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Música

Hip Hop Com Ácido

“Thug Waffle”, o clipe de estreia do Flatbush Zombies, já foi visto 300 mil vezes sem apoio de nenhuma gravadora.

O Flatbush Zombies: Meechy Darko (esquerda) e Zombie Juice (direita). Foto: Conor Lamb.

Os caras do Flatbush Zombies ainda estão dormindo quando chego ao apartamento deles no Brooklyn. Estamos no meio da tarde e os caras estão jogados em dois enormes sofás debaixo da névoa de fumaça da noite passada. Pelos resmungos ressaquentos descubro que há tabletes de ácido na geladeira e bagas de maconha escondidas como ovos de Páscoa fedorentos pelo apartamento todo.

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Zombie Juice e Meechy Darko, os MCs que formam o Flatbush Zombies, estão no único quarto do muquifo. O quartinho tem dois colchões sem lençol no chão e um microfone solitário no canto. Essas são as humildes posses de um grupo que foi bajulado por todos os sites de hip hop da internet e que chamou a atenção das grandes gravadoras dos EUA com apenas um vídeo clipe.

Faz dois meses que eles lançaram “Thug Waffle”, seu clipe de estreia com muitas imagens de maconha e dos dentes dourados da dupla. Até o momento, o clipe já foi visto quase 300 mil vezes sem nenhum apoio de gravadora. O refrão “See we float / Must be from that weed smoke / Eyes Chinese cause we smoking sour diesel” é contagiante, e ficou na minha cabeça e na cabeça de todos os moleques que não vão ler essa matéria porque estão muito ocupados soltando fumaça para o alto por aí.

Foto por Philip Walters

Já ficou claro que maconha é muito importante pros caras. O Meech, que já está vestido, parece um Bart Simpson jamaicano com seu cabelo espetado pra cima. Num discurso que fica alternadamente mais rápido e mais devagar como numa levada de reggae, ele me conta suas filosofias malucas.

“Vivo pelas D.R.U.G.S., que quer dizer 'death and reincarnation under God's supervision' (vida e reencarnação sob a supervisão de Deus). Acredito que a gente já esteve aqui antes. Morri quando tinha 16 anos — foi na primeira vez que comi cogumelos. Fui atingido na cara pela realidade. Depois de todos aqueles anos de lavagem cerebral e conversa fiada, aquela viagem realmente me acordou. Foi quando virei um zumbi.”

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Reencarnação é uma palavra estranha de ouvir da boca de um rapper dos EUA, porque a glória no hip hop norte-americano está intimamente ligada à morte (Tupac, Biggie, Big Pun). Se tem alguma coisa que a transformação de Zombie de um moleque tentando sobreviver na notória vizinhança de Flatbush num rapper que faz shows com o A.$.A.P Rockyprova é que você não precisa morrer para renascer.

Foto por Philip Walters

O Juice ainda está sem camisa debaixo das cobertas, dando profundas tragadas num baseado. Metade de seu cabelo está pintada de loiro e ele ostenta pelos faciais rebeldes que parecem uma barba falsa de fantasia do Bin Laden. Ele é o místico do grupo, o que nem é estranho, considerando que sua mãe morreu e que ele nunca conheceu seu pai. O Juice também tem um filho de três anos que não pode ser alimentado só com hype de internet. Essa responsabilidade adiciona uma urgência extra em transformar sua música em algo viável.

“Na noite antes do meu filho nascer, caiu a ficha. Eu realmente tinha responsabilidades. Não posso simplesmente vazar. Antes não sabia qual era meu propósito, mas agora tenho uma coisa pela qual viver”, diz Juice enquanto amarra um bandana estilo Tupac na cabeça, com o nó para frente.

Foto por Philip Walters

Saio com eles pra rua, é um dia frio de inverno no Brooklyn. A neve na rua está suja e, depois de todo aquele tempo sentado no apartamento enfumaçado dos caras, me sinto flutuando pela calçada como um personagem de um filme do Spike Lee. Vamos até um parque perto de onde Juice foi criado pelos avôs para nos encontrarmos com o amigo de infância e produtor exclusivo da dupla, Eric Arc Elliot, um nerd musical magrelo que já vem tentando uma carreira como rapper e produtor muitos anos antes de começar a fazer batidas hiper sintetizadas para os Zombies.

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Eric Arc Elliott. Foto por Conor Lamb.

“Quando você tenta fazer uma música muito estruturada e gasta muito tempo a aperfeiçoando, acaba com o feeling”, diz Elliott. “Há uma hora para perfeição, mas no hip hop agora as pessoas só querem saber como você se sente. Elas querem ser Zombies.”

Foto por Conor Lamb

Juntos no parque os três me contam histórias sobre sua juventude causando confusões pelo bairro. Eles fizeram as típicas coisas de baderneiros — explodiram um rato colocando fogos de artifício no cu dele, jogaram cheeseburgers nas janelas dos vizinhos, e armaram sua próprias partidas de luta livre. “A gente não queria ser normal. A gente só queria se divertir”, diz Juice.

Embora esteja bem no meio dela, os Zombies estão claramente tentando sair da vida nas ruas através da música. “Na hora certa vamos sair daqui. Não vou deixar essas ruas me limitarem. Posso estar aqui fisicamente, mas isso não significa que não posso projetar minha energia por todo o universo com ferramentas como a música e a internet”, diz Meech.

Em termos de abandonar as ruas, Juice está preocupado não só consigo mesmo, mas também com o filho. Ele parece determinado a fazer diferente de seu pai e estar presente na vida da criança. Ele falou do bebê em quase todas as conversas que tivemos. Ante de voltarmos para a casa de dele, tivemos até que parar para comprar umas fraldas.

Foto por Philip Walters

A loja é de um branco gelo que me faz pensar num hospital ou no Céu. Os meninos andam pela loja como se fossem moleques de quatro anos, pulando de uma distração a outra — experimentando sutiãs, gritando para as meninas e andando naqueles carrinhos elétricos para pessoas muito gordas ou muito velhas.

Quando voltamos ao apartamento, o resto da turma parece finalmente estar se agilizando. Um dos caras tinha acabado de tirar um tablete de ácido da geladeira, e pensava se tomava agora ou deixava pra depois. Meech é categórico para não pressioná-lo: “Você vai saber quando for a hora”.

Foto por Philip Walters

Esse é o mesmo jeito que eles abordam sua música, se recusando a responder minhas perguntas sobre quando vão lançar uma mixtape completa ou quando vão assinar com um selo grande. “A gente vai saber quando for a hora.” Isso me soou meio apático, mas aí: eu não tinha usado nada.