Drogas

A verdade sobre olhar no espelho quando você usa psicodélicos

Dizem que você deve evitar ver seu reflexo quando está viajando. Mas será só uma história de terror?
Um espelho multicolorido sobre um fundo azul
Imagem: Westend61/Getty.

Os perigos de olhar num espelho depois de tomar drogas psicodélicas já é tipo uma lenda urbana. Tem arte alertando contra isso. Fóruns da internet debatem os horrores em potencial. Usuários de psicodélicos fazem vídeos recriando a experiência. Mas seria só superstição ou se olhar no espelho chapado de alucinógenos pode realmente dar ruim?

Na primeira vez que tomei LSD, minhas amigas da faculdade me avisaram sobre isso. O que era tão assustador? A viagem podia revelar uma versão aterrorizante e distorcida de você, uma versão mais próxima da verdade do que você estaria pronto para aceitar. “Quando falamos sobre a lenda urbana de 'não olhe no espelho', é basicamente porque seu ego é suspenso, e isso abre para um nível de vulnerabilidade”, disse Ronan Levy, cofundador do Field Trip, um grupo de pesquisa e terapia com psicodélicos.

Publicidade

Mas me olhei no espelho. Meu cabelo tingido de loiro parecia doentio, as raízes escuras lutando para crescer. Me olhei no espelho depois de três papelotes e meio de ácido. Era muito mais que apenas cabelo; minha real natureza estava lutando contra uma conformidade fracassada. Isso foi no verão antes do meu último ano numa pequena faculdade do sul dos EUA, dominada por fraternidades e conservadores. Quando (dias depois) o efeito passou, eu sabia que minhas tentativas de me encaixar tinham acabado. Pintei o cabelo de uma cor mais escura e redirecionei toda minha energia para me formar mais cedo e finalmente me mudar para Nova York.

Quando entrei naquele banheiro dez anos atrás, eu sabia que estava me arriscando ao olhar meu reflexo num estado alterado. Mas, diferente de outras lendas urbanas sobre psicodélicos, como o cara que sem querer tomou uma garrafa inteira de LSD, ver seu reflexo pode render insights úteis – mesmo se a experiência for tão assustadora quanto diz a lenda.

Shelby Hartman, editora-chefe da revista sobre psicodélicos DoubleBlind, lembra de olhar no espelho na faculdade durante sua primeira viagem com cogumelos. “Minhas bochechas pareciam nuvens de cogumelo, e meus olhos estavam distorcidos de um jeito insano”, ela disse. Hartman teve experiências mais intencionais olhando o próprio reflexo depois dessa vez das nuvens de cogumelo, que foram tão terapêuticas que agora ela considera tomar psicodélicos algo terapêutico. Ela aponta que, na comunidade psicodélica, as viagens não se dividem em boas e ruins. “Um grande princípio da viagem é se render. Há essa noção de que o que quer que venha é algo que você deve encarar”, ela disse.

Publicidade

Há viagens difíceis, mas mesmo essas podem ser terapêuticas. “O que a ciência sugere é que não existe isso de bad trip, só viagens difíceis”, disse Levy. “Elas mostram coisas da sua psique que são desafiadoras, mas lidando com essas experiências diretamente, há um crescimento e uma conscientização emocional que você pode ter.”

“Podemos ver beleza em nós mesmos, podemos ver as possibilidades de transformação, podemos ver a natureza da nossa própria mortalidade.”

Chris Timmermann, um pesquisador de DMT do Psychedelic Research Group do Imperial College de Londres, disse que essas viagens “desafiadoras” podem oferecer insights incríveis. “Evidências estão mostrando que essas experiências desafiadoras podem levar a resultados benéficos, especialmente se durante a experiência a pessoa consegue passar pelas dificuldades com a mente realmente aberta para o que precisa ser encarado”, disse Timmermann.

Há uma razão para psicodélicos serem um tipo de droga usada para despertar espiritual. Essas drogas não são usadas para conseguir um fluxo rápido de dopamina. Quando perguntei por que olhar no espelho depois de tomar psicodélicos pode ser difícil, o escritor psicodélico e ocultista Julian Vayne disse: “A resposta óbvia é porque você está olhando pra si mesmo”, acrescentando, “quando nos olhamos no espelho, temos a opção de ver a beleza de nós mesmos, o jeito como somos formados, e realmente apreciar a natureza marcante de ser um humano encarnado”.

