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VICE Sports

Um dia com a molecada futeboleira do Glicério

Encontramos os pequenos jogadores da Comunidade Esportiva Novo Glicério e falamos sobre futebol, sonhos, seleção brasileira, demos uma zuada e, claro, fizemos umas fotos daora. Porque só tem uma coisa mais legal do que bola no pé: bola na rede.

Sem sacar direito as regras do futebol ou a posição dos jogadores dentro do campo, Tia Eva, como gosta de ser chamada, ergueu com esforço e amor a Comunidade Esportiva Novo Glicério, no centro de São Paulo. Lá, a molecada da região ganha uniforme, treinamento e, claro, um campo de terra batida para fazer o que mais gosta na vida: jogar futebol.

Eva conta sua história: saiu muito nova do interior de SP para trabalhar como empregada doméstica numa casa de família da capital. Dois anos depois, impedida de ver a rua e voltar para sua cidade, foi espancada por sua tutora e fugiu. Sem ter para onde ir, conheceu as ruas. Nos anos 1980, tentando se reerguer, começou a morar no Glicério. Foi quando se deparou com a criançada caindo nas drogas, sem estrutura familiar, sem querer ir para a escola. E viu que com eles o papo era um só: futebol. Teve uma ideia. Brilhante, aliás. Criar uma escola. De futebol, claro.

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A escolinha, hoje, é mantida pela Secretaria Municipal do Esporte.

E, para jogar lá, todo mundo tem que estar em dia no colégio. Então não tem essa de deixar de estudar.

Mesmo os mais n0vinhos são cheios de personalidade.

Falamos de futebol, sonhos e seleção brasileira; demos uma zuada e, claro, fizemos umas fotos daora.

Esse é o Douglas. Fui cruel a ponto de fazê-lo parar de comer um exótico sanduíche de presunto e queijo num pão de hot dog para dar entrevista. Depois a imprensa não sabe por que jogador de futebol odeia falar com jornalista. Ele tem quase o mesmo número de idade e irmãos: são 10 consanguíneos e oito anos bem vividos. Sabe por que ele curte pesadamente um futebas? "Porque é muito legal." Fazendo a matemática da vida, acredito que você deva ter o triplo da idade dele e nunca conseguiu resumir tão bem o que sente por esse jogo, que conhecemos tão pouco e admiramos pacas. Nem eu, na real. Para ele, o melhor jogador do mundo é o Cristiano Ronaldo. Pergunto se o Cris Rô é também o jogador mais vaidoso e o Douglas manda uma risadinha do tipo "que repórter mala, alguém me salva".

"Primeiramente, boa tarde." É assim, como um bom profissional treinado para as câmeras, que esse pequeno corinthiano chamado Ryan, de 10 anos, me recepciona. Falamos sobre o futuro e ele diz que jogar num time de base já estaria de bom tamanho. Mas pergunto qual seria o time dos sonhos. Ele diz que pode ser o Barcelona, ou o Real Madrid, talvez o PSG, quiçá o Bayern de Munique. E, se der, claro, na seleção brasileira – que está mesmo precisando de uns craques.

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João Victor, 10, é goleiro e foi apelidado de "Percival" pela galera porque curte imitar o Marcelo Rezende, aquele cara maluco das notícias policiais. Pedimos uma demonstração e, claro, gravamos em vídeo pra vocês:

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Se o futebol não der certo, ganhamos um jornas.

Pedro tem 16 anos e é o prodígio da escola. Desde os sete anos jogando lá, ele atua como meia e acha daora ter um espaço pra molecada bater bola no bairro. "Ao invés de fazer coisa errada na rua, temos um lazer." Pergunto sobre o desempenho da seleção na Copa e ele diz que o Felipão errou ao colocar muito menino novo para jogar. "Faltaram uns craques." Assim que Pedro termina a frase, os outros garotos começam a jogar os nomes de quem sentiram falta em campo: Kaká, Robinho. Eram tantos que minha agilidade para anotar foi vencida.

O dia está frio, mas faz um sol bonito. Enquanto os meninos jogam, converso com o professor Anderson Rocha, que há 12 anos se dedica integralmente aos moleques do Glicério. "Alguns aqui me chamam de pai. Muitos nem conhecem o pai biológico. Prefiro ensinar valores do que futebol, porque isso sim eles levam para a vida toda. Futebol dá pra aprender em qualquer lugar", conta.

Pergunto se o resultado da Copa deixou a rapaziada desmotivada, mas parece que o baque foi maior para o próprio professor. "Eu mesmo chorei dois dias seguidos, mas os meninos gostam de futebol arte. Eles são muito antenados. Acompanham o campeonato europeu."

Sem desgrudar os olhos do jogo e a boca do apito enquanto conversamos, Anderson diz que muitos dos garotos têm uma família desestruturada. "Tem menino que tem pai alcoólatra. Vem pra cá, joga bola, chega em casa e faz janta, cuida dos irmãos." Formado em educação física, o técnico do Glicério agora faz pós-graduação em psicologia do esporte. "Quero entender melhor os meus alunos."

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