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Revista de 2013 - A melhor fruta da época

Crescer na África do Sul na era do apartheid

Implicava visitas furtivas às cidades proibidas.

Reconheço o nome do Nelson Mandela praticamente desde que me reconheço o meu próprio nome. Por cima do zum-zum dos desenhos animados, a minha mãe sul-africana explicava-me que o Nelson Mandela era o seu herói. Explicou-me que a África do Sul era a sua para casa e que era lá que o Mandela tinha nascido. Enquanto criança, não conseguia compreender o que ela me contava sobre a África do Sul e a bravura de Mandela — a terra-natal da minha mãe parecia-me um mito —, mas à medida fui crescendo comecei a compreender todas as histórias. Apesar de ser branca e de estar proibida de visitar as localidades onde os negros eram obrigados a viver, a minha mãe quebrava a lei para visitar a sua amiga Carmen. Eventualmente acabou por emigrar da África do Sul para a América porque pensou que o seu país estava prestes a colapsar. Durante anos, a minha mãe viu Mandela como um símbolo na esperança de que, um dia, um grupo de bravos lutasse contra contra o racismo institucionalizado. Na América, assistiu emocionada à libertação de Mandela e ao fim do apartheid. Após a morte de Mandela, ela tem-me falado várias vezes sobre o seu passado. Sentei-me com a minha mãe, Chryl Resnick, para falarmos sobre como foi crescer na África do Sul, sobre as suas visitas furtivas às cidades proibidas e o porquê de Mandela ser o seu herói.  VICE: Como foi saber que existia o apartheid enquanto viveste na África do Sul?
Chryl Resnick: Mal descobri o que se passava à minha volta — o que aconteceu muito cedo na minha vida — percebi que a situação era completamente errada. Não percebia porque é as coisas existiam daquela forma. Sempre me pareceu errado. Não percebia porque é que não podia ser amiga da Carmen, que andava comigo nas aulas de dança espanhola. Ela não podia ir à minha casa porque era ilegal. Os negros não podiam ir às casas dos brancos. Não compreendia porque é que não podia ir à casa dela.  Tentavas sair com ela quando podias?
Acho que a Carmen veio umas duas vezes à minha casa. A única altura em que os não-brancos podiam entrar nas comunidades dos brancos era quando iam trabalhar como empregados — não podiam aparecer para convívio social. Como era entrar nas comunidades dos negros quando ias visitar a Carmen?
Lembro-me de uma manhã em que fomos visitar a Carmen e o irmão dela tinha levado uma sova da polícia na noite anterior — tinha havido um raide. Lembro-me do quão desconfortável foi. Senti que ele tinha sofrido às mãos da polícia dos brancos. Foi desconfortável porque te sentias responsável?
Senti que a culpa era minha. Sou branca. Descobriste que a polícia te andava a vigiar porque tinhas ido visitar uma comunidade de negros. Como é que isso aconteceu?
Um amigo ligou à minha mãe e disse-lhe que seria melhor sairmos do país porque os nossos telefones estavam a ser vigiados e estávamos a ser seguidos. Lembro-me de um dia estar a caminhar na praia de Sea Point e sentir que estava a ser vigiada. Percebi que ia ser presa se fosse apanhada. Para os brancos era ilegal entrar nas comunidades negras.  Foi durante esta altura que descobriste quem era o Nelson Mandela?
Sempre conheci o Nelson Mandela. Há muito muito tempo que ele é o meu herói. Sempre fui negativa em relação a mim mesma por desejar ter a coragem e audácia para me bater pelas minhas convicções — tinha demasiado receio de acabar na cadeia. Olhava para Mandela e pensava: "Meu deus, quem me dera ser mais como tu — mais corajosa como tu." O que achas que terias feito se não houvesse o risco de seres presa?
Se tivesse ficado na África do Sul tinha-me tornado politicamente activa. A situação sempre me pareceu errada e não a conseguia compreender. Mas tenho de admitir que nunca tive coragem suficiente para protestar. Sempre tive medo do que me poderia acontecer. Arrependes-te de não teres ficado na África do Sul e de não te teres tornado politicamente activa?
Arrependo-me de ter perdido os eventos mais importantes na história da África do Sul. Quando saí do país em 1976, muitas pessoas da minha idade também deixaram tudo para trás — a minha geração veio toda embora. Saímos às manadas. O que te distinguia das pessoas que apoiavam o Apartheid?
Acho que, para te responder melhor, posso olhar para a minha própria família. Acho que a minha mãe me diferenciou. O meu pai nasceu e cresceu na África do Sul, e foi tudo o que ele conheceu. Era aquele o sistema em que ele foi criado e foi assim que ele conheceu as coisas. A minha mãe e o meu irmão nunca acreditaram no apartheid. Alguma vez viste o Mandela a discursar?
O único evento a que fui e em que o vi em pessoa foi em 1990 no coliseu de Los Angeles depois de ter sido libertado da prisão. Foi uma das experiências mais fantásticas da minha vida. Olhei à minha volta e a arena estava cheia — deveriam estar lá umas 85 mil pessoas. Estava a abarrotar. A única coisa que posso dizer é que as lágrimas me correram pela cara quando o Nelson e a Winnie, a sua mulher, subiram ao palco. Pensei que nunca chegaria a ver aquele homem vivo.