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Entretenimento

Melvin Van Peebles

Fora o fato de ter um dos nomes mais legais que já ouvi, Melvin Van Peebles tem se arriscado, com sucesso, em praticamente todo tipo de trabalho artístico que consigo imaginar. Ele é romancista, jornalista, pintor, cineasta, dramaturgo, ator, músico...

Fora o fato de ter um dos nomes mais legais que já ouvi, Melvin Van Peebles tem se arriscado, com sucesso, em praticamente todo tipo de trabalho artístico que consigo imaginar. Ele é romancista, jornalista, pintor, cineasta, dramaturgo, ator, músico… Foi até corretor em Wall Street. É um cara intimidador, tanto para escrever sobre quanto para encontrar, porque qualquer que seja seu objetivo de vida, Van Peebles provavelmente já chegou lá e fez melhor do que você poderia ter feito. Na real é quase que um troço irritante.

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Ele é o pai dos filmes blaxploitation e, de verdade, dos filmes independentes de um modo geral. Sweet Sweetback’s Baadasssss Song, de 1971, não só abriu as comportas para o cinema negro, mas quebrou todos os recordes de arrecadação de filmes independentes registrados até aquela época. Sweetback fez o Sistema se borrar de medo. A atitude “vá se danar, branquelo” do filme fez com que ele se tornasse um item obrigatório entre os todos os membros do Panteras Negras.

Nos encontramos com Van Peebles no último sábado, em seu apartamento. Depois de passar pelo porteiro chiquérrimo e pegar o elevador para o nono andar, batemos à sua porta e recebemos o velho e bom “Não falo inglês” em espanhol de sotaque impecável. Van Peebles abriu a porta rindo que nem louco e nos pôs pra dentro.

O lugar parecia um museu esquisito pra cacete. Ele mantém todos os seus arquivos em um cachorro-quente gigante completo de fibra de vidro, com mostarda e molho, feito por ele mesmo. Levantado o topo do pão apareceram fileiras e fileiras de envelopes pardos que não pareciam lá muito importantes. Elas provavelmente teriam parecido muito importantes, não estivessem guardadas em um frankfurter hercúleo. No meio do quarto havia uma clarabóia transformada em mesa, completa, com titica de pássaro falsa no topo e teias de aranhas. Ao lado, do lado oposto, estava a bunda de uma Kombi embutida na parede com o que parecia ser nada mais que um calafete azul. Ele acionou um interruptor debaixo do porta-malas e uma quantidade irritante de fumaça saiu do escapamento. Pinturas, ilustrações e esculturas, tudo feito por Van Peebles, estavam nas paredes, espalhados aleatoriamente pelo apartamento. Alguns desses trabalhos de arte tinham cordas de veludo as protegendo, e todas eram batizadas com nomes dolorosamente inteligentes. O hot dog, por exemplo, se chamava “Jesus (versão século 21) trabalhando sua ‘Mágica dos Peixes & dos Pães’ na Multidão”.

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De qualquer jeito, depois que terminamos de nos embasbacar com todas as porcarias incríveis que enchiam seu apartamento, sentamos para um papinho sobre sua vida e seus primeiros trabalhos.

Vice: Olá Sr. Van Peebles. Será que a gente pode começar do começo? De onde você é?
MVP: Comecei trabalhando com meu pai. Sou da ultra-perifa, quer dizer, da zona sul de Chicago – não erre isso. Meu pai tinha uma alfaiataria, e comecei a geri-la com dez anos de idade. Cuidava do dinheiro e de todas as outras coisas. Costumava ficar em cima de engradados de Coca-Cola de madeira pra conseguir ficar alto o suficiente pra mexer na caixa registradora. Então era isso que fazia todo dia depois da escola e onde comecei a entender de negócios. Não percebi naquela época, mas não tive muito uma infância porque sempre estava tocando a loja.

Você terminou a escola, certo?
Sim. Frequentei um colegial de brancos na cidade e uma escola primária nos subúrbios, então na verdade vivi duas vidas. Todo dia depois da escola eu pegava um trem pra ir trabalhar. Todos os dias, nos sábados e domingos, eu trabalhava, e falava duas linguagens. Sabe, num lugar falava sobre núcleos higroscópicos e, em outro, o “Aê seu cuzão, você não me pagou.”

