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cenas

Um punhado de motivos pelos quais o Rocky IV é um dos melhores filmes de sempre

Uma das maiores obras de arte condensadas em noventa minutos.

Naquelas conversas de fazer tempo do tipo “qual é o teu filme favorito de sempre?”, o bom-senso recomenda que enunciemos uma série de títulos que constituem uma honrosa elite, quer em preferências pessoais, quer na história do cinema —

, por aí. Escolhas respeitáveis com o seu lugar na história da sétima arte, colossos de tamanha grandeza que dificilmente podem ser questionados quanto ao seu legado e qualidade. É uma resposta dada com cuidado, que tenta jogar pelo seguro e ainda manifestar a caguice de “olha lá como eu percebo do assunto.” A resposta que costumo dar incorpora alguns destes títulos e, por breves instantes, tenho como resposta aquele olhar de “não está mal” — mas só até certo ponto. O caldo normalmente entorna-se quando concluo com “…e, claro, o Rocky IV”. Vamos por partes: Ponto um
Apesar do primeiro Rocky reunir o consenso da crítica como sendo um filme do cacete (venceu três Óscares, incluindo o de Melhor Filme de 1976 contra a competição feroz de Taxi Driver), a saga dos restantes filmes — II, III, IV, V (de Vergonhosamente mau, o único terrível) e Rocky Balboa — está longe de ser daqueles franchises altamente respeitados. Ponto dois
Sylvester Stallone chegou a ser, em tempos, considerado o próximo Marlon Brando, mas Marlon Brando nunca fez Pára ou a Mamã Dispara. Melhor que Rocky V. E assim se perde a saga Rocky numa imagem caricatural de si mesma onde os filmes não são mais do que a “Eye of the Tiger” e Stallone a esmurrar uns bifes do lombo no talho local ou a trepar escadas em Filadélfia. Neste sentido, Rocky IV é uma obra incompreendida. Nenhum destes momentos surge no filme, mas temos sequências tão marcantes como o Italian Stallion a correr pela montanha a fugir ao KGB enquanto a tecnologia russa enche o seu atleta com uma dose tal de anabolizantes que Maradona ficaria corado de vergonha. A história é simples: em plena Guerra Gria, a União Soviética deseja demonstrar a qualidade dos seus atletas, desafiando o campeão americano, Balboa, para um combate com o invencível Ivan Drago. Com drama, thrash-talking e preparação pelo meio, tudo termina no combate decisivo.

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Como acontece com qualquer filme marcante (toda a gente se lembra onde é que viu o

Titanic

), o mais normal é que a própria experiência de introdução ao

Rocky IV

tenha sido indutora da lágrima ao canto do olho. Partilhei-a como espectador no Chiado Terrasse a um domingo, devia eu andar no sétimo ou oitavo ano. Quis o destino que muitos putos da escola o tivessem visto também (choveu torrencialmente nesse fim-de-semana) e, consequentemente, na semana que se seguiu não era raro ver miúdos no recreio ao sopapo uns aos outros (nunca abaixo da cintura). A enfermaria dos Salesianos teve fila de alguns metros, choveram suspensões e ouvi dizer que se esgotou a gaze. Ainda hoje,

Rocky IV

está na lista negra de muita escola do ensino básico.

O VILÃO

Rocky I, II

e

III

apresentaram-nos Apollo Creed e Clubber Lang: dois adversários com um carisma que quase igualava o do próprio protagonista. A partir daqui só havia um caminho a seguir e esse caminho chamava-se Dolph Lundgren, ou melhor, Ivan Drago — o atleta soviético que constitui a resposta da USSR ao campeão americano. Ele é mais forte, mais alto, mais ágil e treina nos melhores ginásios. A magia da personagem é amplificada quando nos apercebemos o quão feliz foi a escolha de

casting

: Lundgren tem um mestrado em engenharia química e teve acesso a uma bolsa de estudo no MIT, fala fluentemente cinco línguas e é um cinturão negro em terceiro grau de karaté. Dir-se-ia que, caso alguém lhe assaltasse a casa, decerto fugiria ao saber a quem a habitação pertencia —

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até porque isso aconteceu mesmo

. Ao contrário dos anteriores exuberantes adversários, o

Expresso Siberiano

é frio, sem emoções, e deixa que os seus punhos falem por si.

A fazer da Rússia um sítio porreiro anos antes de Putin.

O FACTOR MOTIVACIONAL

Quem viu o

Rocky IV

sabe que, naquelas horas que se seguem ao rolar dos créditos finais, uma pessoa se sente o campeão do mundo. Não vem nos livros de auto-ajuda, mas é frequente um fã do filme, quando confrontado com uma situação de adversidade, proferir a frase: “se o Rocky venceu o Ivan Drago em Moscovo, eu também sou capaz de…”. Está cientificamente provado que a hora e meia de

Rocky IV

em véspera de exame rende mais frutos do que hora e meia de estudo. Pergunto-me se não seria benéfico que, para enfrentar o cenário de crise a pessimismo, o governo entregasse a todo o cidadão português (menos aos que têm ascendência na Europa de Leste) uma cópia de

Rocky IV

em DVD. Só até que a TVI decida emiti-lo em vez do novo do Rob Schneider ou do cão que joga vólei.

AS FRASES

Apesar de não ter o "Adriaaaaaaaan!" característico da série, arrisco-me a dizer que o

Rocky IV

deverá ser um dos filmes mais citáveis de sempre. Tudo isto é, paradoxalmente, em grande parte devido a Ivan Drago, que fala apenas seis vezes durante o filme todo (duas em russo, quatro em inglês), mas as poucas vezes em que abre a boca chegam para que seja um tipo que nenhum de nós gostaria de encontrar, de madrugada, num beco escuro. São frases que, para quem viu o filme, são passíveis de serem usadas frequentemente num jogo de póquer mais aceso ("you will lose") ou então numa sessão de

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Strike

intensa (“if he dies, he dies”). A abordagem

less is more

funciona em pleno e também aqui imagino que Portugal sairia beneficiado em adoptar uma postura semelhante: sonho com Vítor Gaspar a dirigir-se a um alto representante da Moody’s e rosnar-lhe “I must break you”. Fica feita a sugestão e prestado o serviço público.

Este é todo o inglês que vão precisar na vida.

O COMBATE

Filmes sobre boxe existem às dezenas hoje em dia, sendo um género cada vez mais batido (passe a piada), mas nunca viste um combate em filme com a categoria do combate Drago VS Balboa. Naquilo que foi durante tempos tido como um simples rumor, Stallone chegou a confirmar que durante a cena Lundgren e ele próprio se atingiram a sério, para aumentar a intensidade e realismo da luta, uma ideia tão feliz como “vou só correr com tesouras na mão”. O resultado foi a hospitalização de Stallone por ter recebido um soco tão forte que lhe atirou o coração contra a caixa toráxica, cortando-lhe a circulação. Jesus Cristo.

São cerca de dez minutos épicos, no verdadeiro sentido da palavra. Pensem no Portugal VS Inglaterra do Euro 2004, só que num ringue em Moscovo e com duas equipas feitas de Bruno Alves. Ver o público russo a ficar dividido e depois a começar a apoiar Rocky provoca-nos também esse efeito misto: queremos ver Rocky ganhar, mas Drago também não merece perder. Para que não vos falte nada, o YouTube é amigo e aqui segue a memorável sequência:

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Bem, sinto que já me estou a alongar na tarefa inglória que é descrever o filme e aplaudir os seus méritos. É como falar da discografia de Beatles: pode-se discutir o assunto horas a fio, mas ficará sempre tanto por dizer. É um daqueles filmes que merece ser visto pelo menos uma vez cada ano, e cada visionamento trará de novo um brilho nos olhos como se da primeira se tratasse. Até ao escrever estas linhas fiquei com pele de galinha e vontade de rever todos estes momentos.

Carregarei orgulhosamente o seu nome como uma das maiores obras de arte condensadas em noventa minutos. Obrigado, Sylvester Stallone. Vemo-nos no

Expendables 2

.