualquer filme e o Doclisboa já me estava a estimular mentalmente. Fixe. Decidi dirigir-me para o elevador mesmo com aquilo meio pendurado na sacola e entretanto dei conta de que a fita tinha desaparecido. Procurei aquela merda por toda a parte e não encontrei. Entrei na Culturgest com cara de parvo e saí como um aprendiz do Luís de Matos. Este festival é mesmo bom.

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AGORA OS FILMES (OUT OF THE GROUND, INTO THE SKY/ OUT OF THE SKY, INTO THE DIRT)

Os documentários programados para o cinema S. Jorge no domingo atraíram muita gente e a fila para comprar bilhete chegava até à marisqueira na esquina do quarteirão. No meio daquele mar de gente, há uma senhora de meia idade que mete as mãos no ar e grita para alguém na rua: "Olha para esta bicha!" Mas isso não afectou aquilo que era imediatamente constatável: havia ambiente no S. Jorge e, por arrasto, no Doclisboa.

Conformado com o desaparecimento da fita, decidi colocar a credencial no plástico da carteira (a minha Easybag) e a partir daí entrei em todas as sessões como se fosse o Ace Ventura a entrar na casa de alguém para investigar o homicídio de um papagaio. O primeiro filme da tarde,

, não tinha papagaios, mas era muito cheio de Brasil e de toda a nova vaga musical que preencheu os anos entre 1967 e 1969. Falamos, é claro, de figuras lendárias como Gilberto Gil, Caetano Veloso, os Mutantes, Tom Zé, etc.. Todos eles grandes representantes da canção também. É um verdadeiro quem-é-quem da MPB.

Mas Tropicália não incide apenas sobre os suspeitos do costume e demonstra, através de um impressionante arquivo audiovisual, que a efervescência do Brasil nesses anos passava também muito pelo teatro, performances e por filmes que merecem ser recuperados (o pequeno excerto de Hitler no Terceiro Mundo revela um tesouro psicadélico sem igual).

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Se é verdade que o documentário de Marcelo Machado trata do Tropicalismo como um movimento plural e abrangente, há também qualquer coisa naquela montagem acelerada e colorida que faz parecer que estamos a ver o

Famashow

do Brasil vanguardista pré-década de 70. A explicação para isso talvez esteja na forma como os brasileiros tratam quase tudo como uma celebração, ao contrário dos realizadores europeus que procuram muito mais abordar os assuntos pelo lado mais deprimente. E

Tropicália

celebra-se a si mesmo com fabulosos momentos musicais a cargo de Caetano Veloso e dos Mutantes, e com uma explicação alucinada de Tom Zé (senhor hilariante) para aquilo que teria sido o Tropicalismo – um movimento, que, no fundo, é semelhante a tantos outros, na maneira como provou que a criatividade e a fusão de linguagens são essenciais no cocktail de subversão feito para arremessar contra o sistema.

Bem menos capaz de dar que pensar foi o documentário

A minha banda e eu

, em que Inês Gonçalves e Kiluanje Liberdade se prestam a um retrato simpático da internacionalização do semba e kizomba a partir do seu coração, em Angola. Quase sempre levezinho e familiar,

A minha banda e eu

tem na tal simpatia o seu ponto forte e o seu ponto fraco: os entrevistados são naturalmente engraçados e têm muita onda, mas toda a avaliação cultural do Semba e Kizomba é um pouco superficial, além de acrescentar pouco aos documentários que já vimos sobre o mesmo tema. É bonito observar a ginga de dois bons pares de pernas, enquanto exibem todo o ritual e esquema da dança típica de Angola, ainda que isso não baste para alguém sair satisfeito (ou informado) da sala de cinema. Há um momento em que Matias Damásico canta “A Outra” no Coliseu de Lisboa e automaticamente ficamos a saber que está ali o R. Kelly do Kizomba. Mesmo sem surpreender,

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A minha banda e eu

tem tudo para chegar ao horário nobre da RTP2.

Toda a projecção possível é o que merece

Lucky Three

, que precisa de apenas 11 minutos para ser o mais marcante dos filmes vistos na secção

Heartbeat

, durante este domingo de Doclisboa. Focado em Elliott Smith, enquanto toca três das suas canções (“Between the Bars”, “Thirteen” (um original dos Big Star) e “Angeles”) e passeia pelas ruas de Portland (a sua cidade durante muitos anos),

Lucky Three

é quase um poema visual, sem a pretensão em que podia facilmente encalhar. Um poema que Jem Cohen dedica a um escritor de canções em puro estado de graça, num período dominado por

Either / Or

, que é muito provavelmente o seu melhor álbum. Jem Cohen coloca as canções e as ruas pálidas de Portland ao mesmo nível de importância, no seu documentário puro e sem artifícios, e isso faz todo o sentido como retrato de um

songwriter

que tantas vezes invocou nomes específicos de ruas e lugares nos seus temas. Se Elliott Smith será ou não capaz de figurar entre os grandes do seu tempo, isso ainda não sabemos, mas é certo que

Lucky Three

prevalecerá como um dos mais preciosos documentos a favor da primeira hipótese.

Igualmente realizado por Jem Cohen, a meias com Peter Sillen,

Benjamin Smoke

é um caso bem diferente de

Lucky Three

e um objecto altamente discutível (a ovação morna, que recebeu no fim, evidenciou um público indeciso ou ensonado pela hora tardia). Discutível muito por causa de todo o tempo que é atribuído às canções de Benjamin Smoke: isto porque, se o retrato das suas facetas de personagem, ícone contra-cultura, poeta e

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freak

, é interessante e capaz de criar alguma expectativa, todas as sequências musicais, em que surge acompanhado pelo Opal Foxx Quartet, são geralmente aborrecidas. Chega mesmo a ser difícil distinguir uma canção da outra. Benjamin Smoke vive no olho do cú da América (numa Cabbagetown a lembrar os cenários

white trash

de Harmony Korine) e a câmara de Jem Cohen e Peter Sillen encontra-o quase sempre com uma moca descomunal (e nisso lembra John Frusciante a bater no fundo) para falar sobre a vida e a sua música. Podemos até ficar convencidos de que anda por aqui um dos poetas esquecidos da

Old Sad America

(legitimado por uma bonita declamação de Patti Smith), mas engolir o sapo de que este foi o centro de um par de bandas memoráveis (os Smoke e os Opal Foxx Quartet) parece apenas uma conspiração que une os realizadores, o Michael Stipe e outros famosos membros do micro-culto. Um bom poeta não tem necessariamente de despoletar boa música, tal como boa música não significa sempre boa poesia.

PRECISO DE UMA CERVEJA (OU DE UM PACOTE DE BOLACHAS CORINTIA)

Depois de encarar tanta tristeza, naquele retrato do artista com SIDA em fase terminal, achei que não seria nada saudável ir dormir, sem antes ir beber uma cerveja e dizer umas baboseiras. O mesmo já tinha acontecido num concerto deprimente (e merdoso) de Dakota Suite, em Santa Maria da Feira. Um gajo não pode levar toda aquela má vibração para a cama. Mas o pessoal dispersou rapidamente e fiquei por minha conta. Voltei para casa a ouvir o

Zuma

 do Neil Young e, pelo caminho, comprei um pacote de bolachas Corintia. Valeu.