Nunca fui a um baile de formatura, nem nunca vi um jogo de basquete ou baseball. Trabalhava todo dia. Mas não me importava porque aprendi como negociar e fazer as coisas rolarem. Acabei o primário aos 10 anos, mas eles me seguraram por mais dois anos. Então acabei o colegial quando tinha 16 e a faculdade com 20. Tinha uma bolsa de artes, mas precisava de dinheiro extra. Alguém me falou de umas aulas que você ganhava por frequentar – chamava ROTC (Corpo de Formação de Oficiais da Reserva). Não fazia ideia de que porra era… Mas com certeza acabei descobrindo, haha!

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Então foi assim que você se envolveu no meio militar?
É. Duas semanas depois, saí da faculdade – achei que fosse juntar dinheiro, ir pra Europa… Porra nenhuma! Eu estava na Força Aérea. Voei por três anos como navegador de um granadeiro semi-secreto que tínhamos. Voava por aí com uma porra de uma bomba atômica! Foi por volta da época da primeira onda de soldados afro-americanos, e lembro de uma vez que estávamos sobrevoando o Havaí e o piloto contou que só tinham três pessoas no avião porque não sabiam como pressurizar as cabines muito bem. Então eram três caras fazendo o trabalho de oito. Eu era o navegador, operador de rádio, e bombardeiro, e o co-piloto era assistente meu e do piloto. Enfim, o piloto diz: “Estamos tendo problema com o motor número um,” então eles derrubam o motor número um e desligam o número dois. Depois ele fala: “Acho que estamos tendo problema com o número três. Talvez a gente sobreviva,” e ouço essa voz negra dizendo: “Deus, só me deixa chegar aos 23, por favor.” Quem tava falando aquilo? Era eu. Dizem que não existe nenhum ateu nas trincheiras, mas tampouco existem ateus num avião em chamas. Bom, de algum jeito o avião se recuperou e, eventualmente, tive baixa.

E aí você se mudou pra São Francisco?
Bom, assim que saí fui pra fronteira mais próxima, que era a do México. Mario, meu filho mais velho, nasceu quando eu vivia lá, e quando resolvi voltar para os ‘States’ as coisas tinham acalmado um pouco, e a melhor cidade que tinha visto até então era São Francisco.

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Consegui um trabalho nos bondes, como cara que cuida dos cabos. A maioria dos caras que trabalhavam comigo era muito maior que eu, e eu tinha umas mãos bem magras. Tinha que usar dois pares de luva pra proteger as mãos.

Qual a história por trás do livro The Big Heart?
Eu percebi um dia que poderia escrever um artigo sobre meu trabalho nos bondes. Aí percebi que o artigo poderia crescer para um livro, e disse para minha esposa: “Vou fazer esse livro.” E ela: “Tá, tá bom.” Muito encorajador. Então fiz o livro e vendi com fotos.

E esse livro foi uma porta de entrada para a sua carreira cinematográfica.
É. Um cara uma vez subiu no meu bonde procurando pelo Melvin Van Peebles. Alguém de dentro apontou pra mim, e o cara falou: “Não, não, o cara que escreveu o livro.” E o homem que me conhecia disse de novo: “É ele.” Aí o cara veio e começou a falar, todo entusiasmado, que meu livro era como um filme. “Caraca, vou entrar no cinema”, pensei. Então foi assim que comecei a fazer filmes.

Simples assim?
É. Liguei para um cara que sabia que conhecia alguma coisa sobre cinema e contei que tinha uma câmera, e que iria fazer um filme. Ele diz: “Você vai fazer isso em 16 ou 35?” Falei: “Quê isso?” Aí ele falou: “16 ou 35 milímetros.” Disse: “Oh, o que é isso?” – não sabia mesmo. Mas perseverei, e depois de ter a primeira parte do filme feita, mostrei a ele, e ele me disse: “Ainda não é um filme. Ainda não editamos.” Aí falei: “O que é isso?” Ele me mostrou como juntar dois pedaços de um filme, e essa foi minha escola de cinema. Ensinei o resto a mim mesmo.

