Drogas

Por dentro da rehab para os super-ricos do mundo

Paracelsus Recovery é o centro de reabilitação mais exclusivo do mundo, atraindo celebridades, realezas e pessoas que têm mais dinheiro que países inteiros.
Max Daly
London, GB
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Paracelsus Recovery
Ilustração: Daniel Strange.

Estou numa esquina aparentemente normal em Zurique, a cidade mais rica da Europa, depois de entrar numa limousine Bentley dirigida por um chofer que me pegou no aeroporto. Um relações-públicas glamouroso me leva para um elevador e depois por uma porta pesada sem marca, até uma suíte na cobertura com vista para o lago pitoresco da cidade. Seria um lugar chiquérrimo para dar uma festa.

Mas essa – assim como outro apartamento ainda mais extravagante ao lado, além de um escritório e salas de tratamento nos andares abaixo – é a Paracelsus Recovery, onde os maiores ricaços do mundo vêm para largar as drogas.

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A realeza saudita, políticos, oligarcas russos, magnatas dos negócios, herdeiros e celebridades já escovaram os dentes nesse banheiro de mármore e dormiram na cama de veludo enquanto enfrentavam vícios em coisas como cocaína e Xanax. A Paracelsus Recovery é uma das poucas clínicas que formam a elite do mercado de reabilitação de luxo, totalmente diferentes das rehabs disponíveis para a maioria das pessoas que sofrem com problemas com drogas.

Claro, o lugar é insanamente caro. Esqueça os £ 20 mil [mais de R$ 180 mil] por mês que celebridades gastam no The Priory em Surrey, ou os £ 41.700 [quase R$ 227 mil] que elas desembolsam por 45 dias no Meadows no Arizona. A Paracelsus Recovery está em outro nível. Cinco semanas no centro de reabilitação residencial custam £ 315 mil [por volta de R$ 1,7 milhão] – cerca de dez vezes o salário anual médio no Reino Unido.

Em troca, com ajuda de uma equipe de 15 especialistas, incluindo psiquiatras e enfermeiros, os pacientes recebem um serviço personalizado de “um cliente por vez”, pensado para atender todas as suas necessidades. Quem fica aqui tem tratamento VIP: transporte de limusine 24 horas, chef pessoal, um mordomo e um concierge. Aí eles têm acesso exclusivo a um spa de hotel cinco estrelas, um terapeuta disponível 24 horas (que dorme num quarto da mesma suíte) e uma variedade de exames de laboratório estilo astronauta e consultas médicas (que custam £ 15.500 [R$ 84 mil] cada) para checar sua bioquímica cerebral e corporal. O lugar só recebe 20 clientes por ano no centro financeiro global de Zurique, mas sua equipe também pode ser mandada para outros países para tratar clientes que não têm tempo de vir aqui, ou que exigem tratamento posterior.

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Paracelsus Recovery

Uma das suítes da Paracelsus Recovery.

Diferente da maioria das rehabs de luxo famosas, onde os pacientes têm que arrumar a própria cama ou arrancar o mato de um jardim comunitário para encontrarem humildade, os magnatas, princesas e astros de cinema que vêm pra cá – um terço dos clientes são do Oriente Médio, um terço dos EUA e o resto da Europa, Rússia e Ásia – podem continuar vivendo seu estilo de vida confortável. Vir pra rehab com uma entourage de 50 pessoas como um príncipe saudita fez? Sem problemas: fique com um andar inteiro do Dolder Grand Hotel cinco estrelas e a Paracelsus Recovery vai instalar um terapeuta 24 pra você lá. Apresentador de talk show americano lidando com alcoolismo? Eles vão te mandar de avião para os EUA toda semana para apresentar seu programa ao vivo, depois de trazer de volta para Zurique para continuar o tratamento.

Uma atração-chave para os clientes é o nível de privacidade estilo 007. Enquanto algumas celebridades usam a passagem pela rehab mais como um exercício de relações-públicas para mostrar remorso e reflexão, as pessoas que vêm pra cá têm muito mais a perder. Os pacientes da realeza têm seus nomes editados das comunicações da empresa, o endereço do apartamento não é listado, o número das placas das limusines são impossíveis de rastrear, os e-mails com os clientes são criptografados e os funcionários precisam assinar um contrato de confidencialidade muito restrito.

