FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Humanos do Futuro: Natasha Vita-More

A Natasha Vita-More faz um monte de coisas. É escritora, pintora, fisiculturista e a designer que criou o Primo Posthuman -- o seu projeto para o humano do futuro.

A Natasha Vita-More faz um monte de coisas. É escritora, pintora, fisiculturista e a designer que criou o Primo Posthuman — o seu projeto para o humano do futuro. É uma espécie de Passageir@ do Futuro que vive entre o mundo real e o mundo virtual, alimentando-se de nanobots quando está na larica. Este mundo pós-humano parece um lugar intrigante, mas tem uma coisa: se vivermos em formas não-biológicas, como poderemos desfrutar da experiência humana mais básica e essencial? Estou falando de sexo, se é que você ainda não sacou.

Publicidade

Como a recém-coroada presidente do Humanity+ -- uma organização transhumanista sem fins lucrativos -- imaginei que a Natasha poderia me ajudar. Apesar de ter me garantido que não é nenhuma especialista em sexo, ela se interessa pelo futuro da sensualidade, dos nossos sentidos, das nossas relações e de como poderemos interpretar as paixões e os prazeres do sexo fora do sistema biológico. Perfeito. As nossas formas humanas encontraram-se através do Skype e foi mais ou menos assim:

VICE: Olá Natasha. Como vai ser o sexo no mundo transhumano?
Natasha Vita-More: Para pensar no futuro do sexo temos que pensar na história do sexo. Qual foi o papel do sexo e o motivo de ele ter surgido. Fazemos sexo porque os nossos órgãos foram criados de modo a trocarem código genético e o sexo foi, e é, essencialmente uma forma de troca através de material líquido, através de umidade. Quando pensamos no futuro da humanidade, nós vamos ficar cada vez mais integrados com as máquinas, o que significa que vamos remover cada vez mais essa umidade e nos tornaremos uma espécie que será parcialmente molhada, parcialmente computacional.

Por molhada você quer dizer carne?
Sim, porque somos organismos de carne úmida, o corpo é praticamente só água.

A tecnologia irá tornar o sexo algo mais mental, menos físico?
Primeiro existe uma transição de se ser um humano de carne e osso para uma espécie de organismo computacional pós-humano. Você deve pensar no que os nossos corpos irão ser e naquilo que queremos preservar e gerar. Num mundo pós-humano, pode ser que não queiramos conceber com outra pessoa, podemos querer uma reprodução em mosaico com mais organismos e outras formas de vida.

Publicidade

Não faço ideia se essas imagens da Natasha são de verdade ou não, mas vou ilustrar o texto com elas mesmo assim. Tenho certeza que ela não vai se importar.

O que você quer dizer com “reprodução em mosaico”? Tipo azulejos coloridos?
Aquilo que chamo de “reprodução em mosaico” será uma compilação e um conglomerado de diferentes tipos de genes, não entre espécies, mas dentro da própria espécie. Hoje temos reprodução entre um homem e uma mulher. Os genes de ambos se juntam e formam um embrião. No futuro, algumas pessoas podem querer reproduzir-se com uma pessoa, enquanto outras podem querer com elementos de várias pessoas diferentes. Você pode querer o humor de uma pessoa, a inteligência de outra, as capacidades atléticas de outra e o tipo de corpo de outra. Isso poderia ser um mosaico.

E a pornografia transhumana? Ainda haverá pornografia quando formos apenas entidades digitais flutuando num mar digital?
Claro!

Como é que os gêneros vão mudar? Somos só uns pudicos babacas do século XXI com esse papo “você tem que ser homem ou mulher”?
Quando projetei o Primo Posthuman — um protótipo do corpo do futuro — fiz com a ideia de que o humano do futuro não precisaria estar restringido a um gênero. Que o humano do futuro pode ser macho, ou fêmea, ou macho e fêmea, pode ser andrógino, não ter gênero nenhum ou pode ser uma combinação múltipla de gêneros. Então você pode ser homem durante algum tempo, e depois mulher por outro período de tempo, hermafrodita ou pode ser assexuado sem um gênero específico.

Publicidade

"Primo Posthuman", da Natasha

OK, então vai ser uma coisa mais comum?
Sim. Acho que teremos atributos de ambos os sexos. Podemos querer viver e desfrutar da vida dentro de um protótipo masculino, durante certo período de tempo, e depois passar para um protótipo feminino. É algo que a psicologia humana tem gostado de fazer, mas, ao mesmo tempo, você não deveria fazer isso porque cada um deve ter só um gênero.

Então pode acontecer de uma criança acordar um dia e descobrir que o pai agora é a mãe?
Não sei se isso seria desejável, mas pode ser possível -- só não sei se é a escolha ideal.

Se tivermos corpos diferentes, vivermos mais tempo e formos transhumanos vivendo em diversos ambientes, como isso irá afetar a nossa sexualidade?
O aspecto da sexualidade que é muito transhumanista e que seria apreciado pelos pós-humanos é olhar para o que é o prazer, o que é desejo, o que é espontaneidade -- e a parte da sexualidade que queremos preservar da sexualidade atual é o ritual de acasalamento em si. O elemento desse ritual que é excitante é o enredo — como podemos tornar esse enredo ainda mais maravilhoso e deslumbrante? Isso pode acontecer em ambientes diferentes, onde você possa ter uma sexualidade virtual assim como uma sexualidade telepresente.

