'Rumours', a obra-prima de fim de namoro do Fleetwood Mac, completa 40 anos

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Música

'Rumours', a obra-prima de fim de namoro do Fleetwood Mac, completa 40 anos

O disco é repleto de canções que dão vazão ao lendário conflito interno da banda. Isso e cocaína.

Matéria originalmente publicada no Noisey US.

É um pequeno milagre que o Fleetwood Mac, em sua formação mais conhecida, siga intacto. Com a volta de Christine McVie em 2014, cada integrante do quinteto que definiu a música pop durante a maior parte dos anos 70 segue em turnê junto dos outros, reunidos por alguma força centrípeta desconhecida. É um milagre não só porque, desde o início, a banda tenha sido um tanto quanto flexível, com um total de 17 integrantes assumindo diferentes posições, mas porque o Quinteto Fabuloso em especial — Lindsey Buckingham, Stevie Nicks, John McVie, Christine McVie, and Mick Fleetwood — nunca se deram lá muito bem, sua música menos um produto de camaradagem pessoal e mais uma espécie de antídoto.

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Teóricos da conspiração pop sugerem que o Fleetwood Mac estivesse amaldiçoado desde o início: três dos primeiros guitarristas da banda, os fantasmas do Mac passado, despirocaram durante turnês, incluindo o conhecido caso do membro-fundador Peter Green dropando um ácido com um grupelho suspeito de fãs em Munique, embarcando assim numa viagem messiânica intensa, vestindo-se de Jesus antes de largar a banda e entrar para um culto religioso. Depois disso, o espectro do passado pairava sobre a banda, um indicador sinistro do que viria por aí. E o que veio, claro, foi o Rumours.
Em janeiro de 1976, o grupo chegou no estúdio Record Plant em Sausalito, Califórnia, do outro lado da ponte Golden Gate, para gravar seu segundo disco. Na crista da onda após o lançamento do disco de estreia autointitulado, o Quinteto Fabuloso estava perigosamente próximo de explodir, com seus dois casais principais, os McVies e a dobradinha Buckingham/Nicks, tendo acabado de se separar. Fleetwood também se via em meio ao divórcio de sua esposa, Jenny Boyd, ao passo em que Christine McVie se via às voltas em um caso com o diretor de iluminação da banda, Curry Grant. Com toda a pressão do disco de estreia pesando nos ombros, os cinco não tinham lá muito como separar a vida pessoal de suas canções, o que ficou bem claro no produto final. "Disfunção terminal", foi como a Sra. McVie descreveu as gravações em entrevista à Newsweek. "Trauma. Era como participar de um coquetel todas as noites."

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Há quarenta anos, neste fevereiro, o mundo pôde ver o que o Fleetwood Mac fez com as zicas de suas vidas com o lançamento de Rumours, o disco que os levou ao precipício que ameaçava suas carreiras e também ao pico que a levaria às alturas. A data oficial de lançamento do álbum, 4 de fevereiro de 1977, marcaria um abalo sísmico na história da música ocidental, um marco que serviria para julgar todos os futuros discos de rock e um exemplo de como um disco, e a arte em geral, pode servir como tábua de salvação para corações partidos.

Hoje, pedimos por qualquer sinal de vida pessoal dos artistas e entertainers, ao qual respondem prontamente. Com todos os impulsos da Era da Informação e a transparência radical das redes sociais, as vidas de famosos parecem quase que ser uma questão de domínio público. É raro, ao passo em que invadimos as vidas das celebridades, encontrar um disco tão confessional e musical, um diálogo direto entre artista e ouvinte. Deixamos para trás uma distância crucial e desenvolvemos uma certa paciência, talvez até mesmo uma falta de vontade geral de deixar que artistas nos contem suas histórias como quiserem. Independente de sua narrativa real ou fabricada, toda a novidade de Lemonade, de Beyoncé, com sua pegada autobiográfica que desvencilhava-se de tal tendência, acabou por gerar um bafafá mas dentro dos termos impostos pelo próprio artista, dentro de sua obra e não fora dela.

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Rumours apresenta este mesmo impacto profundo, tendo sido lançamento muito antes de atolarmos no lamaceiro que define fama e celebridade nos dias de hoje. É tanto um acidente dos conflitos internos da banda quanto um derivado de sua alquimia musical a sobrevida que o disco ganharia como porta-voz de seu formato, combinando catarse com o apelo comercial de uma novela. O romantismo desenfreado e conflituoso da banda se apresentava diante dos ouvidos de toda uma nação, com letras artísticas e refrões que pegavam de jeito. Tudo isso criava uma dinâmica que funciona bem ao longo de Rumours, cujo sequenciamento dava a ideia de uma briga constante entre seus integrantes, com momentos de raiva e leviandade e saudade e arrependimento. Ah, e muita cocaína.

O romantismo desenfreado e conflituoso da banda se apresentava diante dos ouvidos de toda uma nação, com letras artísticas e refrões que pegavam de jeito.

Na primeira ou 500ª audição, a tensão profunda que rolava nas gravações em Sausalito é palpável, bem como a genialidade produzida por estas tensões — o disco é, entre muitas outras coisas, um verdadeiro lembrete musical da morte horrível constante que é trabalhar, todos os dias e noites, com seu ex. Não é de admirar então que o disco tenha envelhecido com um bom vinho, mas com as vozes de ex-amantes circulando umas em torno das outras como se o estúdio fosse um ringue de boxe.