“Anonimato era vital pra mim, porque tenho clientes importantes”, me disse Lucaz, um ex-cliente do Paracelsus, por telefone. O financista nascido na Polônia, que ganha € 2 milhões por mês, decidiu visitar a Paracelsus em 2015 quando seu estilo de vida começou a sair do controle. Com um grupo de colegas próximos, Lucaz combinava negócios com festas enormes de 24 horas, três dias por semana, às vezes em iates fretados em Cote-D'Azur. Cercado de acompanhantes, Lucaz e os amigos frequentemente usavam de quatro a seis gramas de cocaína por noite, servida com os vinhos mais caros do mundo. “Se tivesse vazado a informação que eu era viciado em cocaína e álcool, sobre minhas escapadas com mulheres, meus clientes teriam me abandonado. Eu perderia muito dinheiro.”

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Com trinta e poucos anos, a vida de playboy começou a cobrar seu preço. Ele estava perdendo negócios porque as drogas estavam atrapalhando sua mente, ele bateu seu carro esporte e sua namorada o deixou. Lucaz buscou ajuda para seu vício em uma rehab de luxo dos 12 passos na Flórida, mas teve uma recaída logo depois. Então, depois de ser indicado por um amigo, ele agendou uma estadia de cinco semanas na Paracelsus Recovery. Para ele, funcionou. Para outros, não. Mas a certeza é que nesse lugar as pessoas terão seu corpo e mente examinados com todo o escrutínio que o dinheiro pode comprar.

“Não há um só tratamento de vício que funcione pra todo mundo”, diz Jan Gerber, presidente da Paracelsus Recovery, que montou a clínica com os pais em 2012 depois de ajudar um CEO a se desintoxicar na casa da família. Gerber acredita que seus clientes têm mais chances que a maioria, por causa da política da empresa de foco intenso no indivíduo, uma tática que não é financeiramente viável na maioria dos centros de reabilitação.

“As razões subjacentes para o vício em cada pessoa precisam ser identificadas e tratadas. Precisamos observar os fatores médicos tanto quanto os emocionais”, diz Gerber. “As causas podem ser psicológicas, como trauma, negligência na infância ou transtornos de personalidade, mas também físicas, como deficiências bioquímicas, saúde intestinal prejudicada, funcionamento das glândulas, desequilíbrios hormonais e dor crônica. E também podem ser espirituais, como a falta de um propósito na vida.”

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Os laços entre vício e pobreza são antigos e bem estabelecidos; há uma correlação entre taxas de privação e taxas de mortalidade relacionada a drogas na Inglaterra. Mas ter toneladas de dinheiro não te impede de se viciar em drogas, e algumas pesquisas dizem que pode até te tornar mais vulnerável.

Em Zurique, conheci Michael*, CEO de um “escritório multifamiliar”, um negócio que ajuda algumas das famílias mais ricas do mundo a gastar seu dinheiro. Sua empresa tem um portfólio de 42 famílias que têm no total US$ 4,5 bilhões em ativos investíveis. Michael me disse que rehab é um “grande gasto” dentro de seus grupo de indivíduos riquíssimos: “É chocante como muitas pessoas ricas têm problemas com drogas. Das famílias com que trabalho, já ajudamos 40% com questões de vício”.

Na International Conferences on Addiction and Associated Disorders em Londres em abril, Chris Coplans do Narcóticos Anônimos, disse a um repórter da revista Tatler: “A tendência agora é de luxo. Centros de reabilitação perceberam que o dinheiro está no luxo, celebridades e os ultra-ricos.” E sim, a indústria de rehab de luxo é muito competitiva – tanto que alguns centros estão usando truques sujos para estimular seus negócios. Ano passado, uma investigação da Times revelou que centros de reabilitação de luxo estavam pagando propinas de seis a sete dígitos para psiquiatras indicarem seus centros aos pacientes viciados. As rehabs pegas pagando psiquiatras incluíam a Life Works em Surrey, parte do Priory Group, e a Kusnacht Practice, uma clínica de elite perto de Zurique, que pagou £ 150 mil a um médico britânico para convencer o falecido cantor George Michael a ficar na instalação deles por seis meses em 2015.

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Mas por que o 1% do mundo é tão propenso ao vício?

Gerber diz que pessoas que têm vida fácil, onde os desejos são saciados instantaneamente, acabam ficando entediadas. Elas são mal equipadas para lidar com a vida. Para alguns, ser catapultado de uma origem modesta para a celebridade, poder e riqueza imensa pode ser tão perturbador quanto cair na direção oposta.

Ser rico e poderoso pode acabar agindo como uma barreira para lidar com um problema com drogas, diz Gerber. Por causa de sua vida extravagante, eles acabam protegidos das consequências do vício por muito mais tempo que a maioria das pessoas. “Você não vai ser demitido de sua própria companhia por usar drogas no trabalho”, ele aponta. Então é mais difícil para essas pessoas chegarem ao “fundo do poço” – o momento de total desespero que pode funcionar como um gatilho para viciados procurarem ajuda. Na clínica, Gerber viu muitas pessoas se voltando para as drogas depois de vender a companhia que passaram anos construindo, só pra se verem sem nada pra fazer, cercados por pilhas de dinheiro.