O que é isso?
Telepresença é quando você está num local e a sua companheira está em outro canto do mundo — Itália, Bagdá — e vocês querem estar juntos. O sexo telepresente é baseado no sistema háptico, o computador gerando uma sensualidade para os seus sentidos. Você pode criar uma representação virtual tridimensional da seu companheira numa localização geográfica diferente.

Publicidade

E o sexo virtual?
Ao invés de ir para um bar, se embebedar e se arrepender no dia seguinte, você poderia ter sexo simulado. Não seria tão perigoso como é biologicamente. Nem precisaria ter que se preocupar com doenças venéreas como acontece com o corpo humano.

O que mais seria possível?
Bom, por exemplo: um orgasmo poderia ser redirecionado no cérebro para ser usado para propósitos altamente criativos e intelectuais.

Poderíamos aproveitar a energia do orgasmo?
Sim, aproveitar essa energia e talvez transportá-la para outra área do cérebro para facilitar, digamos, a escrita de um artigo ou a composição de uma música. Uma forma de ver as coisas seria neurológica, em que poderíamos redirecionar a energia no cérebro. Além disso, também poderíamos duplicar a sensação do orgasmo no cérebro, o problema é que as pessoas poderiam ficar viciadas -- podíamos ter orgasmodependentes.

O que acontece na fase mais avançada da revolução transhumanista, onde nos tornamos pós-humanos e não-biológicos? Como nos iremos excitar nessa altura? Se formos não-biológicos e fizerem nosso upload num sistema computacional artificial, existiremos numa nova esfera de múltiplas identidades conectadas, co-existindo numa espécie de, vamos dizer, computador.

Como uma rede online de…
Exato. Estamos pensando num upload. Conhece esse conceito?

Acho que não.
O upload é o pós-humano. É a emulação completa do cérebro ou o upload mental. É copiar e transferir o cérebro, as suas propriedades cognitivas, para um sistema não-biológico que pode ser um computador. É uma área da ciência cognitiva e da neurologia que é muito transhumanista. Pegar as memórias, suas propriedades eletro-neurológicas e fazer o upload delas para um computador. Você ficaria dentro desse universo completamente diferente de matéria computacional. E isso seria um ambiente simulado realmente lindo.

Publicidade

Tipo Matrix.
Sim, isso é um sistema computacional.

Então vamos viver na Matrix, mas não vamos ser escravizados por máquinas malvadas que colhem a nossa energia bioelétrica?
Você poderia continuar tendo um corpo biológico e parte da sua identidade aí, mas também fazer o seu upload para o sistema.

Um ou o outro?
Você poderia existir em ambos, ou num só.

Ao mesmo tempo?
Você poderia existir em um por talvez dez anos e depois voltar para o outro. Então é em tempo real e virtual.

O que acontece com o seu corpo enquanto você estiver no mundo virtual?
O corpo poderia ficar suspenso ou poderia nem existir, já que se teria multitrack.

O que significa esse termo?
Multitrack significa pensar simultaneamente em campos diferentes. Enquanto estamos fazendo o upload, o universo inteiro existirá num sistema computacional, mas as coisas não vão parar nos outros níveis. As pessoas vão continuar programando, projetando, fazendo designs do corpo humano, próteses. O nosso corpo não vai ficar parado no tempo, vai continuar a evoluir com a nanomedicina e com os nanorobots.

Então os nanobots vão aperfeiçoar o corpo humano?
Sim, irão regenerar o corpo, recuperar o envelhecimento das células.

OK, então vamos ter múltiplas personalidades digitais que existem ao longo do tempo.
Só quero que você perceba que não temos que escolher entre uma coisa ou outra, que há muitas alternativas. Essa que é a grande inovação. Toda a psique da espécie humana se baseia no fato de termos uma identidade, um gênero, uma aldeia, um trabalho, e uma existência. Mas isso irá mudar num mundo transhumano. Vamos redefinir totalmente o conceito de morte. A morte é muito importante quando falamos de sexualidade, graças ao conceito freudiano de que o ato sexual é um ato de morte. E se você pensar nos atos sexuais mais mórbidos, como o que matou meu amigo Carradine…

Publicidade

David Carradine?
Sim, ele morreu num ato sexual que envolvia algo parecido com estrangulação.

Asfixia auto-erótica.
É o tipo de humano que não é transhumanista. É uma coisa estranha da psicologia humana.

Mas isso é bem interessante: se vivermos num mundo em que tudo é possível, então podemos viver qualquer fantasia que desejarmos.
Exatamente, mas algumas pessoas têm fantasias com estupro e estupro não é uma coisa muito legal de se fazer com os outros.

Bem, como você mediaria isso? Como você faria alguém parar de fantasiar com estupro?
É esse o problema em ser humano e com aquilo que você é em lugares como o Second Life. Eles têm ilhas onde o estupro é um jogo e isso não é transhumano. Essa coisa toda tem a ver com a psicologia da morte e do medo, que é aquilo de que o transhumanismo quer se ver livre.

Você tem uma estimativa da data em que poderemos ver isso acontecer?
Vejo mudanças e avanços na nossa sociedade em vários níveis, do campo sócio-político aos avanços tecnológicos, acontecendo em ciclos, por ondas — é como o mercado de ações, às vezes sobe, às vezes desce. Por isso é difícil prever. Diria que será, certamente, antes do século XXII.

Da hora! É capaz que eu ainda esteja vivo. Obrigado, Natasha!