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Você mesmo fez muitas das músicas para seus filmes também.
Bom, o que aconteceu foi que o cara que deveria fazer a música ficava falando: “Cara, eu vou fazer a música pra você,” mas nunca dava as caras. Então escrevi a música eu mesmo. Não sabia ler ou escrever música, mas podia contar, então numerei todas as teclas do piano. É assim que escrevo música até hoje… Apenas anoto os números correspondentes às teclas. É assim que eu faço. E funciona, merda!

Faz sentido pra mim.
Enfim, eu tinha feito esses curtas. Achei que fossem ser longas, mas meu primeiro longa tinha dez minutos de duração. Mais ou menos nessa época, fui demitido do bonde porque o cara não achava que negros devessem ler, muito menos escrever, então me demitiram. Fazia um ótimo trabalho, nunca tinha me atrasado. Mas me demitiram.

Então fui pra Hollywood com meus filmes e me bateram a porta na cara. Decidi voltar à minha segunda paixão, a Matemática. Tinha uma bolsa por ter sido soldado, então escrevi pros holandeses e disse que iria mais cedo buscar meu PhD. Contei-lhes que só precisava dar uma garibada no idioma. Implícito, quando se diz que vai “dar uma garibada”, está que você fala a língua, e eu não sabia uma palavra.

Pra ir à Holanda, tinha que pegar um barco de Nova York, e havia um cara em Nova York naquela época que levou filmes de vanguarda e mostrou-os em auditórios e ginásios. A maioria daqueles filmes consistia em pequenos pontos e merdas desse tipo, mas eu queria contar histórias. Ele acabou comprando um dos meus filmes. Eu não pensava em nada disso naqueles dias, mas uma vez, já na Holanda, recebi uma carta da Cinemateca Francesa dizendo que haviam visto meus filmes e achado geniais. Bom, finalmente alguém me entendeu. Convidaram-me para ir pra lá, então peguei carona até a França.

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Os franceses gostaram dos seus primeiros trabalhos?
Os franceses me amaram. Eles foram muito legais, exibiram meus filmes, e todos disseram o quão genial eu era. Depois da primeira exibição, porém, as luzes da Champs Elysees se acenderam e as pessoas na frente do museu me disseram que o filme era ótimo, e que eu deveria trabalhar com cinema. E depois entraram nos seus carros e foram embora.

Simplesmente te abandonaram?
Estava lá no meio da porra da Champs Elysees, não falava nada de francês e não tinha um puto no bolso. Tinha só três latas de filme e duas bochechas molhadas, dos beijos. Que porra é essa? Então, é, eles me deixaram lá, mas já haviam feito o mais perigoso: me dado esperança. Então virei um mendigo. Mendiguei por anos. Cantava e pedia. Lembro que minhas melhores músicas eram "La Bamba" e "Take This Hammer". Eram as que agradavam a platéia.

Espera, isso foi depois de você ter mostrado os filmes e todo mundo ter dito quão bom você era. E você ainda estava mendigando nas ruas?
É. Ô se é. Não era como nos Estados Unidos. Aqui, se te convidam para alguma coisa, vão te alimentar. Dane-se, lá eles disseram: “Você é ótimo”, e depois se mandaram!

Isso é zoado.
É, mas eu superei. E, talvez por sorte, uma noite estava andando pela rua, lembro muito bem – estava no extremo sul de Paris –, e vi um jornal. Comecei a pensar no que aquela história dizia. Balela. Tinha aprendido a ler francês e não tinha percebido. Estava lá fazia tanto tempo que lia o jornal francês. E era sobre um assassinato. Então fui até o jornal e disse para eles que tinha achado aquela história sobre o assassinato pura balela. Aí o editor pediu pra eu acompanhar o caso, que me colocaria de repórter naquilo. Depois me toquei que a única razão pra ele ter me mandado acompanhar a história foi que em agosto todo mundo na França sai de férias. Tivesse sido qualquer outra época, ele teria colocado um dos seus repórteres de sempre naquilo. Então fui, segui a história e consegui um furo enorme de assassinato. Descobri uma coisa que mudou toda a investigação. E de repente sou um grande e esperto jornalista, e virei repórter policial.

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Qual foi o furo? O que você descobriu?
Foi um assassinato ocorrido em um lugar chamado Everette. Uns caras mataram alguém, e isso soava engraçado, sabe, diziam que alguém tinha pulado do metrô ou algo assim – é, claro. Então depois virei um jornalista francês e, eventualmente, me tornei um dos editores de uma revista de humor francesa. Escrevi romances durante esse tempo todo, também, e foi nessa época que eles começaram a vender. Aí descobri que existe uma lei na França que diz que um escritor francês pode ter um cartão de diretor. Dã!