E não são só os criadores de riquezas que acabam com problemas, mas também aqueles que se tornaram super-ricos por herança. “Já ajudamos pessoas que herdaram fortunas mas não tinham trabalho ou propósito”, diz Gerber, “e muitas pessoas preenchem esse vazio com drogas e álcool”.

Gerber disse que alguns garotos ricos sofrem de “negligência afluente”, como ser ignorados pelos pais e mandados para um internato quando ainda são muito jovens. “Uma cliente ganhou um iate dos pais em seu aniversário de 40 anos, o que é incrível, mas ela nunca teve um relacionamento com eles”, diz Gerber. “Ela era uma filha única criada por babás. O relacionamento mais longo dela com um parceiro foi de três meses, porque ela não conseguia confiar em ninguém – ela sempre achava que as pessoas se interessavam por ela pelo dinheiro. Para preencher esse vazio, ela acabou viciada em Xanax e cirurgias plásticas.”

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Um Bentley da Paracelsus Recovery.

Entre pessoas de famílias super-ricas, como ele viu, repressão sexual é uma causa notável de vício. “Por exemplo, ano passado atendi uma princesa que era lésbica, e isso era muito difícil pra ela, porque ela tinha medo de ser punida e trancada em alguma instituição. Isso a traumatizou e ajudou a abastecer seu vício em remédios.”

Pode ser tentador ver os ricos como indignos, mas Gerber discorda: “Não vemos essas pessoas como mimadas, aceitamos a realidade delas. Não importa quem é, todo humano merece empatia. O que o público em geral vê como um comportamento de diva na verdade é um obstáculo sério para resultados positivos no tratamento. A pessoa pode abandonar o tratamento assim que se sentir frustrada. É parte da patologia, e não podemos julgar ninguém que está doente por seu comportamento, mesmo se a pessoa é vista como arrogante e mimada por muitos”.

Mas a mãe de Gerber, a Dra. Christine Merzeder, coordenadora clínica da Paracelsus, diz que narcisismo é um problema com seus pacientes. “Tendemos a ver muitos clientes com traços narcisistas e transtorno de personalidade narcisista. Essas pessoas têm uma janela curta de atenção. Um grande vazio interno. Elas não sabem quem são. Mas elas podem ser cobras de terno: elas não sentem remorso. Muitas vezes não é possível confiar nelas e elas têm uma falta de responsabilidade por suas ações.

“Aí, talvez a pessoa comece a ser investigada, seu parceiro a deixa, sua amante tem depressão ou os filhos a processam, e o mundo delas desaba e elas acabam na rehab. Você precisa ajudar as pessoas com as coisas que elas não podem comprar: amor por si mesma, regulação emocional, construção de relacionamentos, estar no comando da própria vida, ser mais responsável, e sempre ter esperança.”

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Quando pergunto a Gerber sobre a taxa de sucesso da Paracelsus, ele fica circunspecto: “Todo centro de reabilitação diz que sua taxa de sucesso é alta, mas na realidade isso é difícil de medir”. Porque quando as pessoas saem da rehab, muitas perdem contato e muitas têm recaídas. Mesmo assim, Gerber vê o programa de 12 passos que é usado em muitos cenários de reabilitação – onde os clientes passam por um despertar espiritual e trabalham em grupos – como datado e restritivo.

O homem que se envolve pessoalmente com os super-ricos viciados é o terapeuta Louis Fitzmaurice, cujo trabalho é dormir num quarto no mesmo apartamento em que os clientes ficam. Ele geralmente faz as refeições com eles também. Pergunto a ele: não deve ser fácil morar com um estranho, quando mais um incrivelmente rico e solitário tentando abandonar um vício?

“Sim, é muito intenso – geralmente, a terapia em rehabs é de algumas horas por semana”, diz Louis, que trabalha na Paracelsus Recovery há quatro anos. “Alguns têm dificuldade. As coisas se tornam emocionais. Já testemunhei algumas cadeiras serem quebradas. Mas há uma razão para eu estar aqui o tempo todo. Você não sabe quando as pessoas vão querer conversar – pode ser às 4h, quando elas acordam precisando de ajuda.”

Antes de trabalhar na Paracelsus, Fitzmaurice passou seis anos trabalhando com usuários de drogas sem-teto e presos nas linhas de frente de serviços de tratamento de drogas em Liverpool, Glasgow e Dublim. Agora ele trata as pessoas mais ricas do mundo. Há tendências em comum? “Nunca vi a mesma dor, tormento, luta, abandono, desespero e insanidade aqui na Paracelsus que vi nas linhas de frente de prisões e conselhos públicos em Glasgow, Liverpool e Irlanda. Vi as mesmas questões de saúde mental em conjuntos habitacionais que vejo aqui. Na raiz disso, os problemas [dos clientes da Paracelsus] não são diferentes dos das outras pessoas.”

