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O governo sueco deixou de obrigar os transgéneros a esterilizarem-se

Mas ainda há muito caminho para desbravar.

Amanda Brihed Na Suécia, o paraíso onde tudo, desde brinquedos até à maneira como a malta mija, é um assunto de liberdade e de igualdade de género, a esterilização obrigatória para os transgéneros tem vindo a ser praticada nos últimos 40 anos. Em Janeiro de 2012, falámos com Love George Elfyelin, uma transgénera (feminina para masculina) que reivindicava os seus direitos e que achava que não poderia deixar de ter filhos apenas por não curtir andar a passear com um par de mamas. Boas notícias para o Love: na passada quinta-feira, o supremo tribunal sueco acabou por alterar a lei, ou seja, agora o Love está livre de produzir todos os mini-humanos que quiser. Mas então e aquela malta que já foi esterilizada à força? Várias organizações a favor dos direitos dos transgéneros estão a juntar-se para apoiar aqueles que foram obrigados a fazer uma esterilização como parte da sua operação de mudança de sexo. Porém, apesar de uma compensação monetária poder trazer algum consolo, é impossível comprar órgãos reprodutivos. Para saber mais sobre o assunto, encontrei-me com a Amanda Brihed, uma das pessoas que foi obrigada a fazer uma esterilização quando quis mudar de sexo aqui há uns anos. VICE: Olá Amanda. Como é que te sentes agora, sabendo que a esterilização obrigatória ficou, finalmente, no passado da Suécia?
Amanda Brihed: Sinto-me mesmo bem. Andava a tentar que isto acontecesse há muito tempo. Infelizmente, esta decisão já não vai alterar o facto de que eu não poder formar uma família no futuro. Ainda assim, a nova lei vai mudar o futuro de milhares de pessoas, é um alívio para mim. Acho que é, igualmente, o primeiro passo para um processo de justiça, depois de tudo o que aconteceu. Posso imaginar. Estás a tentar receber alguma compensação pelos danos causados pelo estado sueco?
Sim, faço parte do caso e estou no grupo de pessoas que aceitou falar publicamente por todos aqueles que passaram por isto. Pretendemos que o processo legal se inicie a sério este ano. Acho que vamos ganhar. Há situações similares no passado que terminaram com uma compensação monetária, bem como com um pedido de desculpas público por parte do estado e do governo. Não há motivos para acreditar que desta vez vai ser negado. Este processo está alinhado com as directrizes da União Europeia para casos desta natureza. Como é que tem sido estar envolvida na campanha?
Não fui a primeira a falar sobre a esterilização obrigatória. Mas acho que fui a primeira a fazer-me, verdadeiramente, ouvir nos média. Por algum motivo, tudo começou mesmo depois de ter publicado um post no meu blogue, por altura do dia da mãe, aqui há uns anos. Descrevi a perda e a dor que senti quando os meus amigos e familiares começaram a ter famílias e crianças. O post tornou-se, posteriormente, numa coluna seminal no Aftonbladet, um dos maiores jornais suecos. Foi aí que as coisas começaram: entrevistas, artigos, debates… De certa maneira, pareceu viral, mas foi muito, muito difícil. É fantástico que tenha sido isso a levar-nos aonde estamos agora. As organizações, como a RFSL e a KIM, fizeram um óptimo trabalho. Tenho trabalhado com elas, enquanto membro e activista. Como é que foi apoio do público?
Penso que o apoio começou a surgir, passo a passo. Há não muitos anos éramos considerados uma piada. As pessoas riam-se e gozavam connosco. Muito pessoal transgénero ainda tem problemas, mas, actualmente, as coisas estão melhores. Noto esta mudança diariamente. Deixei de me sentir um animal no zoo, para começar a sentir-me segura. É incrível. Representamos o último reduto dos direitos humanos. Ficámos para trás, abandonados, durante muito tempo. Mas o que te aconteceu durante a mudança de sexo?
