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Games

Reviva o Pior dos Anos Noventa com o Jogo do Casseta & Planeta

Jogamos Noite Animal, o jogo de computador do Casseta & Planeta, lançado no ano de nosso senhor de 1996.

A abertura cinematográfica mostra a única piada engraçada do jogo (a da banana no ouvido) ao mesmo tempo que nos dá o tom e o objetivo do jogo: ir para a festa na casa da Mãe Joana tentar comer alguém. É assim que começa Noite Animal, o jogo de computador feito pela equipe do Casseta & Planeta em conjunto com a ATR multimídia, lançado no ano de nosso senhor de 1996. Controlando o protagonista Zé Mané, um adolescente médio, de classe média, com os hormônios a mil, você segue a narrativa em um jogo de adventure e vai atrás de seu sonho, aparentemente impossível, de transar com uma mulher de verdade. No decorrer de sua jornada você é desafiado com vários mini-games de diferentes gêneros que tentam copiar muito mal os principais sucessos dos jogos eletrônicos de então. Tetris, Doom, PacMan, Space Invaders, etc. Sempre que possível, inserindo referências não tão ocultas a órgãos sexuais e humor com gays, minorias, policiais, mulheres, o papa, mais gays e mais órgãos sexuais.

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Pera aí, o Helio de la Peña faz o papel de um assaltante violento que coloca a arma na sua cabeça? Meio racista, talvez? Mas calma…

Ah, bom! Ele faz perguntas supercabeça para você durante o assalto, quebrando, assim, o estereótipo! Ufa, está tudo OK agora?

Em meados dos anos 1990, parecia que nada conseguiria parar o monopólio humorístico estabelecido pelo grupo Casseta & Planeta. Originalmente dois grupos de humor responsáveis por distintas publicações, o Casseta Popular e o Planeta Diário, o grupo, ainda nos anos 1980, começou a fazer sucesso com shows de humor e música, que culminou em seu primeiro disco, Preto com um Buraco no Meio, título que mostra bem ao que os meninos vieram. Na mesma época, eles começarem a trabalhar para a televisão, primeiro como roteiristas para o programa TV Pirata e depois em 1992, com a estreia de seu programa Casseta e Planeta Urgente, na rede Globo, que ficou no ar até 2010, quatro anos depois do falecimento do bom e velho Bussunda.

Trailer do jogo. Não tenho certeza onde isso foi veiculado, mas vi na INTERNET que talvez tenha passado na televisão.

É sempre bom revisitar o que foi feito pelos antigos para ver como viviam, pensavam e agiam nossos antepassados. Embora o ano de 1996 possa não parecer tão distante assim, podemos ver clara distinção entre o que era aceitável à época e o que encontraria claro ataque da sociedade civil, e por sociedade civil estou me referindo aos ativistas de Facebook e afins. O jogo Noite Animal é um maravilhoso exemplo do que era engraçado nos anos 1990, típico herdeiro do humor brasileiro de raiz, com piadas racistas, homofóbicas, misóginas e o clássico humor de duplo sentido, no qual o medo maior do protagonista é ser tomado como viado ou ter que se enroscar com uma mulher feia – situações que ocorrem durante o jogo para horror do nosso herói Zé Mané.

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Você começa o jogo em seu belo quarto. Saca o possante MICRO na escrivaninha do meninão.

O jogo em si é uma confusão horrorosa de código mal feito e arte abaixo da média. Lembro que na época, com o sistema operacional adequado e um computador ideal para o jogo, era praticamente impossível ficar mais de meia hora sem essa porcaria fechar inesperadamente por um motivo ou outro. Hoje em dia, é praticamente impossível rodar o jogo sem instalar o bom e velho Windows 95 na máquina, o que eu não recomendo para quem não for abertamente masoquista. Impressionantemente, parte do desleixo dos desenvolvedores facilita o trabalho de quem quiser acessar o conteúdo do jogo, já que todas as mídias estão jogadas nas subpastas em formatos fáceis de acessar como BMP, AVI e WAV. Isso mesmo, todos os arquivos de imagem estão soltos nas pastas que o jogo foi instalado. Se, por algum motivo escuso, alguém quiser fazer uma modificação desse jogo é só editar os próprios BMPs. Os mini-games dentro do jogo têm, inclusive, suas subpastas e é possível jogá-los direto rodando os .EXE nelas.

