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Conversamos com os Jogadores da Copa dos Refugiados

Tomamos um puta sol na cabeça, dançamos música africana, falamos sobre as canções do rei Roberto Carlos e vimos a Nigéria ser campeã.

Quem está com uma fita laranja amarrada no braço não pode ser fotografado ou filmado. Esse é o primeiro aviso dado à imprensa recém-chegada ao campo de terra batida da Comunidade Esportiva Novo Glicério para acompanhar a Copa dos Refugiados. Lá, perseguidos políticos e religiosos de várias partes do mundo se reuniram para jogar bola no sábado (2) e no domingo.

No segundo dia da verdadeira Copa das copas o sol está a pino e é difícil detectar qualquer ser humano que não carregue umas padecidas gotas de suor na testa.

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Vejo o goleiro do Mali pegando um pênalti no último minuto do jogo que classifica o time para a semifinal. Ele sai do campo ovacionado e merecidamente carregado.

Com a vitória maliense, uma música africana começa a tocar e jogadores, mulheres e organizadores dançam juntos. Observo as técnicas do requebrado: cada membro do corpo tem uma função. Rolam uns movimentos específicos de cabeça, ombros e bunda. Assim como um bêbado facilmente se entrega às bebidas, me entrego a esse ritmo convidativo e, de repente, estou dançando sensualmente (não mesmo) em vez de fazer o meu trabalho.

A Copa foi organizada pelos próprios imigrantes, que contaram com a ajuda da Cáritas SP, ligada à Igreja Católica, e do Acnur, a agência da ONU para refugiados. "O positivo desse evento é a colaboração entre os refugiados. As pessoas esquecem dos problemas, da guerra política", diz Romeo G. "Lobizomen", angolano que mora no Brasil há dois anos. Além de ser um dos organizadores, ele é rapper e compôs o "Hino da Copa" junto com o amigo Uchen Henry.

Será que alguém consegue acompanhar o noticiário, sacar o que tem acontecido no mundo e ainda assim não se emocionar minimamente com o que esses caras estão cantando aí em cima?

Munido de um microfone e com um português ainda embrionário, Romeo narra os jogos de cima de uma pia que fica perto da quadra. Sem saber o nome dos jogadores, improvisa: "E o camisa 8 da Nigéria toca para o camisa 6." Acumulando funções, é ele ainda quem prepara a música para o time vencedor da partida. A Síria ganhou? Romeo dá o play num som árabe. E assim vai.

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O colombianos Deimer Bonilla e Freddy Silva representaram seu país no primeiro dia de competição. Moram no Brasil há um ano e meio e trabalham com manutenção e auto-elétrica, respectivamente. Na partida, tomaram dois gols do Mali e foram eliminados logo de cara. Não sei bem como, começamos a falar sobre as músicas do rei Roberto Carlos. Conto que vi um show do homem e me acabei em prantos. Eles dão risada. Freddy curte "Detalhes" e "Cama e Mesa". Eu curto "O Portão" e "As Curvas da Estrada de Santos". Falando nisso, diferente da maioria dos refugiados com quem conversei, que são corintianos, os dois torcem pro Santos Futebol Clube. "Gostava da época do Diego, do Elano. É um time que abre portas pra jogadores colombianos, como o Wason Rentería, o Henao. O futebol do Santos é criativo", diz Deimer. Pergunto sobre a vida na Colômbia, ele se esforça no português e abre o coração: "Cada pessoa tem seu próprio argumento pra falar sobre como viveu. A vida na Colômbia é a melhor vida porque estou sempre junto com a minha família, minha filha. Viver lá é melhor. Mas hay que tener siempre fé, siempre seguir lutando. É muito forte. Todo dia você vai ter saudade. E é foda. É muito forte". Fecho meu bloquinho, encerro a entrevista e vou ali tentar encontrar o chão de volta.

"Não gostamos muito de futebol, mas nos reunimos e combinamos que a Copa dos Refugiados, precisávamos jogar", me falou Saifullah Al Mamun (de camisa listrada), uma espécie de "porta-voz" da seleção de Bangladesh.

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Caso algum jogador se machucasse ou sentisse mal, uma ambulância da Cruz Vermelha com voluntários que falavam inglês, espanhol, árabe e francês ficou a postos o tempo todo. Mas segundo Fábio Leança, coordenador, ninguém se machucou gravemente. Só uma torção havia sido registrada. No máximo, raladinhas nas pernas e nos braços.

"Bom dia, meu bebê. Te amo, meu bebê." Esse pegajoso refrão da nossa atual música sertaneja é um dos preferidos dos meninos da seleção de Guiné Conacri, que estavam sentados no chão esperando pra jogar.

Quando perguntei se havia algum craque ali, me disseram pra procurar o camisa 8 de Camarões. Fui em busca. Aloys Wouyak (à direita) diz que gosta muito do futebol brasileiro e quer jogar profissionalmente.

Aloys é tão craque, mas tão craque, que quando eu perguntei quantos gols ele tinha feito na Copa, a resposta foi "nem sei". Ri alto.

Antes do jogo final rolou um macarrão de almoço pros atletas. O cheiro estava enlouquecedoramente bom. Por vergonha, não provei e acabei comendo um macarrão feito três dias atrás num boteco lá perto. Por respeito ao estômago de vocês, achei por bem não postar nenhuma foto.

Embora rolasse a disputa, ninguém ali parecia extremamente preocupado com desempenho ou saldo de gols. A grande graça era ver algo organizado pelos próprios refugiados acontecer. Outra coisa maravilhosa era ver a seleção de Camarões se aquecendo com uma dancinha:

Nigéria e Camarões disputaram o título. Empatados nos 3x3, os times foram pros pênaltis. A seleção nigeriana fez dois gols contra um de Camarões. No final, vitória da Nigéria, que levantou a taça de grande campeã da Copa dos Refugiados.

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