Quando estava a crescer, não havia grande informação sobre as operações de mudança de sexo. Sabia que algo estava errado desde o jardim de infância. Não conseguia explicar o porquê de não me sentir enquadrada. Saí de casa aos 16 anos e foi do tipo “é agora”. Não obtive ajuda do sistema de saúde sueco, até ter 30 anos. Na altura, já tinha procurado ajuda no estrangeiro e começado o tratamento. Foi depois disso que as autoridades suecas intervieram. Isso significou que não poderia guardar as minhas gametas e fui forçada a submeter-me ao processo de esterilização contra a minha vontade. Um dos vários protestos que têm decorrido contra a esterilização obrigatória na Suécia. Neste caso, no desfile do Orgulho Gay de Estocolmo, em 2010. Mas como é que foste esterilizada se foste a tua operação fora do país?
Não era aceite pelo sistema de saúde sueco. Tinha andado a tentar ser encaminhada para a equipa sueca de investigação transgénera desde que tinha 16 anos. Como não funcionou, senti que era algo que tinha de fazer sozinha. Paguei pela minha própria pesquisa e pela cirurgia lá fora. Contudo, o estado sueco tem uma legislação apertada, no que às mudanças de sexo diz respeito. Enquanto cidadã sueca, tinha de ter uma aprovação do tribunal. E, para o conseguir, tinha de provar que não tinha guardado nenhum dos meus óvulos, na Suécia ou lá fora. Tive de me submeter a vários exames intrusivos depois da minha cirurgia, para garantir que nada restava da minha capacidade reprodutiva: exames ginecológicos, certificados e documentos a um nível assustador. Não havia nenhuma hipótese de escapar a isto. Se o estado sueco tivesse alguma suspeita de que tinha alguma oportunidade de ter uma criança no futuro, desqualificar-me-ia de todas as maneiras: sistema de saúde, emprego, etc. Não havia nenhuma maneira de os mandares à merda?
Não. Se me recusasse a concordar com as regras suecas e se fugisse às leis contra a reprodução, não me seria permitida a mudança de sexo. Eles abusaram tanto que, a uma altura, tive vontade de saltar de uma ponte, em Estocolmo. Tive de me sacrificar muito para me tornar eu própria. E isso irá doer-me para sempre. O que é que te chateou mais, além da remoção dos teus órgãos reprodutores?
Como disse, ainda não somos considerados seres humanos. A nossa protecção contra a discriminação, ameaças, violência e crimes de ódio é ainda muito limitada. Nem sequer temos leis laborais. A esterilização obrigatória é apenas a ponta do icebergue. Como é que a tua família e amigos reagiram a este processo?
Dependeu. A minha família separou-se, em parte devido a tudo isto. Muita gente apoiou-me, mas outros ameaçaram-me de morte. Infelizmente, sou orgulhosa. Actualmente, não me sobram muitos amigos do passado. Mas tenho a sorte de ter uma optima relação, imensos amigos e uma grande rede social. A Amanda no seu trabalho com o Emanuel Karlsten, um jornalista sueco. É bom saber. Por que é que achas que demorou tanto tempo para a esterilização obrigatória desaparecer, na Suécia, mesmo depois de todos os protestos?
Provavelmente, porque poucos foram ouvidos. Tem sido complicado passar a mensagem. O público em geral ainda sente dificuldade em perceber tudo o que se anda a passar. Não achas que é uma espécie de estalada moral o facto de terem sido os tribunais suecos a alterar a lei e não o estado?
Acho que isso diz muito. Nunca houve muita vontade de levar isto para o nível politico. E acho que todos os partidos, independentemente da sua cor, deveriam ter vergonha. Deveriam perceber que não é bom continuarem a ingnorar-nos. Se conseguires uma compensação pelos danos causados, estamos a falar em que montante?
O dinheiro não é assim tão importante. Mas, tendo como base casos similares, pedimos 23 mil euros por pessoa como indeminização mínima. Porém, nada pode substituir aquilo que nos tiraram. Muitos de nós guardam cicatrizes para a vida. Pensas criar uma família no futuro próximo?
Sim, de uma maneira ou de outra. Infelizmente, as leis (no que diz respeito à família) ainda estão feitas de uma maneira que é impossível para os transgéneros criarem uma família. O meu futuro marido e eu estamos a planear casar este Verão. Depois disso, ainda teremos de lutar para conseguirmos ter filhos. A adopção não é uma alternativa legal para os transgéneros na Suécia. Aliás, nem podemos, sequer, pensar em barrigas de aluguer. O cenário não é muito prometedor, por agora. Ainda há muito para fazer. Parabéns pelo teu casamento, Amanda. E boa sorte para o teu futuro.