FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Um CV de João Doria Jr., o novo prefeito de SP

Um compilado sobre vida e obra do candidato "gestor" que venceu com mais de 53% dos votos válidos no 1ª turno das eleições municipais.

Doria, o prefeito "sou gestor não sou político" de São Paulo. Foto: Agência Brasil

O sambinha é rápido, trinta segundas de jingle. "Um amigo me indicou o João trabalhador", começa. Aliado ao símbolo com o dedo indicador e médio em "V", na horizontal, que significa "Acelera SP" — slogan criado por Nizan Guanaes —, a campanha de marketing que levou João Doria (PSDB) a uma histórica vitória. Com a construção de um personagem "trabalhador" e que "veio de baixo", Doria conquistou mais de 53% dos votos válidos no primeiro turno das eleições para prefeitura de São Paulo.

Publicidade

João Agripino da Costa Doria Junior, nascido em São Paulo em 16 de dezembro de 1957, é herdeiro de uma das famílias mais tradicionais do Brasil, os Costa Doria — chegados ao país no início da colonização, foram donos de engenhos e ocuparam cargos na política e exército, e talvez seu mais famoso membro tenha sido o padre Antonio Vieira. João Agripino da Costa Doria Neto, pai do novo prefeito, era publicitário e entre seus feitos está a invenção do Dia dos Namorados nacional como estratégia de vendas para as lojas Clipper, em São Paulo.

A família abastada, no entanto, perdeu tudo quando o pai, deputado federal pelo Partido Democrata Cristão, que apoiava Jango, teve que exilar-se após ser cassado no golpe de 1964. Na bagagem, levaram uma grande coleção de quadros de Di Cavalcanti, que foram vendidos para custear a vida da família na Europa. Sem dinheiro, mãe e filhos voltaram ao Brasil depois de dois anos. Maria Sylvia Vieira de Moraes Dias, a mãe, montou uma fábrica de fraldas em Pinheiros, com dinheiro de joias empenhadas. O pai, por sua vez, só voltaria ao país em 1974, clandestinamente, e três meses depois perderia a mulher, vítima de uma pneumonia.

Com a construção de um personagem 'trabalhador', Doria conquistou 53% dos votos válidos no primeiro turno das eleições para prefeitura de São Paulo.

Com a situação regularizada por um general amigo da família, Doria pai montou uma empresa chamada MindPower, que oferecia cursos de meditação dinâmica — o filho trabalhava como secretário. Depois de passar pelas TV Tupi e Bandeirantes e por agências de publicidade, Doria Jr. foi convidado pelo governador Mario Covas a presidir a Paulistur, antiga empresa de turismo do Estado de São Paulo, e, na sequência, se tornou presidente da Embratur, nomeado pelo presidente José Sarney.

Publicidade

Candidato "gestor" e "não-político", Doria tratou com poucos detalhes essa passagem breve pelo poder público. É de se entender: após a sua saída da Embratur, foi alvo de investigação do Ministério Público. O MP o acusou de contratar a empresa Foco — Feiras Exposições e Congressos Ltda sem licitação, para realização de mais de 42 eventos turísticos internacionais, com suspeita de irregularidades na contratação da empresa PROCON Informática para a locação de software, a não-declaração de US$ 1.380.000,00 provenientes da Comunidade Econômica Europeia e ainda uma pequena farra de passagens aéreas de alguns funcionários e parentes de funcionários da autarquia. Inicialmente, Doria foi citado a devolver os valores das passagens, junto com os outros diretores, um montante no valor de quase 60 milhões de cruzeiros (algo hoje em torno de R$ 34 mil, em valores atualizados). Porém, no julgamento final do caso, o Tribunal de Contas da União passou um pano, aprovando as contas com ressalva, adotando a tese da defesa de Doria de que as mudanças pelas quais passou a Embratur no período dificultou a manutenção adequada das contas. O acórdão, de 1994, pode ser lido aqui.

Depois de deixar a vida pública, Doria aproveitou os contatos feitos à frente da Embratur para embarcar no rolê que faria a sua fortuna: a promoção de eventos. Abriu uma empresa de eventos com o publicitário Luiz Lara e descolou um contrato com o Diners Club — dois anos depois, vendeu a empresa por uma bolada. Em paralelo, figurava na TV desde 1987, com o programa Sucesso, na Band. Em 1992, fundou o Grupo Doria, e a fortuna só aumentou: sua declaração de bens junto ao TSE soma mais de R$ 179,7 milhões. Grande parte disso vem do seu trabalho promovendo eventos, tudo com base na permuta — mais que bom gestor, Doria é um grande negociador, sempre realizando trocas. Uma das suas iniciativas mais conhecidas é o grupo LIDE, que reúne empresários de todo o Brasil para palestras e eventos, entre os quais já contou com colóquios de personalidades como o presidente Lula, mas atualmente, dentro de sua retórica anti-petista (disse, após a eleição, que gostaria de visitar Lula "em Curitiba", em alusão à possível prisão do ex-presidente), prefere contar com nomes como o juiz Sérgio Moro, líder da Operação Lava Jato.

