FYI.

This story is over 5 years old.

centro

Quando o estacionamento não é o nosso melhor amigo

Uma ida às compras que pode ser um pesadelo.

As cidades procuram sempre ser sedutoras, para quem as visita ou para quem lá vive. Em Las Vegas, para gáudio dos viciados no jogo, há slot machines nos cagadoiros para não se perder um momento de sorte. Em Banguecoque, é possível obter-se prostitutas de todas as idades — dos nove aos 19, para todos os gostos — desde que se goste de asiáticas. Em Londres, Paris, Roma ou Nova Iorque faz-se tudo por tudo para que os compradores não se cansem com nada, a não ser com o esforço necessário para tirar o cartão de crédito da carteira, nem se distraiam com cenas idiotas tipo torres, coliseus ou arranha-céus. Em Portugal, somos conhecidos por gostar de receber bem quem nos visita. Não temos é casinos suficientes e a maioria das asiáticas vende cenas inúteis nas lojas dos chineses. Falha nossa. Por isso, deveríamos tentar tornar as nossas cidades confortáveis para quem as visita ou para quem lá vive. Não sou fundamentalista ao ponto de pensar que as obras de remodelação e renovação urbana deviam ser referendadas mas… Há várias maneiras de exercer o poder político. A paternalista é a mais irritante: quererem educar-nos os gostos, impingir-nos a vontade. A pior é a abordagem: “Isto é o melhor para todos, mesmo que vocês, seus imbecis, não percebam que estamos a fazer isto para o vosso bem." É uma abordagem muito típica em Portugal. A começar desde o berço, em Guimarães. Dom Afonso Henriques começou por dizer à sua querida mãezinha: "Vou dar-te um tautau, mas vais ver que é para o teu bem." Mais tarde, sua realeza convenceu os mouros à chapada de que seriam muito melhores pessoas se ostentassem o cartão do cidadão de um país que ele tinha agora mesmo acabado de criar. Os resultados estão à vista, caso contrário teríamos agora uma primavera árabe nas ruas de Lisboa. Anos mais tarde, as coisas não mudam: faz-se uma remodelação no Toural que a poucos agrada, mas quem a fez quer convencer-nos de que assim é que a nossa sala de visitas está bonita, para os “guimaranenses” verem que é assim que se faz lá fora, nas estranjas, mesmo que quem fez o projecto nunca tenha viajado para lá de Gonça. Mais tarde, pespega-se lá um "varandim" — e agora é que aquilo está ainda mais bonito, ouro sobre azul. Precisamos de ser civilizados. Então, se pendurarem lá uns aloquetes como fazem naquela fonte em Paris de França é que isto fica fino. Acabam-se com os lugares de estacionamento, porque é feio ver carros parados, muito mais bonito é vê-los às voltinhas do Toural para a Alameda, do mercado ao Campo da Feira, tipo carrossel das Gualterianas, sem moedas e sem fim porque não há onde parar. Ah, afinal há onde parar, longe para burro, nas Hortas. Os turistas e compradores, espécime raro e sempre sobrevalorizado, precisam de passar o purgatório de umas largas dezenas de metros sem sombra, antes de poderem ter o desplante de usufruir do nosso comércio tradicional do centro histórico. Passam de carro, devagarinho, para ver as montras, depois vão calma e confortavelmente fazer as compras… ao shopping ou, pior, noutras cidades, onde se consegue estacionar calma e confortavelmente. E perto das coisas que se querem ver. Os moradores, espécies em vias de extinção, só merecem ascender ao Olimpo de morar no centro histórico se passarem pela provação de carregar as compras do mês durante um quilómetro, nem que chovam picaretas. Em caso de dúvida, há os dois lugares de estacionamento mais bem guardados do país, na parte de cima do Toural, vigiados 24 horas por um par de polícias de cronómetro olímpico que não deixam parar naquele lugar mais do que o tempo suficiente para dar uma rapidinha mal esgalhada. Afinal, o cliente tem sempre razão, excepto em Guimarães, cidade em que os carros podem circular, mas não podem parar. O peep show menos erótico do mundo. Assumam-se! Cortem o trânsito de vez e devolvam a medievalidade ao centro histórico ou dêem qualidade de vida aos habitantes e vida ao património.