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Fazer Cerveja no Oriente Médio É um Negócio Complicado

Como produzir uma bebida alcoólica em um país predominantemente muçulmano onde beber é pecado?
cerveja

Todas as fotos por Elizabeth Whitman. 

O mesmo logotipo vermelho e branco desbotado está estampado do lado de fora de quase todas as lojas de bebidas na Jordânia. Essa é a marca de uma companhia holandesa que tem produzido cerveja aqui desde 1958 e que dominou – alguns dizem monopolizou – a indústria local. Mas um recém-chegado acaba de entrar nesse mercado comandado pela Amstel, visando a remodelar radicalmente a indústria introduzindo sua cerveja artesanal.

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Entusiasmados, os jordanianos fãs da bebida exaltam o simples conceito de uma marca de cerveja artesanal interrompendo a monótona paisagem cervejeira do país. Mas o futuro da primeira microcervejaria da Jordânia, a Carakale, não está assegurado – mesmo que a marca tenha excedido todas as expectativas. Com os impostos sobre o álcool subindo, juntamente com os custos de água, gás e eletricidade, preocupações vêm se amontoando sobre o jovem fundador da Carakale, Yazan Karadsheh.

Karadsheh é simpático porém sério. Seus olhos carregam traços de cansaço e de satisfação com o trabalho, quando seus turnos podem durar entre 16 e 27 horas. “Não estou começando uma microcervejaria”, ele me disse com firmeza. “Estou começando uma indústria artesanal.”

Descrevendo-se como um apaixonado por cerveja, Karadsheh começou em Bolder, Colorado. Lá ele se formou em engenharia elétrica e foi trabalhar na Halliburton, mas esse período foi “o inferno na terra”; então ele se demitiu, aceitando um trabalho não remunerado numa loja de material para cervejarias caseiras em Bolder. Depois ele se matriculou no programa de mestres cervejeiros da UC Davis, ganhando ainda mais experiência ao trabalhar num pub especializado e numa microcervejaria no Colorado.

Foi esse último trabalho, disse Karadsheh, que lhe deu a confiança para começar a produzir em seu país natal, a Jordânia.

Construindo a Carakale

Álcool é vendido em estabelecimentos selecionados na Jordânia, onde beber ainda carrega um certo estigma. A população é 97% muçulmana; apesar de muitos jordanianos beberem, a sociedade como um todo continua bastante conservadora. Apenas cristãos podem começar negócios relacionados a álcool no país.

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Naturalmente, essas normas e restrições atrapalharam o desenvolvimento de uma cultura robusta da cerveja, do vinho ou de qualquer outra bebida alcoólica. Com a produção de cerveja aqui limitada à Amstel e a duas outras companhias jordanianas, “muitas pessoas têm fome de uma cerveja diferente”, informou Karadsheh.

Mas quando voltou à Jordânia em 2009, o governo disse a Karadsheh que ele não podia abrir uma cervejaria. Então ele começou a produzir no quintal da casa dos pais e a dar a cerveja para os amigos, que o incentivavam a tornar a produção comercial. Mas, sem uma licença, ele não podia fazer nada.

No buraco negro que é a burocracia do governo da Jordânia, a chave para conseguir qualquer coisa é wasta. O termo, que significa “intermediário”, se refere a conexões pessoais ou familiares que funcionam como uma varinha mágica. É só mencionar os nomes certos e os nós burocráticos se desembaraçam. Foi só depois que um amigo da família o ajudou a obter uma licença, depois de um ano e meio no país, que Karadsheh finalmente começou a trabalhar na cervejaria. “Ter conhecidos nos lugares certos ajuda a avançar as coisas aqui”, Karadsheh admitiu francamente. “Mas não deveria ser assim.”

A licença de produção foi só a primeira dor de cabeça de muitas. Cada instituição do governo tinha suas exigências, do Ministério da Saúde ao departamento de bombeiros, além dos governos municipais. Entre todo o trabalho com a papelada, ele conseguiu projetar uma cervejaria de grande porte e, com ajuda de um amigo, aperfeiçoar um logo baseado num gato selvagem em perigo de extinção: o caracal.

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A papelada não era a única parte suada de se tornar uma empresa legal: “Me disseram para ficar de castigo no canto da sala, porque isso era haram [pecado]”, relembra Karadshed de suas visitas aos ministérios do governo. Outras vezes, as pessoas que ele tinha empregado na construção da cervejaria iam embora no meio do projeto. Aos poucos, ele foi montando um time de confiança de cerca de dez pessoas. “Somos muito próximos”, ele me confidenciou.

