Passei o Dia num Acampamento de Refugiados na Grécia

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Passei o Dia num Acampamento de Refugiados na Grécia

Dia e noite, pequenos barcos a motor chegam ao litoral de Lesbos. Os passageiros desembarcam, beijam o chão, abraçam suas famílias, tiram selfies vitoriosas e rapidamente deixam a cena. Todos estão em busca de uma vida melhor.

Há lixo por todo o lado, e o cheiro de fluidos corporais fica cada vez mais forte no calor. Fraldas usadas, pacotes de salgadinho vazios e latas amassadas de Pepsi, Coca-Cola e caixinhas de suco estão espalhados pelo terreno. Mesmo com a brisa, aqui é desconfortavelmente quente sob o sol do meio-dia. Grupos de pessoas – em sua maioria, homens jovens – se acocoram na sombra das oliveiras, conversando entre si.

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Uma mulher ri e ensaboa o cabelo de um menino pequeno com xampu embaixo de um chuveiro; ele, por sua vez, gargalha. Mais crianças pequenas brincam, enquanto um homem e uma mulher discutem numa barraca.

Roupa lavada cobre cada pedaço da cerca de arame farpado, um par verde e azul de Nikes imaculados seca numa pedra sob o sol.

Estou num acampamento de emergência de imigrantes e refugiados em Karatepe, a cinco minutos de carro de Mitilene, a principal cidade da ilha grega de Lesbos. O lugar, que atualmente abriga 3 mil pessoas deslocadas, é comandado pelo Comitê Internacional de Resgate e mal tem espaço suficiente para aqueles que conseguem chegar à ilha em segurança.

Dois terços dos refugiados chegam à Grécia por Lesbos, e seu tempo aqui é só uma parte de sua longa e árdua jornada até o santuário no continente europeu.

A estada usual dos residentes aqui é de três dias. Apenas o suficiente para se lavar, colocar os documentos em ordem e tentar achar um jeito de sair.

Dia e noite, pequenos barcos a motor chegam ao litoral de Lesbos. Os passageiros desembarcam, beijam o chão, abraçam suas famílias, tiram selfies vitoriosas e rapidamente deixam a cena.

É difícil enfatizar como essa ocorrência é comum..Uma população igual à do acampamento (cerca de 3 mil pessoas) chega à ilha todo santo dia. A população de Lesbos é estimada em pouco mais de 86 mil pessoas – em apenas dois meses neste verão, uma população nove vezes maior que a da ilha já passou por aqui. O Comitê Internacional de Resgate diz que 85% de todas as pessoas que vêm à Grécia – fora as hordas de famílias em excursão de férias para Corfu e adolescentes enchendo a cara em Mália – são refugiados.

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Alguns anos atrás, homens começaram a deixar a Síria numa tentativa de encontrar uma vida nova para suas famílias na Europa. Agora, com a situação em casa cada vez mais desesperadora, suas famílias se juntaram a eles. Oitenta por cento dos refugiados na Grécia são sírios; além disso, recentemente houve um pico no número de mulheres e crianças.

(Todas as fotos pelo Comitê Internacional de Resgate.)

Abordo um grupo para perguntar sobre a vida no acampamento. Os quatro homens, com idades entre 25 e 38 anos, estão no campo há uma semana à espera do ferry boat cuja saída está marcada para o dia seguinte. Todos querem ir à Alemanha.

Quando pergunto como são as condições no acampamento, um deles dá um sorriso amarelo: "Boas".

Outro o corta: "O lugar não é muito bom para se ficar – mas não temos escolha. Não há espaço nos hotéis e nenhum quarto para alugar – e aqui não temos banheiro. Bom, há um banheiro para tomar banho, mas é muito, muito sujo, e as privadas são muito ruins. Mas compramos passagem num navio grande para terça-feira; então, só estamos esperando a partida.

"Achamos que ficaríamos aqui por um dia ou dois, mas uma semana…", ele suspira. "É muito tempo."

Outra pessoa afirma: "Essa é a primeira vez que dormimos fora de uma casa, numa barraca ou na rua. É muito estranho".

O grupo veio de Alepo numa jornada que todos descrevem como "muito difícil". Um deles explica: "Era um barco muito pequeno, de uns nove metros de comprimento, com 50 pessoas dentro. A jornada é de uma hora e 20 minutos. Não é tanto tempo, porém, quando você vê como a situação é perigosa, a distância é muito longa.

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"Paramos no mar por 30 minutos, e ele [gesticula para um de seus amigos] teve de consertar o motor – ele é engenheiro mecânico –, e aí chegamos à praia. Ficamos muito felizes."

A maioria deles quer ir à Alemanha estudar e depois arranjar trabalho. Eles são todos de classe média, formados e tinham bons empregos na Síria. Um deles me conta: "Sou farmacêutico. Eu me formei no ano passado e queria fazer mestrado e doutorado na Alemanha. Eu trabalhava numa farmácia na Síria, mas eles queriam que eu entrasse no Exército". Há um coro de "sim" dos outros homens. "Eu tinha de sair de lá."

É a mesma coisa para os outros homens no acampamento? Ele aponta ao redor: "Todos! A maioria das pessoas".

Todos os homens com quem falo dizem querer voltar para casa um dia. "Quando terminar meus estudos e o trabalho, vou voltar."

O que teria de mudar para que eles voltassem? "Todo o sistema! Tudo. Tudo é construído sobre mentiras. Nada está certo na Síria agora. Vamos mudar tudo se pudermos."

Não é tarefa fácil começar uma vida nova em um lugar estranho. Eles estão com medo? "Não. Não temos medo. É como uma aventura", um deles frisa.

No entanto, a jornada até a Alemanha parece ser tensa. Um dos caras com quem falo reconhece que vai custar pelo menos 3 mil euros para cruzar a Grécia até a Macedônia, entrar pela Sérvia, passar por Hungria e Áustria até finalmente chegar à Alemanha. A viagem foi apelidada de "A Trilha Negra" por ser uma rota muito perigosa. Especialistas do Comitê Internacional de Resgate (CIR) ouviram histórias de assaltos sob a mira de armas na Sérvia e surras da polícia húngara.

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Segundo funcionários do CIR, eles conheceram – no total – apenas um refugiado que queria ir à Inglaterra das dezenas de milhares que passaram por aqui.

Para as pessoas que não podem sair do acampamento por enquanto, há dificuldades mais mundanas para se pensar. Como o cheiro no acampamento sugere, as condições sanitárias são um problema. É impossível atender tantas pessoas num tempo tão curto; e, sempre que um avanço é feito, mais pessoas chegam e necessidades básicas, como banheiros, crescem ainda mais. Além disso, há problemas que não havia como prever. Por exemplo: reservados de metal com chuveiros foram instalados, e algumas pessoas, principalmente mulheres, começaram a defecar nos chuveiros.

"Elas geralmente vêm de comunidades fechadas, normalmente têm várias amigas próximas e a família em volta delas; logo, ir ao banheiro do acampamento sozinho pode ser assustador", explica Kirk Day, o diretor de emergência do IRC em Lesbos. "Só que agora elas estão num ambiente misto, onde não conhecem ninguém e se sentem ameaçadas. Isso significa que agora os voluntários precisam limpar fezes dos cubículos de chuveiro."

Até recentemente, Lesbos era mais conhecida pela poetisa local Safo e por um grupo de fanáticos que queria processar quem usasse a palavra "lésbica" para descrever mulheres homossexuais.

Agora, o lugar chegou às manchetes por lidar com a crise humanitária, apesar da falta de recursos e da crise financeira no país. "A atitude da comunidade internacional é que esse é um problema da Grécia, mas isso não é justo", critica Kirk. "Você sabe quantas ambulâncias funcionando temos aqui em Lesbos? Duas! A crise dos refugiados vem se arrastando há anos, mas agora isso chegou aqui, e os locais pensam: 'Dei tudo que podia para ajudar, mas parece que isso nunca vai se resolver'."

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"Só na semana passada, mais refugiados chegaram aqui do que durante todo o ano de 2014. Você consegue imaginar qualquer outro país do mundo vendo isso acontecer durante uma crise financeira e agindo com tanta generosidade?"

É difícil discordar. O número de refugiados chegando todos os dias na ilha é o mesmo que o total de refugiados em Calais tentando chegar à Inglaterra. Agora, compare a reação relativamente calma que os gregos vêm demonstrando ao ver milhares de pessoas lotando uma pequena ilha com a boca espumando dos britânicos – sentimento evocado por membros do grupo Britain First que foram a Calais para tentar impedir o influxo com as próprias mãos e pelos políticos e pela mídia, que tentam demonizar as pessoas mais desesperadas da Terra.

Na cidade, barracas de comida oferecem produtos de primeira necessidade, como pão e atum em lata, acompanhados de cartazes em árabe. Terras também foram doadas para os refugiados pelo prefeito, e voluntários estão dispostos a ajudar.

No entanto, teorias da conspiração abundam. Algumas pessoas não gostam que os refugiados sejam muçulmanos. Alguns estão preocupados que as pessoas chegando sejam, na verdade, da Turquia e que isso seja um tipo de invasão otomana. Outros comentam que os refugiados são sujos.

Também há relatos de brigas de faca e feridos no porto, onde as pessoas lutam para entrar nos ferry boats, apesar de o CIR alegar que algumas das histórias são falsas.

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Uma economia saudável voltada para os refugiados vem florescendo, com alguns negócios locais fazendo muito dinheiro graças ao influxo de clientes. As barracas de comida na praia estão lucrando bem. O CIR informa que um morador local vai até o acampamento e deixa os refugiados carregarem seus celulares em sua van. Ele conta fazer isso de graça, embora os refugiados digam que ele cobra um euro por celular.

Entrando no acampamento hoje, sou recebida por duas mulheres com camisetas vermelhas da Vodafone vendendo cartões SIM para um grupo de homens ansiosos. Elas não são realmente da companhia telefônica, só estão aproveitando a situação.

Os esforços locais são encorajadores, porém o fracasso da comunidade internacional em ajudar os refugiados lembra a atitude dos anos 30 em relação aos imigrantes judeus, argumenta Kirk.

"Sabendo o que sabemos sobre a Alemanha Nazista, acho que todo mundo concorda que mais deveria ter sido feito para ajudá-los. Compare isso à situação com o ISIS agora", ele enfatiza.

Há um elemento racial em jogo? "Vale a pena se perguntar: se os refugiados fossem de outra cor ou outra religião, as pessoas fariam mais para ajudar?

"Um jovem refugiado nos mostrou o que tinha numa pequena mochila – e dois dos itens eram branqueador de pele e gel de cabelo. Ele disse que não queria parecer um refugiado e que, se ele dormia mal, seu cabelo podia não parecer limpo – e isso deduraria que ele era sem-teto."

"Nada é tão miserável quanto a vida que tínhamos na Síria", me diz o farmacêutico. "Aqui é justo, e não há racistas."

Em sua jornada pela Trilha Negra, espero que isso continue sendo verdade.

Para ajudar os refugiados de Lesbos, faça uma doação ao Comitê Internacional de Resgate.

@HelenNianias

Tradução: Marina Schnoor

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