O que é um cartão de diretor?
Um cartão de diretor permite que você faça filmes. É como estar no sindicato.

Mas o governo francês ainda não subsidia o cinema, certo?
Eles podem. Se você tiver um cartão de diretor, você pode pedir. Então peguei um e comecei a pedir-lhes dinheiro.

Qual era a lei? O que definia ser um escritor? Você tinha que ter certo número de romances publicados?
Não havia definição, então fui ao lugar e me articulei. Descobri que eles detestam desistir das coisas. Era como se eu estivesse pra roubar um banco. Ia e observava as pessoas. Notei que, logo depois da hora do cafezinho, todos pareciam estar de bom humor. Também vi que se é uma lei, mesmo uma estranha como essa do cartão de diretor, eles não vão querer contrariá-la. Então fui quando todos estavam de bom humor e disse: “Bom, estou aqui pelo meu cartão de diretor.” Resposta: “Cartão de diretor?”

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Ele não sabia o que era esse cartão?
Acho que não. Tive que explicar-lhe que era uma lei dizendo que um escritor francês poderia ter um cartão de diretor. Aí mostrei meus romances pra eles e disse-lhes que escrevia em francês. No começo eles não me disseram nada e, cara, esses foram os segundos mais longos da minha vida. Finalmente disseram: “Sim, claro,” e me deram o cartão.

Uau, então aí você pegou o cartão. O governo por acaso acabou ajudando você com financiamento?
Bom, eu tive que escrever um filme adulando os franceses, e aí consegui um subsídio parcial do governo. Depois consegui envolver minhas outras coisas com o resto do dinheiro, e fiz meu primeiro filme.

Aí, de novo, sorte. Estava numa festa e um negro alto, bem vestido, e com um olhar majestoso, estava lá. Alguém perguntou se eu queria conhecê-lo. Conversando, o cara era muito eloqüente e educado, ele me perguntou o que estava fazendo. Contei-lhe que era um escritor, e que estava fazendo um filme no dia seguinte. Aconteceu que ele era o curador do Festival de Cinema de São Francisco, e estava procurando por filmes, e eu fiquei tipo “Sim!” Ele perguntou se meu filme estaria pronto para o festival, e eu disse que sim. No final, acho que eu, Agnes Varda e Jacques Demy que foram convidados.

Isso antes dele ver o filme?
Ele não tinha visto o filme, não. Mas contou pra todo mundo que tinha achado esse filme ótimo, portanto ele mentiu. Então todos os meus amigos do submundo, as putas e todo o resto, todos juntamos nossa grana pra comprar uma passagem de avião pra mim. Foi assim que voltei para os Estados Unidos. Enfim, fui ao festival e ganhei o festival. Aí Hollywood enviou um avião pra mim, pra que fosse até lá. Todos os estúdios queriam falar comigo.

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O filme foi The Story of a Three Day Pass, certo?
Sim, The Story of a Three Day Pass. Todos os estúdios me ofereceram empregos. Porque Hollywood não poderia permitir que esse diretor negro americano fizesse filmes franceses. Mas recusei, porque senti que se aceitasse, nenhuma outra minoria teria chance. Eu teria virado o gênio residente. Então meus cálculos eram de que não aceitando, a chama da busca pela Grande Esperança Negra se manteria acesa.

E eu ainda não tinha nenhum dinheiro. Costumava viver num banco de parque perto de Woodward Line Theater. Lembro que a primeira vez que estive lá, tive que usar roupas largas com jornais dentro, por causa da insolação.

Parece que Three Day Pass teria sido muito controverso. Digo, é uma história de amor entre um afro-americano e uma branca. Como ele foi recebido?
Onde?

Bom, na França, acho. E aqui também.
Bom, a França amou, porque achavam que isso mostrava o quão liberal e cabeça-aberta eles eram, mas isso é men-ti-ra. Na primeira vez que fui à França, os policiais costumavam me parar toda hora, os franceses costumavam apontar armas para a minha cara como se estivesse no Mississippi ou qualquer merda. Aí viam meus documentos e diziam “Bom, você é americano. Bem-vindo à fraternidade, blá-blá-blá.”

Quando você decidiu voltar aos Estados Unidos?
Filmei na locação com The Story of a Three Day Pass, então Hollywood ficou atrás de mim, eu era a jóia da coroa. Disse a eles que voltaria e faria um filme se pudesse filmá-lo em Hollywood, porque achei que isso seria o próximo passo político, filmar em Hollywood, onde os sindicatos são fortes e isso e aquilo. Concordaram, e foi assim que fiz Watermelon Man. Watermelon Man, bem como previ, mudou tudo de novo. Aí, depois daquilo, disse OK, bom, vou jogar minha próxima carta: farei um filme que quero fazer, como quero fazer… E esse era Sweetback. É, Sweetback não foi só um grande marco para os cineastas afro-americanos, mas também para o cinema independente como um todo. É, Sweetback quebrou todos os recordes de dinheiro. Foi o maior filme independente que jamais havia sido feito. Então sou o avô de Bruxa de Blair, assim como de outros.

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É.
Mas há um preço por isso. Nunca tive um parceiro desde então. Tinha um trato de três filmes com a Columbia – e me disseram que o contrato já tinha acabado.

Por causa de Sweetback?
É.

Que bosta.
É.

Você continua na lista negra?
Sim. Veja, eu prometi dois por um. Prometi às pessoas que poderiam se sentir liberais ao me ajudarem, e, dois, que poderiam ter suas teorias brancas vindicadas pelo meu fracasso. Bom, todo mundo ficou puto quando eu não falhei. Então decidi fazer algo a mais. Porque é muito difícil controlar todos os aspectos de um filme… Fui pra Broadway. Foi assim que decidi fazer Ain’t Supposed to Die. Porque eu poderia fazer aquilo. Havia apenas um teatro, um lugar com o qual lidar. Milhões de coisas engraçadas aconteceram lá. Também costumava ser um fanfarrão, então fazia essa cara (cara de mau) e dizia: “Não foda comigo.” Haha, era engraçado! Não foda comigo. Não é bom para a sua saúde.

Imagino. Estou um pouco assustado agora.
Lembro que estava fazendo um filme no Canadá uma vez, com Mario e seu irmão, e eles disseram: “Pai, sem briga.” Pedi que acrescentassem uma emenda naquilo. “Se ninguém tentar me foder”, disse, “Vou mandá-los para você. Depois disso, se vocês não os endireitarem, serão meus.” Era assim que tinha que ser.

Você fez Sweetback sem o apoio de um estúdio. Como você fez com a distribuição?
Bom, tive que contratar um branco e dizer que ele era o chefe.

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Imagino que os donos de cinemas, principalmente os brancos, tenham ficado hesitantes em mostrar um filme como Sweetback naquela época. Onde foi exibido?
Ah é, só dois cinemas dos Estados Unidos inteiro toparam exibir. Dois. Mas foi tão bem lá que todo mundo começou a chamar. Acabou que foi exibido absolutamente em todo lugar.

Jared (assistente do Melvin Van Peebles): Eu vi em Dayton, Ohio, num drive-in. Porque naquela época os drive-ins eram o programa de fim de semana longe dos pais, e lembro que quando fomos ver Sweetback a mulher ficou muito brava, porque era tipo “Opa, tamo no banco de trás esperando” e nós “Não, não. Se liga nesse filme!”

MVP: Noite de estréia, cara. Gente por todos os lados da porra do quarteirão. Era enorme, enorme, enorme. Abriu em uma quarta-feira, em Detroit, e numa sexta, em Atlanta. Quando cheguei ao cinema em Atlanta, falei para o cara não se preocupar, que as pessoas iriam aparecer. Aí ele contou que o cinema já estava cheio. Fui ao cinema, e você podia ouvir ratos mijando no algodão. Tinham acabado de acabar com a segregação em Atlanta, então estava lotado de negros, mas sem som. Encontrei um lugar, e esse foi realmente um dos lugares mais interessantes da minha vida: havia uma senhora negra sentada do meu lado, e quando Sweetback estava lá no deserto, ela disse: “Deus, deixe-o morrer. Não deixe esses homens matarem ele.” Porque, veja, nos filmes da época, se uma minoria se destacasse, morreria antes do final do filme. Foda-se! Ninguém podia acreditar que ele ia viver e se safar.

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É, mas parece que independente da mensagem, e do fato de o personagem principal ser um afro-americano matando policiais brancos, era de esperar que o dinheiro por si só faria com que as distribuidoras comprassem seu material depois do sucesso financeiro.
Você acha. Don’t Play Us Cheap, meu segundo show da Brodway, não era pra ser um show, mas depois que terminei o filme e mandei para ser distribuído, ninguém quis fazê-lo.

The Story of a Three Day Pass obviamente trata de questões racistas também, mas de um jeito muito mais sutil. Sweetback matava policiais, e de modo geral era malvado. Houve algum motivo pra você ser mais óbvio na mensagem em Sweetback? Você estava ficando mais bravo com tudo o que estava rolando naquele período?
Bom, com The Story of a Three Day Pass, tive que pegar dinheiro de terceiros pra fazer.

Então você estava se alcovitando com os franceses?
É, foi lisonjeiro para os franceses, mas nem tanto para os americanos. Tive que mostrar o quão maravilhosa a França era.

Certo.
Se alguém vai te foder, torça pra que essa pessoa vá usar vaselina. Sabe? Pô, você tem que ser realista. Então com Sweetback, filmei minha primeira cena provocante de um jeito que os sindicatos achassem que estava filmando um filme pornô. Depois, a próxima parte eu filmei na quebrada, assim seriam relutantes na hora de aparecer e criar problemas. Aí, a terceira parte, filmei no deserto, onde ninguém fazia a menor ideia de como me achar.

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Haha. É, queria perguntar sobre a cena de abertura. Provocante é praticamente um eufemismo para uma criança carcando uma mulher crescida. Quantos anos tinha a criança?
Aquele era o Mario, meu filho. Tinha por volta dos 12 anos, acho.

Ele estava excitado por aquilo? Ou estranhando?
Ele não queria que as crianças da escola o vissem fazendo aquilo. Você conhece crianças. Disse a ele que não se preocupasse, calasse a boca e fizesse o que eu mandava. Agora, toda vez que ele consegue uma mulher ele diz: “Ei querida, vem cá ver esse filme que eu fiz.”

É, eu estaria mostrando pra todo mundo. É como se ele tivesse um filme de sexo antes de chegar à puberdade.
Oi! Claro. Mas você conhece as crianças, poxa. E hoje ele está fazendo filmes, o que é ótimo.

E tudo começou ao deitar pelado em cima de uma mulher madura em 71.
É, mas o que eu acho muito interessante é que as pessoas não conseguiam acreditar que eu usei meu próprio filho. Todo mundo é o filho de alguém. Se é tão errado, por que eu deveria fazer com a criança de outro?

Que tipo de repercussão Sweetback teve? Li em algum lugar que você recebeu ameaças de morte.
Ah, foram várias delas. É.

Você pode falar sobre algumas delas?
Bom, não tem muito que falar sobre. As pessoas não te ameaçam e depois falam: “Ah, você pode entrar em contato através desse número.” As mais perigosas que recebi foram de organizações negras, porque eles tinham decidido como a revolução ou a mudança iriam acontecer, e aqui estou eu, fazendo acontecer sem eles. Eles diziam: “Nós temos que dominar o mundo desse jeito, e temos que dominar o mundo assim.” Não, só domine o mundo, pelo amor de Deus. Isso é engraçado.

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Os Panteras Negras fizeram seu filme como pré-requisito para seus membros. Isso é bem tenso.
É isso aí. Foi ótimo. Também fez muita gente assistir meu filme.

Eles já tinham feito isso com o trabalho de alguém mais?
Não. Quem mais eles teriam exibido? Nunca fizeram antes, nunca fizeram depois.

Mas antes disso você pôs “Free Huey” na parte de trás do seu disco, Br’er Soul.
Haha, é. Acharam que queria dizer “Free? Huh, no way,”, mas significava que Huey Newton ainda estava na cadeia. Ninguém mais estava dando apoio praquele malandro.

Então não faziam ideia do que queria dizer?
Não. A menor ideia.

Otários.
E Os Panteras me perguntaram se eu precisava de apoio, e me ofereceram pra serem meus guarda-costas também, mas nunca pedi a eles que fizessem de Sweetback um filme essencial.

Você se sentiu invencível, do tipo “ninguém pode mexer comigo agora”?
Nada. Alguém pode foder comigo, mas vou tentar e trazer esse alguém pra baixo comigo. Sabe quando um animal fica mais perigoso? Quando acuado. Que porra ele tem a perder? Eu nunca tinha me atrasado para o cara do bonde me despedir depois que o livro virou um sucesso, então, do jeito que vi, se alguém me ferrasse, não teria nada a perder, então ninguém ia querer chegar a esse ponto. Você encurrala um canário e ele vai voar.

Claro.
Mas você não pode aceitar tudo. Lembro de uma vez, Sweetback estava sendo exibido em Boston, e não foi bem. Aí esse cara me ligou e disse que tinha visto o filme em Detroit quando estreou, e que queria saber por que eu tinha cortado tanta coisa para o cinema de Boston. Não sabia de que porra ele estava falando, então peguei minha arma e fui até o cinema. Fui até o cara responsável e disse: “Aí seu filho da puta, vou explodir seus miolos. Põe a porra do filme do jeito que ele é pra ser.” Ele tentou me dizer que não gostou daquela cena, mas quem perguntou pra ele de que porra ele gostava?

Que cena foi essa?
Não sei.

Você não sabe?
Havia um bocado delas, ele só estava cortando.

Ele estava cortando pelo tamanho ou porque achou que era muito arriscado?
Ele achou muito ofensivo, blá blá blá. Acho que era muito militante ou alguma merda assim, mas eu estava na beira do precipício, não tinha nada a perder.

Depois de conversar com você por um tempo, certamente parece que você faz jus ao aspecto encrenqueiro de Sweet back, mas você é muito falante. Há alguma razão para o Sweetback falar tão pouco? Por que ele tinha tão poucas falas?
Essa é uma pergunta muito interessante. Um dia eu estava passando pela delicatessen da esquina, e um grupo de caras olhou pra mim e disse: “OOOOHRRHHGGFF.” Disse, “porra,” não sabia qual era a deles, mas acabou que eles eram surdo-mudos, e gostaram do filme porque puderam entendê-lo. Ainda, as pessoas falam demais, eles dizem. “Você sabe que está invadindo meus direitos como americano?” Não filho da puta, você mexe comigo e vai aprender uma boa lição. Vou explodir sua cabeça, ponto. Falar não adianta nada, ele não precisa de uma Bíblia, precisa de um tijolo. Alguém te ferra, é o que você faz. Outra coisa que a falta de diálogo fez que eu achei interessante foi que fez com que a audiência lesse a mente dele.

É, é verdade. É muito estranho como você pode meio que saber o que ele está pensando pela expressão facial e coisas do tipo. Como quando ele está assistindo dois policiais baterem no outro cara, e aí ele parte pras coisas de macaco.
Ele não precisa falar: “Uau, você vê como eles tratam as pessoas de cor, meu Deus!” Não.

Certo.
Estava num bar outra noite, e uma garota estava olhando pra mim. Qual é, você não precisa de palavras, haha, você sabe o que eu estou pensando. Você está pensando o mesmo que eu, então vamos fazer.

Isso nunca parece funcionar comigo.
Você tem que fazer acreditando. É ótimo quando você está em algum país estrangeiro qualquer e não tem que passar por toda aquela conversa mole. É só tipo, não posso falar com você e você não pode falar comigo. Bom, você entendeu? Ótimo, vem cá gatinha, vamo botá pra quebrar.

Haha, é.
Uma vez eu estava na Dinamarca, em uma festa. Na hora em que estava saindo, conheci essa mulher que não conseguia falar inglês. Eu não falo dinamarquês, então que porra iríamos falar, tá ligado? Ou você precisaria de vinte minutos de conversa. “Ah, sim, você tem aulas de que? O que você está estudando?” Nenhum dos dois está ouvindo. Então fui pra casa com ela, vi uma foto dela com o marido e ela disse: “Ele não vai estar de volta antes das cinco horas.” OK. Era por volta das três e meia, e ela me deu um pijama pra vestir. Aí vesti os pijamas do cara e, PORRA, QUE MERDA! Eles eram gigantes! “Você se casou com o King Kong. Vá te ferrar!”

Você pode dizer muito sobre um homem pelo tamanho de pijama dele.
É, exatamente.