Publicidade

Doria é o favorito do governador paulista Geraldo Alckmin, cujo governo comprou mais de R$ 1,5 milhão em publicidade nas revistas do grupo Doria.

A escolha de Doria como candidato a prefeito pelo PSDB foi outro capítulo controverso na biografia que se pretende imaculada — como as mãos do candidato, sempre limpas com álcool em gel após cumprimentar populares. Favorito do governador paulista Geraldo Alckmin, cujo governo comprou mais de R$ 1,5 milhão em publicidade em suas revistas (incluindo R$ 500 mil para a popular Caviar Lifestyle), foi circundada por polêmicas. Andrea Matarazzo, hoje no PSD, seria a indicação natural do partido — com décadas de militância, o tucano foi embaixador, ministro de FHC e secretário municipal. Em 2012, deixou de concorrer à prefeitura para dar vez à José Serra, derrotado por Haddad. Matarazzo e parte dos dirigentes do PSDB, como o ex-governador Alberto Goldman, acusaram Doria de abuso do poder econômico e de compra de votos nas prévias do partido — foi quando circularam na imprensa grandes momentos da política tucana, como a foto do militante Bininho sem calças durante uma briga.

A própria diretoria do PSDB denunciou a chapa de Doria, vencedora das prévias a partir da desistência de Matarazzo (que viria a ser candidato a vice de Marta Suplicy, agora no PMDB) par ao Ministério Público Eleitoral. O MPE ainda viria a fazer nova denúncia contra a campanha de Doria, por abuso do poder político: para conseguir apoio e tempo de TV para o afilhado, Alckmin fez mudanças no governo estadual para acomodar indicações de partidos como PHS e PP. A indicação de Ricardo Salles, do PP, para a Secretaria do Meio Ambiente, por exemplo, levou o promotor José Carlos Bonilha a pedir a cassação da chapa de Doria, mas o caso ainda será julgado.

Publicidade

João Doria — que doou mais de R$ 2 milhões à sua própria campanha a prefeito — se tornou o segundo maior doador eleitoral do país em 2016.

Na campanha, Doria se beneficiou largamente do tempo de TV e, apesar de desconhecido da população (saiu com 3% de intenção de votos nas primeiras pesquisas), contou com a baixa rejeição para construir seu nome. Além disso, aproveitou-se da própria fortuna e da possibilidade de autofinanciamento permitida pela nova lei eleitoral, para sair na frente da concorrência — doou mais de R$ 2,4 milhões para a própria campanha, tornando-se o segundo maior doador eleitoral do país em 2016. O dinheiro garantiu uma vantagem que ele mesmo havia previsto como "injusta" em relação aos outros candidatos, permitindo a impressão de muito material de campanha, em relação aos concorrentes. Além do discurso de "trabalhador", também pôde contar com o voto evangélico, prometendo parcerias com igrejas em projetos sociais e recebeu as bênçãos da Renascer, da Assembleia de Deus e do pastor José Wellington, do Ministério do Belém.

No início da campanha, com Doria ainda tentando ganhar impulso, sua equipe de marketing encomendou uma pesquisa junto à classe C paulistana. Queriam saber o que o eleitorado associava à expressão "coxinha" — estudavam a possibilidade de Doria se assumir como candidato coxinha de vez, e que tipo de impacto isso teria na população mais pobre. Resultado: ninguém sabia. No máximo, ouviu-se respostas associando a expressão à Polícia Militar (como em "os coxinha cresce os zóio na função e gela", BROWN, Mano). A tão propalada rivalidade entre "coxinhas" e "mortadelas" como metáfora para a polarização ampliada a partir do processo de impeachment de Dilma não fazia sentido nas quebradas paulistanas. Com isso, a campanha decidiu focar na construção do candidato "trabalhador" e deixou a dicotomia entre "foi e não foi golpe" de lado.

Eleito, Doria, que prometeu não receber seu salário como prefeito (afinal, quem tem jatinho e helicóptero não precisa ganhar essa mixaria), já começou a campanha pelo padrinho político Alckmin à presidência em 2018. Poucos dias depois da sua eleição, uma nova estatística mostrou que a redução da velocidade máxima nas vias expressas havia diminuído em três vezes o número de mortes no trânsito em São Paulo. Já a promessa de congelar os aumentos da tarifa de ônibus e do IPTU fez água. O IPTU será corrigido pela inflação já em 2017, e a tarifa de ônibus só ficará congelada até o fim de 2017 — a tendência, apesar das promessas de Doria, é que ela aumente a partir de 2018. Além disso, Doria já afirmou que vai parar a expansão das ciclovias na cidade e que pretende privatizar a administração de parques como o Ibirapuera e o parque da Aclimação — ainda não se sabe como vai funcionar o sistema de privatização. Parece que, a partir de 2017, na contramão dos pedidos do MPL, São Paulo será cada vez uma cidade com mais catracas.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.