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Entretenimento

Filmes: Obediência

Entre a manipulação e a passividade.

Craig Zobel

Numa noite de sexta-feira de 2004 aconteceu um caso surreal numa cadeia de fast-food do Kentucky, que denunciou dezenas de casos semelhantes a este, ocorridos durante os anos 90, noutros estados dos EUA. Uma funcionária de 19 anos foi acusada de roubar uma cliente e a "investigação" ocorreu por via telefónica, dentro do próprio estabelecimento, conduzida por um alegado agente da polícia. Não fosse suficientemente bizarro este procedimento, mais bizarra foi a proporção que tomou, culminando num abuso sexual. Tão descabido que dava um filme… e deu mesmo.

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Em

Obediência

há telefones, nudez, palmadas e parafilias. Podia haver algemas, se existissem polícias, mas de pornográfico só tem a moral e de violenta só a submissão. Craig Zobel retrata a obediência cega e acéfala aos imperativos da autoridade, sem que esta última precise de se justificar.

Fiel ao caso real que reconstitui, a história acontece a uma sexta-feira de grande afluência no ChickenWich, um restaurante de fast food, num dia em que a falta do stock de pickles e bacon nunca custaram tão caro. Este prejuízo aliado à ausência de um dos funcionários, deixa Sandra (Ann Dowd), a gerente, em estado de alvoroço. Para juntar ao menú, recebe uma chamada do agente Daniels, a quem foi feita uma queixa de roubo contra Becky (Dreama Walker), uma das empregadas.

No início é fácil desconfiar-se da miúda. É perfeitamente expectável acreditar-se que com 19 anos e cara de insolente, a fritar hambúrgueres numa cidade pequena, e com um discurso de ilibação fraco em argumentos, a jovem tivesse aprontado alguma. Mas a suspeita termina no momento em que do outro lado da linha, o presumível polícia pede que a gerente seja os seus

eyes on the ground

 e reviste a mala, a roupa e o corpo de Becky, na arrecadação do restaurante. E que colegas, do sexo masculino, a vigiem enquanto permanece nua, enquanto esperam indicações do processo de detenção, e a possível chegada dos agentes ao local. Isto não seria imediatamente questionável? Seria. Mas são essas as regras do totalitarismo e da opressão.

Obediência

 faz crescer em nós uma revolta tão fervilhante como o óleo das batatas na frigideira daquele ChickenWich. E esta inquietação surge da complacência apática perante o discurso de ordem, e da ausência de cepticismo em relação às regras absurdas de perversão que a voz dita, despindo a honra de quem lhe obedece e violando a privacidade de quem vitima. Outras questões se levantam: será pior quem faz ou quem manda fazer? Até que ponto não estará camuflado no medo de contrariar, o desejo mórbido do poder e da superioridade? É neste limite, entre a manipulação e a passividade, que está a obediência.