O primeiro clímax do disco, "Dreams", de Stevie Nicks, supostamente foi composta em cinco minutos. Não precisavam de Nicks na sala, então ela foi bater na porta do vizinho, no estúdio de Sly Stone dentro do Record Plant, com um piano bem no centro. O lugar todo era coberto por veludo vermelho e preto. Foi bem ali que ela compôs a música, o triste e forte relato de um amor que deu errado, pontuado pelos backing vocals de seus ex. "Lembro como foi difícil pra mim tocar 'Dreams' pela primeira vez, pra banda inteira, porque sei que podia chatear Lindsey e provavelmente chatear Chris  e John, então Mick e a mim mesma", disse Nicks. "Se eu conseguisse terminar de tocá-la, seria sorte."

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"Go Your Own Way", o hino do beijo de despedida de Buckingham que surge três canções depois, é a contraparte masculina de "Dreams", pura raiva desenfreada e sem qualquer filosofia digna de Stevie Nicks. Nicks inclusive não gostou da letra que dizia  "shackin' up's all you wanna do" [nota: uma possível referência ao fato de não querer casar] e interpretou aquilo como um insulto, mas claro que as músicas dela seguiam tão desdenhosas quanto, mas talvez um pouco mais sutis. "Digo, talvez a gente tivesse se matado se não tivesse conseguido compor aquelas músicas", disse a artista à BBC em 1998. Como quase sempre acontece, sentimentos tiveram que ser feridos em nome da arte.

A única canção em Rumours com envolvimento dos cinco integrantes foi "The Chain", um pastiche de material já gravado pela Sra. McVie, com uma nova introdução de Buckingham e Nicks adicionadas de mais uma seção de guitarra composta separadamente por John McVie e Fleetwood. Nada mais apropriado então, levando em conta sua natureza colaborativa corta-aqui-cola-ali, que toda a tensão do disco se materialize nesta faixa. Quando Buckingham e Nicks cantam o refrão juntos — "if you don't  love me now, you will never  love me again" — dá quase pra ver os dois se provocando, a batida violenta soando tribal e indignada. É a peça-chave do disco, onde os talentos de seus cinco integrantes fundem-se em um coquetel de ameaçadores licks de guitarras e harmonias nervosas.

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Christine McVie compôs quatro canções em Rumours, contribuições que sugerem que um coração partido não é só amargura, arrependimento e montanhas de cocaína. Temos "Songbird", uma balada emocionada e "Dont' Stop", sonzeira animada que serviu de tema para a campanha de Bill Clinton em 1992; ironicamente, a música não é feliz como parece, funcionando mais como um salve para o sofredor do que uma ode cega para o amanhã. "You Make Loving Fun", sobre Grant, talvez seja o maior exemplo dos dons de McVie. " Eu nunca acreditei em magia", ela canta no refrão, " mas começo a pensar no porquê" . A letra, que ganha novo significado em meio à melodia de McVie, poderia muito bem ser fruto de autorreflexão: com todos os obstáculos no caminho para o sucesso, a banda conseguiu fazer magia com Rumours, surpreendendo até a si mesmos no meio disso.

Aos 40 anos de idade, Rumours continua a provar sua durabilidade marcante por mais que tenha deixado sua marca no panteão musical há muito tempo (o que incluiu duas remasterizações e reedições). As músicas são excelentes e infinitamente cantáveis, com um toque de Midas que ocultava a instabilidade profunda da banda. Seus altos são altíssimos e seus baixos quase inexistentes, ao passo em que a briga entre amantes no decorrer de 11 canções — alternando luz e sombra, doçura e amargura, blues britânico e rockinho suave da Costa Oeste — segue com um brilho típico californiano.

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Estranhamente, todo o drama e a maravilha que é acompanhar a mitologia do Fleetwood Mac, tornou-se ainda mais incrível com o tempo. Houveram zilhões de discos sobre fins de namoro que narraram o ódio e confusão que é o final de um relacionamento — com Shoot Out the Lights, de Richard e Linda Thompson servindo de análogo, com seu casamento em ruínas ao longo da composição do disco. Rumours, porém, é o progenitor do formato, um disco único que fez um espetáculo da teia de relacionamentos de seus integrantes sem sacrificar a qualidade.

"Não ligo que todo mundo saiba que eu e Chris e John e Lindsey e Mick todos terminamos", disse Stevie Nicks na matéria de capa da Rolling Stone de 1977, escrita por Cameron Crowe, diretor de Quase Famosos.  "Se é interessante, não me oponho a dar informações". Ela continuou: "Neste disco, tudo que compus… Certamente é sobre as pessoas na banda. Está tudo ali e é bem honesto e as pessoas saberão do que estou falando".

E é aí que está o brilhantismo — a honestidade, o voyeurismo, a inacreditável serenidade — de um disco como Rumours. Não é só o maior dos discos sobre fins de namoro, por mais que tenha criado um gênero a partir daí, sua troca de tiros mortal mais complexa que qualquer briguinha de namorados. Ele nem mesmo pode ser reduzido à música, que em 40 minutos de duração é ainda maior que a soma de egos e iras. Rumours segue, ao longo de quatro décadas, como um testamento da importância de se manter ativo diante do sofrimento, dos poderes de cura da arte. É, por conta própria, um tipo de elixir. Pode até mesmo nos dar uma razão para crer que maus presságios podem ser superados, de uma vez por todas, através da magia.

Jake Nevins é jornalista em Nova York. Siga-o no Twitter

Tradução: Thiago "Índio" Silva