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"Trípoli Chora": a Segunda Maior Cidade do Líbano Está à Beira da Batalha

O clima fica cada vez mais tenso entre os alauitas apoiadores de Assad e os sunitas.

A mesquita al-Taqwa, um dia depois do atentado.

A cerca de 200 metros da mesquita al-Taqwa em Trípoli, Alan Dakkoud recebia um freguês em seu pequeno café. Clientes regulares tomavam seus cafés turcos, discutindo se os moradores do bairro Jabal Mohsen fariam uma manifestação de apoio ao Partido Democrático Árabe (PDA) na principal praça de Trípoli – algo que tinha sido desencorajado publicamente pelo governo.

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Tanto o PDA quanto os moradores de Jabal Mohsen são alauitas, uma ramificação do islã xiita praticada pelo presidente sírio sitiado Bashar al-Assad, a quem eles apoiam. Próximo de Jabal Mohsen fica o bairro Bab al-Tabbaneh, de maioria sunita e anti-Assad. Enfrentamentos violentos entre os dois lados são rotina desde que a guerra civil no país vizinho estourou dois anos e meio atrás, mas uma trégua tênue vinha sendo mantida nos últimos meses. Agora, no entanto, informações ligando o PDA e o governo sírio aos dois carros-bombas detonados em 23 de agosto do lado de fora de mesquitas sunitas – incluindo al-Taqwa, onde os xeiques que se opõem publicamente ao regime sírio realizavam seus serviços na sexta-feira – ameaçam levar as tensões na segunda maior cidade do Líbano ao ápice.

O campo entre Jabal Mohsen e Bab al-Tabbaneh. Foto por Alex Potter.

As ações e retórica do PDA desde os atentados fizeram pouco para aliviar essas tensões. Ali Eid, líder do PDA, tem desafiado uma intimação judicial das Forças de Segurança Interna do Líbano para depor sobre os atentados – ele se envolveu no caso depois que Ahmad Mohamad Ali, seu motorista e guarda-costas, disse às autoridades que ajudou um suspeito dos ataques a fugir para a Síria seguindo ordens de Eid. Até agora, Eid não respondeu às alegações e parece estar comprometido em desafiar a polícia. “O Ramo de Informação [das Forças De Segurança Interna] sempre fez do derramamento de sangue alauita algo permitido, portanto, o derramamento de sangue deles por nós também é permitido”, disse seu filho, Rifaat Eid, numa entrevista coletiva.

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Entre um cliente e outro em seu café em Bab al-Tabbaneh, Dakkoud me contou que emigrou para a Austrália em 1979, durante os primeiros anos da guerra civil libanesa e três anos depois de a Síria ter ocupado o país, uma presença militar que durou até 2006. Dakkoud, por fim, retornou a Trípoli no meio dos anos 1990, uma decisão da qual ele parece se arrepender. “Eid não é bom”, disse ele, com um pesado sotaque australiano. “As pessoas como ele só inflamam a situação. Mas o problema também é que o exército libanês – seus tanques – está por toda parte, mas ele não impede a violência.”

A confiança no governo libanês é limitada em Trípoli, particularmente em Bab al-Tabbaneh, onde os moradores acreditam que o grupo xiita Hezbollah tem o governo no bolso. Depois dos atentados em agosto, os líderes do bairro salafista começaram a implementar suas próprias medidas de segurança e as forças libanesas notaram um aumento de grupos anti-Assad mais radicais na cidade, como o Jabhat al-Nusra e o Estado Islâmico do Iraque e o Levante (ISIS em inglês).

Homens armados no telhado da mesquita al-Taqwa.

Pela janela do café de Dakkoud, começo a ver pessoas se juntando em frente à mesquita al-Taqwa para as preces de sexta. Um comboio de seis tanques do exército libanês para nas proximidades, e os telhados dos prédios ao redor e da mesquita estão sendo patrulhados por seguranças particulares, todos com AKs-47 e barbas salafistas.

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Voluntários do satiricamente batizado Utopia – um grupo que vem pressionando o governo libanês para trazer os terroristas de agosto à justiça – pedem aostranseuntes assinarem uma petição de apoio à sua causa.

"Queremos 100 mil assinaturas para pressionar o governo a acelerar o processo legal”, disse Shadi Nashabi, o líder da campanha. “As Forças de Segurança Interna disseram que os membros do PDA estão associados aos atos terroristas e nós buscamos justiça. Sabemos que o Hezbollah e o governo sírio estão pressionando o governo para não tomar essas decisões. Se o governo não tomar alguma medida, as pessoas vão querer resolver a questão com as próprias mãos.”

