Imagem: Transerviços/ reprodução
O mercado de trabalho brasileiro ainda não abriu suas portas para pessoas transgênero, transexuais e travestis. Identidade de gênero ainda é um tabu durante o recrutamento de novos funcionários. Partindo desta premissa, surgiu, no final de junho, o site Transerviços, no qual profissionais de qualquer área podem se cadastrar gratuitamente e oferecer seus trampos. "Que tal contratar uma das talentosas pessoas trans e travestis que anunciam neste site?", propõe uma mensagem na primeira página.Lá, a comunidade T (letra referente à transgêneros, transexuais e travestis na sigla LGBT) de todo o país anunciam os mais variados serviços, como produção de refeições, doces, cuidados com animais, aulas particulares, serviços de beleza e várias outras coisas. Tal incentivo pode servir como uma opção para quem não possui qualificação para trabalhos que exigem experiência ou formação, mas que possuem aptidões e podem explorá-las. A ideia é catapultar essa galera pro mercado de trabalho."Moramos numa sociedade extremamente transfóbica e que vê pessoas transexuais no ambiente de trabalho como problema, e não solução", pontua Daniela Andrade, 37, militante trans que há 18 anos trabalha como analista programadora na área de desenvolvimento de sistemas. "Homens trans, geralmente, se encontrarão desempregados ou subempregados, e as mulheres transexuais e travestis na prostituição."O direito ao trabalho, previsto pela Constituição Federal, não é a realidade para a população T. "Quando nos debruçamos sobre o dado de que 90% das travestis e mulheres transexuais estão se prostituindo no Brasil, percebemos que esse direito não é dado a todos.""Se um dia eu precisar ir ao dentista, vou procurar no site alguém que me atenda, que me chame pelo nome social e que não me olhe feio."- Thomas Barth, arquiteto e urbanista
Para desmantelar esse padrão, Daniela e o amigo Paulo Bevilacqua, que também é trans, criaram o Transerviços, viabilizado pela empresa na qual a analista é funcionária, a ThoughtWorks. "Levei a ideia do site sabendo que eles prezam muito pela transformação da sociedade por meio da tecnologia e o projeto foi prontamente abraçado."Há alguns anos, os mesmos criadores deram vida ao Transempregos, site cujas vagas são direcionadas à pessoas trans e travestis. Desta vez, porém, o foco é nos trabalhos autônomos.O arquiteto e urbanista paulistano Thomas Barth, 26, anunciou no site pautado por dois motivos principais: "Primeiro porque sou trans e sei das dificuldades do mercado de trabalho. E também porque sinto na pele quando não sou bem-vindo ou aceito nos lugares". Para ele, é reconfortante ter um espaço para buscar profissionais específicos. "Se um dia eu precisar ir ao dentista, vou procurar no site alguém que me atenda, que me chame pelo nome social e que não me olhe feio. Se um dia eu precisar de um cabeleireiro, a mesma coisa."Profissionais que não são travestis ou trans "mas que atenderiam essa população sem discriminações" também podem se cadastrar e ofertar seus serviços, detalha Daniela. É o caso da filósofa Lívia Noronha, 26, coordenadora e criadora do R(Existência), cursinho preparatório para o Enem voltado para pessoas trans, travestis, mulheres negras, afroreligiosos e moradores de periferia em Belém, no Pará.Depois que uma amiga apresentou o Transerviços, Lívia logo fez um anúncio falando mais sobre o curso popular gratuito que comanda. "A população trans é constantemente preterida, silenciada, invisibilizada. Plataformas assim promovem o 'acolhimento', a valorização dela", afirma. Além da preparação para o Enem, o cursinho também conta com aulas que auxiliem essas pessoas de outras maneiras. Principalmente "para os enfrentamentos de opressões como racismo, machismo, sexismo, cissexismo, LGBTfobia", informa Lívia.O Transerviços ainda dá os primeiros passos. "Alterações, correções e sugestões são bem-vindas", comenta Daniela. O site também possui um espaço para denunciar profissionais que se portarem mal. "Possibilitar que essa população tenha direito de ingressar, permanecer e ser tratada igualmente no mercado de trabalho deveria ser pauta de todas as pessoas que lutam pelos direitos humanos e por uma sociedade mais justa", finaliza.Siga a VICE Brasil no_ Facebook, Twitter e _Instagram.