Publicidade

Olhar no espelho pode desencadear autorrealizações ou alterar visualmente nosso reflexo porque psicodélicos podem desligar o que é conhecido como Rede de Modo Padrão. A Rede de Modo Padrão se refere a como nosso cérebro trabalha na vida cotidiana, ou o que a comunidade psicodélica geralmente chama de nosso ego. Olhar no espelho é um jeito eficiente de observar diretamente nosso cérebro nesse estado como de criança.

“Quando olhamos para nós mesmos, temos a oportunidade de nos experimentar de vários pontos de vantagem. Podemos ver beleza em nós mesmos, podemos ver as possibilidades de transformação, podemos ver a natureza da nossa própria mortalidade”, disse Eva Césarová, pesquisadora, organizadora e ativista de psicodélicos. “Podemos ver lados de nós mesmos que não encontramos normalmente.”

Usando psicodélicos, você pode ver coisas de uma perspectiva menos ligada à vida cotidiana. Olhar no espelho enquanto você viaja oferece insights e novas maneiras (às vezes assustadoras) de entender a si mesmo. Raízes escuras não eram só um lembrete de que eu precisava marcar hora no cabeleireiro – eram um alarme dizendo que era hora de parar de tentar me encaixar num grupo social de que eu nem gostava. Você pode perceber que é digno de afeição do jeito que é.

“Fiquei fascinada e hipnotizada por quão bonito meu rosto era. Tudo que eu mais gostava no meu rosto parecia amplificado”, disse Sophia, 27 anos, sobre olhar no espelho depois de usar uma mistura de psilocibina e LSD. “Para alguém com baixa autoestima, aquele foi um momento transcendental e afirmativo da minha vida.”

Publicidade

Michelle Janikian, autora de Your Psilocybin Mushroom Companion: An Informative, Easy-to-Use Guide to Understanding Magic Mushrooms, também teve uma experiência transformadora com o espelho. “Eu estava lutando com várias questões corporais; estava me recuperando de anorexia, sempre fui mais peluda que as outras garotas”, ela disse. “Também tive depressão pela maior parte da adolescência. Mas naquela noite olhando no espelho, percebi pela primeira vez na minha vida que eu era bonita, digna e especial, e foi uma coisa grande pra mim, ou uma grande descoberta, e acho que isso realmente me ajudou a seguinte em frente.”

Não foi uma experiência cheia de alegria: Janikian disse que olhar pra si mesma foi difícil, mas que ela conseguiu pegar o que aprendeu durante a viagem e aplicar na vida para melhor. “Integração é como a pessoa faz a ponte entre suas experiências e a vida cotidiana”, disse Timmermann.

Ele sugeriu que fazer um diário é um bom jeito de integrar experiências psicodélicas no dia a dia. Como é praticado em alguns círculos de ayahuasca, Timmermann também falou sobre compartilhar o que aconteceu na sua viagem com outras pessoas. Mesmo se seu momento de descoberta durante a viagem não veio de olhar no espelho, Timmermann aponta que a introspecção vinda de psicodélicos é em si um espelho, acrescentando uma reviravolta meta na experiência.

“Se você aumenta o nível de abstração do espelho como a ideia de insight psicológico, as pessoas podem mudar o jeito como veem a realidade e a natureza da consciência depois de uma experiência psicodélica”, disse Timmermann. Atualmente, a maioria das pesquisas sobre psicodélicos é feita em algumas instituições ou por psiconautas e universitários, mas ele disse que um dia a experiência poderá ser combinada com psicoterapia.

Segundo Vayne, olhar no espelho também pode funcionar como um barômetro para quando o efeito está passando. “Olhar no espelho é como um processo de ancoragem”, ele disse. “Olhe nos seus olhos enquanto o efeito passa na manhã seguinte, talvez ir até o mesmo espelho e ver esse processo interativo se desenrolando. Como foi na noite passada, quando você estava entre uma série de imagens fractais, e como é olhar pra você agora?”

Enquanto os efeitos e distorções visuais do seu psicodélico preferido têm um papel na sua imagem bizarra, a experiência bela e terrível que é olhar para o próprio reflexo enquanto viaja se resume às mudanças da Rede de Modo Padrão: você está se vendo de jeitos que nunca viu antes. E enquanto esse estado da mente, chamado por professores de ioga como “mente do iniciante”, representada no tarô pela carta do Louco, pode fornecer uma apreciação recém-descoberta por teias de aranha, não estamos falando sobre ficar observando um inseto. A criatura mais assombrosa que você pode encarar quando usa psicodélicos é você mesmo.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.