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Mas as chances das pessoas abandonarem as drogas aqui são muitos diferentes. É importante deixar claro que a Paracelsus Recovery fica em outro mundo da vibe institucional das rehabs comuns, e da experiência da maioria das pessoas precisando de acesso a tratamento de drogas, mesmo nas partes mais afluentes do mundo.

No Reino Unido, por exemplo, segundo a organização Addaction, cortes no orçamento para tratamentos de álcool e drogas reduziram drasticamente o acesso a centros de reabilitação públicos. Um estudo recente do King's College descobriu que apoio para desintoxicação de pacientes internados na Inglaterra para pessoas com problemas de álcool foi cortado em 50% desde 2011. No geral, o número de centros de reabilitação residenciais na Inglaterra caiu um terço nos últimos seis anos.

“Rehab residencial é uma opção muito importante como parte de um sistema de tratamento inteiramente funcional”, diz Karen Tyrell, da Addaction. “Mas os cortes nos orçamentos locais, além da decisão do governo de não defender os orçamentos para tratamento de álcool e drogas, criou uma onda de centros de reabilitação fechando as portas de vez. Sem surpresa, centros de tratamento privados se beneficiaram disso, mas o efeito final é que pessoas sem dinheiro para ter acesso a eles ficam sem ajuda. Não é justo que a carteira de uma pessoa tenha um papel tão grande em suas chances de se recuperar.”

Paracelsus Recovery

Matthew Gaskell, médico líder dos trabalhos de vício para o NHS em Yorkshire, diz que enquanto as pessoas de origem mais afluente experimentam problemas de saúde mental e vício similares a todo mundo, elas “geralmente têm uma proteção maior contra adversidades”. Como resultado, diz Gaskell, “pessoas em desvantagem social são prejudicadas em maior grau, morrem mais jovens, têm mais chances de ter uma overdose, etc. Não há uma proteção ali, e há um maior fator de estresse”.

Nos EUA, uma pesquisa descobriu que só um em dez americanos necessitando de tratamento para vício vai conseguir ajuda. Ryan Hampton, ativista americano e escritor especializado em vício, diz: “As barreiras que existem são enormes. Então nem preciso dizer que tratamento nos EUA está completamente fora de alcance para aqueles que mais precisam. Mesmo se você tem recursos, você está pensando em pagar até $50 mil por 30 dias. E claro, não há garantias de sucesso, mesmo com os preços mais altos”.

Hampton diz que a indústria de tratamento de vício nos EUA é uma operação de $35 bilhões anualmente com pouca regulamentação: “Os fornecedores podem maquiar seu modelo de tratamento e ninguém vai impedi-los. Legisladores federais e estaduais não fornecem nenhuma proteção para os consumidores, e como resultado a indústria basicamente se autopolicia, é um velho oeste sem responsabilização”. Ele diz que famílias ouvem de centros de reabilitação inescrupulosos que seus parentes vão morrer se eles não fizerem uma segunda hipoteca imediatamente, para pagar $40 mil para que eles “consertem” seus entes queridos.

“Não tratamos nenhum outro problema crônico de saúde assim”, diz Hampton. “E se você é pobre e não tem recursos, é basicamente: boa sorte. Temos pouquíssima infraestrutura de reabilitação nos EUA para ajudar as pessoas na saúde pública. Mesmo pessoas privilegiadas às vezes não conseguem acesso a cuidado seguro e qualificado.” Ele sugere um novo sistema orientado para a reabilitação que foque em resultados de longo prazo, padronizados e modalidades validadas de tratamentos, regulamentação de marketing e utilização de métodos de tratamento baseados em evidências.

De volta a Paracelsus Recovery, pergunto a Fitzmaurice em que drogas os super-ricos estão se viciando hoje em dia.

“Tem muita cocaína envolvida, mas estamos vendo pessoas com problemas graves com GBL, opiáceos receitados e Xanax. Mas a pior coisa é que essas pessoas vivem numa bolha que não escolheram”, ele diz. “Um pop star me disse que quando as pessoas olham pra ele 'Elas me olham como se eu fosse um alienígena… como se eu tivesse algo extra, mas não é verdade, tenho algo faltando'. Ele disse que era um buraco que ele preenchia com drogas. É mentira que se você for milionário você será feliz, e é isso que as pessoas não querem ouvir. Você não deveria desejar fama pra ninguém.”

@Narcomania / thinkstrange.co.uk

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