A Cervejaria

Num distrito a cerca de uma hora a oeste de Amã, estalos e zumbidos enchem o ar enquanto correias transportadoras cheias de garrafas marrons correm pela câmara limpa. Elas são preenchidas com cerveja e tampadas antes de passar pela casa de pasteurização. Emergem do outro lado e alimentam a rotuladora, que chicoteia cada garrafa com um rótulo amarelo claro.

Tubos e mangueiras serpenteiam através do hangar de 370 metros quadrados, levando de torneiras até pequenas vasilhas e cubos metálicos. Em um canto, uma escada de metal leva a um enorme tonel de filtragem, onde um líquido pegajoso e doce conhecido como mosto é drenado de uma massa de malte moído, que tem de ser mergulhada como chá em água quente (a Carakale dá as sobras do processo aos fazendeiros locais como alimento para gado).

Os visitantes podem assistir a toda a produção através das janelas de vidro de um bar de degustação no segundo piso da cervejaria. Mas uma porta para o exterior leva a um lugar completamente diferente: um amplo deck com vista para colinas secas mas arrebatadoras, pontuadas com manchas ocasionais de verde. Arbustos esparsos e fileiras de árvores pequenas e escuras temperam as encostas de um vale que desce até o Mar Morto.

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A Carakale produz atualmente cerca de 40 mil garrafas por mês. A empresa não vai lucrar enquanto não vender mais 10 mil pelo menos, mas a produção já está crescendo. Em janeiro, a cervejaria estava produzindo 12 mil unidades/mês de sua blond ale, que Karadsheh considera uma introdução apropriada ao mundo da cerveja artesanal, com “notas torradas, notas doces e um leve amargor”. Desde então uma stout e uma whiskey ale edição especial, que ele pretende produzir apenas uma vez ao ano (apesar de isso poder mudar devido à demanda popular), completam a lista da Carakale. Uma pale ale inglesa e uma IPA estão nos planos para a próxima temporada.

Atrás da máquina de engarrafar, um abrigo contém versões em miniatura de todos os equipamentos da cervejaria: cubas e recipientes de quando Karadsheh produzia cerveja em casa. Agora, os protótipos são utilizados para pesquisa e desenvolvimento, mas também lembram os visitantes e empregados do começo humilde da Carakale.

Exportação

“No momento, estou pensando em como fazer isso florescer, então exportar é minha próxima tática”, me explicou. Quando a empresa entrou no mercado, em novembro de 2013, o governo tributou o álcool a mais de US$ 11 o galão. O valor quase dobrou desde então: foi para US$ 20 o galão, segundo Karadsheh. Os preços da energia e da água também estão subindo. Todos esses aumentos são absorvidos pelo custo da cerveja, e, como resultado, o mercado cervejeiro está encolhendo.

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“É extremamente difícil ser uma empresa nova no país hoje”, lamentou. Apesar de ter alcançado seu objetivo de criar uma indústria artesanal na Jordânia, ele está ansioso para que a microcervejaria dê lucro. Seu pai “gastou muito dinheiro fazendo o sonho do filho se materializar”, ele me explicou. “Tenho muita sorte.” Mas ele quer que sua cervejaria se torne sustentável. “É meio como um bebê engatinhando no chão. Sinto que já devíamos estar de pé agora.”

“Posso esperar até que o país acorde e comece a absorver cerveja até um ponto em que isso seja saudável para o mercado e [a microcervejaria] crescerem”, ele diz. “Ou posso começar a exportar e chegar a esse ponto semana que vem, ou em algumas semanas.” Por enquanto, ele visa compradores dos Emirados Árabes até a China para “acelerar” o progresso da Carakale.

Pelo Amor da Cerveja

Fazer uma boa cerveja exige treinamento rigoroso em áreas-chaves. “Você tem que ser um cozinheiro, um cientista e um artista”, relatou. “E você precisa ser um engenheiro.” Os anos trabalhando em lojas de materiais para cervejarias e em microcervejarias, produzindo na cozinha de casa e estudando para se formar em engenharia e como mestre cervejeiro, foram “perfeitos para o que preciso fazer aqui”. Mesmo antes da Carakale, as habilidades de Karadsheh já tinham sido provadas quando a Upslope Dunkelweizen, baseada numa receita que ele desenvolveu, levou a medalha de bronze no Great American Beer Festival em 2009.

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Mas outra coisa (mais fugaz que prêmios e até o próprio produto) também o atraiu para a produção de cerveja.

“Fazer cerveja é o único momento em que não me importo com o que está acontecendo politicamente”, destacou Karadsheh. “Vou para outra zona. Mesmo nos dias ruins, quando tudo é caótico e estressante, é relaxante produzir cerveja.”

“Pessoas fazem ioga para meditar.” A frase soa como uma piada, mas ele está totalmente sério. “Eu faço cerveja.”

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Tradução: Marina Schnoor