E não há razão para duvidar das palavras de Nashabi; os moradores de Trípoli estão acostumados a agir por conta própria. Os rancores passam de geração para geração nas ruas de Bab al-Tabbaneh e Jabal Mohsen, e o desemprego endêmico mostra que muitos jovens se juntam às milícias por falta de oportunidades melhores.

Ahmad Jashir (à esquerda) e um amigo.

Outro membro do Utopia, Ahmad Jashir de 17 anos, se gabou de já ter pego em armas para lutar contra os vizinhos em Jabal Mohsen. “Tenho muitos amigos lutando e muitos foram mortos”, ele disse. “Sem o apoio do estado, temos que nos defender. Se Jabal Mohsen vir [fazer a manifestação pelo PDA] hoje com 100 pessoas, então 100 pessoas serão mortas; se eles vierem com mil, mil pessoas serão mortas.”

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Depois que as preces do meio-dia acabaram, a congregação se espalha pelas ruas ao redor da al-Taqwa, muitas parando nas mesas do Utopia para assinar a petição. Entre os assinantes estava Bassam Qanaan, um trabalhador hospitalar de 33 anos. Qanaan se feriu na explosão na Taqwa em agosto e um de seus amigos morreu. Há mais de 20 anos, durante a ocupação do exército sírio, seu pai foi morto por um atirador sírio enquanto patrulhava a rua Mar Maroun em Trípoli.

“Quando eu era mais novo – quando meu pai ainda estava vivo – eu tive um amigo alauita. Mesmo depois que ele morreu, tentamos manter nossa amizade, mas agora coisas assim são quase impossíveis”, Quanaan suspirou. “As pessoas tanto de Bab al-Tabbaneh quanto de Jabal Mohsen perderam entes queridos. Pessoas que ficaram sem nada tiveram que seguir em frente.”

Apesar de assinar a petição do Utopia, Qanaan estava pessimista sobre a punição daqueles responsáveis pela morte de seu amigo: “Acho que não teremos justiça por esses atentados”, ele disse, “porque os provedores da justiça estão com o PDA".

Haissam Hamzi.

Do outro lado da cidade, perto do porto, Haissam Hamzi estava sentado numa cadeira de plástico do lado de fora da mesquita de Salam, o outro ponto alvo dos atentados de agosto. Atrás dele, trabalhadores em andaimes continuavam com a restauração da mesquita. Como os garotos que encontrei do lado de fora da al-Raqwa, Hamzi – o motorista de Bilal Baroudi, o xeique que conduzia as preces de sexta na hora da explosão – também é um combatente experiente.

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“Tenho lutado contra o Jabal Mohsen por 35 anos”, ele disse, dando de ombros. “Quando meus filhos tiverem idade, eles também vão lutar. Os alauitas não vão protestar hoje, mas não vejo um fim para o conflito. Trípoli chora.”

As previsões de Hamzi se mostraram corretas: os alauitas simpatizantes do PDA e residentes de Jabal Mohsen acabaram não aparecendo para protestar na principal praça de Trípoli.

Anteontem, o advogado de Ali Eid exigiu que as acusações contra seu cliente fossem retiradas. Ele também exigiu que Ali, o motorista, fosse solto. Se Eid conseguir mesmo evitar aparecer no tribunal – um resultado, se acreditarmos nos rumores locais, provavelmente facilitado pela pressão do regime sírio e do Hezbollah – os residentes sunitas de Trípoli com certeza sentirão um distanciamento de seu governo.

E as hostilidades já começaram a abrir rachaduras. Anteontem, Saad Ghieh, um xeique pró-Assad, preso em agosto por causa de informações relacionadas às bombas, foi baleado e morto do lado de fora de sua casa no distrito de al-Bahsa. Medidas de segurança estão sendo planejadas na cidade de Nabatiye para a Ashura na quinta-feira – uma homenagem ao mártir Husayn ibn Ali, neto do profeta Muhammad e terceiro imã xiita – por medo de revanche.

Agora, só se pode esperar para ver se o desejo do Utopia será concedido e se Ali Eid terá que comparecer ao tribunal. Se sim, a trégua entre Jabal Mohsen e Baba al-Tabbaneh pode continuar até que o próximo barril de pólvora seja aceso; se não, isso pode ser uma situação difícil demais de ser tolerada para alguns moradores de Trípoli.

Siga o Martin no Twitter: @scotinbeirut