Cuidado! Cenas de sexo extremamente sensuais neste vídeo.

O jogo tem várias ramificações e, logo no início, você pode fazer escolhas de como enfrentar os problemas para chegar até a famosa festa. Você, ao sair de casa, precisa decidir como irá se locomover, se irá roubar o carro do seu pai, ir de táxi, ônibus ou pegando carona. Em cada uma dessas possibilidades, vários imprevistos aparecem e, no decorrer do jogo, vão surgindo os diferentes mini-games, mais ou menos amarrados dentro da história, mas sempre tendo o Zé Mané como protagonista.

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Um dos mini-games é o Encaixe Perfeito, que não passa de um Tetris feito com genitálias. Se você perde o jogo, é obrigado a casar com a filha encalhada do faraó interpretada pelo Bussunda. Detalhe que no mini-game as pirocas têm o tamanho adequado ao estereótipo de raça, com os pintos orientais pequenos, os caucasianos são médios e o negro é uma puta de uma jeba. Eita que coisa boa.

Tela logo antes de começar o mini-game Sauna Mista.

Eis a cópia de PacMan mais fálica de que se tem notícia.

Também tem o lindo Sauna Mista, uma cópia de PacMan na qual você controla uma rola sobre pernas com uma bundinha que foge de outras rolas sobre pernas com bundinhas que estão tentando te comer. Quando você pega o power up, você consegue comer a bundinha das outras rolas sobre pernas. Além de mostrar o típico medo de "virar" gay, a fase mostra também um típico pensamento de que "quem come não é viado", show de bola.

O jogo coloca você em escolhas morais complexas que podem alterar completamente sua visão de mundo, como essa da imagem.

O maior mini-game dentro do jogo se passa no jardim do lado de fora da Casa da Mãe Joana, seu objetivo último. Nesse jogo, você controla o Zé Mané através de um labirinto de cerca viva no estilo Doom enquanto foge de ataques de gays que querem seu amor, peitos femininos que flutuam e esguicham leite em você e afins. Uma das armas é um par de sutiãs que você arremessa nas pobres mamas sem corpo. Dê uma olhada no vídeo para ter uma noção da ótima jogabilidade e o altíssimo framerate do jogo.

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OK, essa cena me mostrou que eu realmente não lembrava que o Casseta & Planeta tinha um nível tão elevado. Lembro que piadas com gostosas e de duplo sentido eram comuns no programa, mas não me recordo da coisa ser tão abertamente ofensiva assim. Nessa fase, você entra em um mini-game de luta com o namorado bombado da garota, que o aceita prontamente depois que você vence o fortão no tete a tete. Aliás, esse não é o único mini-game de luta dentro do Noite Animal. Como o jogo tem vários caminhos possíveis e vários finais, a maioria deles resulta em Game Over. Dentro da história, é possível que você seja preso – na prisão, começa o mini-game Xilindró, em que você precisa lutar contra um Mister Bison Bussunda para evitar virar, isso mesmo, a mulherzinha da cela. Os desenvolvedores não ficaram com medo de mostrar um dos maiores medos do homem medíocre visualmente com o pobre Zé Mané vestido de noiva.

O jogo também tem um Tiro ao Alvo com o originalíssimo nome de Tiro ao Álvaro, no qual você precisa atirar setas de besta, no formato de pintos alados, na fotografia de diversas mulheres. Se você atingir um Casseta travestido de mulher entre os retratos das gatinhas, você perde pontos. Atirar pequenas rolas aladas na cara das mulheres é por demais simbolicamente forte para eu não me abalar.

Como se não pudesse ficar pior, temos esse excelente cut scene com Marcelo Madureira mostrando toda sua misoginia latente. Manda ver Marcelo!

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PALESTRA_IRREVERENTE.JPG

Talvez seja bom que esse jogo tenha ficado tantos anos coberto pelas brumas da história, talvez eu esteja fazendo algo ruim pela humanidade ao revelá-lo novamente para o mundo, mas uma coisa é certa: os jogos brasileiros melhoraram consideravelmente desde então. Se não podemos apagar nossos passado, ao menos tentemos aprender com nossos erros.

Game Over.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca.