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cenas

Chelica, o roqueiro que traficava mas não consumia

E que está preso por ser demasiado boa onda.

Speed King, para além de ser uma boa malha dos Deep Purple, é também

o nome de uma banda mítica de Vila Real

. Claro que o grupo não voltou a dar que falar na imprensa pela história da música no interior do país, mas porque mistura rock, drogas e cadeia — a combinação perfeita para uma narrativa apetecível — é uma daquelas histórias de criminologia

à la

Hernâni Carvalho que faz as delícias dos jornais.

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Aí há coisa de duas semanas, soube que o Vítor Chelica, o baterista dos Speed King, foi detido pela PSP e posteriormente enfiado em prisão preventiva pelo juiz de instrução do tribunal de Vila Real. Já andava a ser investigado desde Dezembro (ao que parece, a quantidade de jovens que recebia em casa assustava alguns pais) e foi apanhado em flagrante delito, a cortar e a embalar haxixe para venda. Fui apanhar algumas reacções ao caso por parte de outros músicos de Vila Real que conhecem o Chelica. A primeira pessoa com quem falei foi um músico vila-realense que conhece bem o Chelica e que me pediu anonimato. Para tornar as coisas mais simples, vou chamar-lhe Artur.

O Chelica.

VICE: Olá Artur. Conheces bem os Speed King?

Artur:

Olá. Sim, conheço. Agora chamavam-se PsicoBlues, mas pelos vistos o baterista foi preso por tráfico de droga. Era mesmo isso que te queria perguntar.

O que te parece o caso?

O Vítor nunca consumiu e cuspia em quem o fazia. Era apenas um negócio: ele vendia haxixe e até já esteve preso várias vezes — sempre pela mesma razão. É uma pessoa pacífica que mantinha um negócio ilegal, nada mais do que isso.

Fiquei confusa. Se cuspia em quem consumia, como é que manteve o negócio?

Isso já não sei. Que me lembre, o Chelica sempre passou. Era a ele que se comprava quando eu tinha 16 anos. Hoje tenho 38, faz as contas [risos]! Se não fosse ilegal, era um negócio como outro qualquer. Provavelmente só foi apanhado porque o denunciaram. Ele mantinha tudo muito no segredo. Eu nem sabia que ele continuava a vender. Mas a única droga dele é o rock! Era, é e será sempre.

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O que é que tu achas das drogas leves?

Não sou contra, mas não fazem falta nenhuma aos músicos. Pelo menos a mim. Mas confesso que, em tempos, estar sobre o efeito dava outra dimensão a um concerto. Os músicos, quando estão a ver um concerto, têm uma tendência natural para tentar perceber o que cada um está a tocar/fazer no palco. Isso distrai-nos da música e do propósito de uma banda, que é fazer música em conjunto. Estamos ali a escalpelizar cada ruído quando devíamos estar atentos ao conjunto de sons que aqueles músicos fazem em conjunto. O álcool e as drogas leves ajudam nessa libertação. Mas para o músico que dá o concerto a droga é contraproducente: parece-te que estás a fazer tudo bem e na verdade isso não acontece. Eu sou amigo do Vítor e não gostei nada de saber pelo

JN

, com fotografia e tudo, que estava preso.

Mas achas que não foi justo ou estás apenas triste por se tratar de um amigo teu?

Apenas triste. Mas não acho justo usarem uma foto dele no jornal. Um crime é um crime, mas reserve-se a privacidade das pessoas.

Fala-me um bocadinho sobre os Speed King. Qual é a sua história e que importância tem para a cena musical de Vila Real?

Os Speed King foram uma das bandas míticas da

bila

. Começaram quando o Chelica voltou do Brasil e juntou cá um grupo de pessoas acabadinho de sair do psicadelismo dos finais dos anos 60. O guitarrista, o Speed, era filho do melhor guitarrista de fado da cidade. Ora, herdando algum do talento do pai, fez a diferença na música que por cá ia nascendo. Tocava muito rápido e tinha muita destreza nos solos que fazia. O Chelica costumava dizer que o Speed só não era mundialmente famoso porque tinha tido o azar de nascer em Trás-os-Montes, que se tivesse nascido nos States… A formação da banda modificou-se muito, mas teve sempre o Chelica na bateria, a liderar. Apesar de não ser fã do som que faziam, é uma pena que, mais uma vez, fiquem parados pela asneira do Vítor.

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Depois de deixar o Artur em paz e sossego, achei conveniente continuar a escavar, mas não foi fácil arranjar pessoas que estivessem dispostas a falar sobre o caso. O João, chamemos-lhe assim, outro músico de Vila Real, foi uma das excepções.

VICE: Olá João. Conheces o Vítor Chelica dos Speed King?

João:

Conheço, sim.

Não sei se sabes, mas foi preso. Podes-me dar a tua opinião sobre o caso?

Isso já foi há uns valentes anos. Conheço-o porque é bastante conhecido aqui em Vila Real. Não tenho, contudo, uma relação pessoal com ele nem o conhecia nessa altura. Só de ouvir falar, mesmo.

Pois, ele foi preso outra vez. Na quarta-feira de há duas semanas.

Ah, não sabia.

O que achas de fumar um charrito?

Não acho que seja preciso. Será que algum artista precisa de drogas para ter inspiração? Não que eu me considere um artista, mas será que um pintor precisa, ou até mesmo um escritor? Mas claro que as drogas sempre estiveram ligadas ao mundo da música, toda a gente tem essa noção. Se é preciso? Claro que não… Estás a fazer uma reportagem sobre o Chelica?

Mais ou menos, sim. Como estudei em Vila Real ando a falar com alguns músicos para saber o que acham do caso. Disseram-me que o Chelica não consumia. Sabes se é verdade?

Por acaso não sei se ele consome. Não o conheço bem, mas sei quem o conhece.

Quem?

Fazemos assim. Falo com ele e, se concordar, passo-te o contacto.

O contacto chegou-me no dia seguinte, ao final da tarde e por mensagem. À noite tive uma pequena conversa com essa pessoa, via chat. Conversa essa que acabou abruptamente porque a minha fonte, o António (façam de conta), estava sem dinheiro na pen da net. Mas valeu a pena.

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VICE: Olá, tudo bem? Podemos conversar agora?

António:

Sim. Preferia manter o anonimato, mas adorava falar contigo sobre o Vítor.

Ok. Deves ter visto a notícia no JN. Disseram-me que ele não consumia, é verdade?

Sim, ele não consumia. É ridículo divulgarem a fotografia dele.

Não és o primeiro que me diz isso. Ele já tinha sido apanhado no passado, porquê continuar com o negócio?

Há meio ano foi presa outra pessoa bastante conhecida na cidade. Tinha sete quilos, muito mais do que o Chelica, e não saiu em jornal nenhum. Foi apanhado uma vez e cumpriu pena. Acho que foi populismo e um mau trabalho jornalístico, nem o nome do Vítor escrevem correctamente. Ele há uns anos fazia entrega de encomendas nas lojas de Vila Real, mas agora não tem emprego — é complicado na idade dele, embora não sirva de desculpa. Só posso dizer que era uma pessoa muito querida por todos.

Confirma-me só uma coisa: na notícia do jornal disseram que ele recebia imensos jovens em casa e que foi isso que chamou a atenção de alguns pais.

Sim, provavelmente. Mas digo-te: nem todos iam para comprar. Ele tocava com muitos músicos jovens, sempre se disponibilizou para arranjar concertos para o pessoal, para emprestar material.

Estás a dizer que ele ajudava os músicos mais jovens?

Sim. E digo-te isto não é por ser amigo dele, toda a gente te pode confirmar.

Achas que ele foi denunciado por alguém?

Sim, claro. Há sempre gente disposta a estragar a vida dos outros para lucrar mais.

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Qual é a tua opinião sobre as drogas leves?

Para mim é: máxima liberdade, máxima responsabilidade. O mercado devia ser livre e controlado. Não nos podemos esquecer que o

dealer

de haxixe é normalmente

dealer

de drogas pesadas, o que é perigoso para um miúdo que só quer fumar um e pronto. Não era o caso do Vítor.

Foi neste ponto que a net pen ficou sem saldo. Sabotaram-me a entrevista. Quer uma pessoa trabalhar e não pode.