Meditação em tempos de baixa autoestima

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Saúde

Meditação em tempos de baixa autoestima

Não pratico meditação para me tornar mais iluminada, sagrada, ou “pura” do que os outros. Faço isso para massagear certas qualidades do meu ser.

Esta matéria foi originalmente publicada na [VICE US](http://Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US. FOTO 1 Ilustrações por Joel Benjamin. Uma das maneiras que consigo algum alívio na vida é através de meditação matinal. Não pratico meditação para me tornar mais iluminada, sagrada, ou ).

Ilustrações por Joel Benjamin .

Uma das maneiras que consigo algum alívio na vida é através de meditação matinal. Não pratico meditação para me tornar mais iluminada, sagrada, ou "pura" do que os outros. Faço isso para massagear certas qualidades do meu ser que dificultam minha vida na Terra — qualidades como um desconforto em viver num corpo, um terror tanto da morte como da existência, e um desejo de suavizar a dor usando coisas que na verdade vão me destruir.

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Às vezes acho que minha meditação matinal é só uma meditação sobre como me odeio. Geralmente eu levava uns dez minutos sentada pensando merda até finalmente sair da minha cabeça, para então poder experimentar um pouco de paz. No passado, eu ficava meditando um pouco mais para desfrutar daquele lugar tranquilo recém-cavado na minha mente. Mas no último ano, quando meu despertador toca depois de dez minutos, eu simplesmente penso "Vazei, putos". É como se a prática tivesse virado um dever: algo que tenho que riscar da lista de coisas para me sentir OK.

Não quero dizer que o objetivo da meditação é necessariamente ter uma experiência prazerosa, ou mesmo que existe um objetivo. No estilo de meditação que pratico (que não é bem um estilo, mas sentar no chão de olhos fechados e respirar) não há um objetivo. Mas sinto falta da serenidade que isso me dava no passado.

Cada afirmação positiva que devo fazer só me faz sentir mais inteiramente as deficiências da minha própria autoestima.

Recentemente, num esforço para revigorar minha prática, estou fazendo meditação guiada, com afirmações positivas e tudo mais, como uma porcaria de hippie. De certa maneira essas meditações guiadas são mais fáceis, porque oferecem uma distração para minha mente. De outra é muito mais difícil, porque cada afirmação positiva que devo fazer só me faz sentir mais inteiramente as deficiências da minha própria autoestima.

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No intuito de fazer uma autoinvestigação, decidi registrar alguns pensamentos que passam pela minha cabeça em resposta a essas afirmações positivas. Espero que isso me ajude a limpar as coisas ruins que estão ali e voltar para meu lugar de paz.

Afirmação: Sou grata por toda lição que já aprendi e por aquelas que ainda vou aprender.

Resposta: Não muito. Acho que já aprendi lições demais e pensar que tenho que aprender mais me angustia. Estou cansada. Não me faça crescer mais, por favor. Se eu não aprender mais nenhuma lição, por mim tudo bem.

Afirmação: Me trato com amor e bondade, porque sou um ser maravilhoso que merece o melhor e merece ser feliz.

Resposta: Quem diz que merece ser feliz? Sou só outro consumidor ocidental (que muitas vezes tem preguiça de separar os recicláveis). Eu podia reclamar da política no Facebook, me chamar de ativista, mas meus impostos ainda vão pra drones, bombas e mísseis. Se eu realmente tivesse o que mereço, provavelmente não seria felicidade.

P.S. Buda não tinha decidido que a vida é sofrimento? Quando mudou pra felicidade?

Afirmação: Me sinto pura.

Resposta: Não.

Afirmação: Confio no processo da vida e me sinto segura.

Resposta: Acontece que na vida somos impotentes com tudo: especialmente com a morte. Então como você vai confiar nela? Eu tinha que ser muito egomaníaca para achar que a vida é segura e que vai dar tudo certo para mim. E por que vai funcionar para mim e não para as outras pessoas? A verdade é que posso morrer a qualquer momento. Qualquer momento! Então quem vai me garantir que não vou morrer agora?

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Afirmação: Sou bela.

Resposta: Sempre que penso isso acabo transando com alguém com quem tenho que fingir o orgasmo.

Afirmação: Sou perfeita como sou.

Resposta: Desculpa, mas não me sinto segura pensando assim. E se eu me aceitar demais, deixar as coisas rolarem até não poder mais voltar atrás ("atrás" para a insanidade da indústria da beleza) e aí me arrepender de ter me amado?

Afirmação: Meu corpo sempre sabe o que é melhor para mim, então tenho que ouvir meu corpo sempre.

Resposta: Se eu ouvisse o que me corpo acha que é melhor para mim, eu estaria usando heroína atrás de um fast food chinês agora.

Afirmação: Sou muito grata pelas coisas e eventos maravilhosos que se manifestam na minha vida.

Resposta: Fui realmente eu quem manifestou essas coisas? Ou foi mais sorte do tempo, lugar e corpo em que minha alma decidiu surfar? Parece meio escroto com quem não tem coisas e eventos maravilhosos na vida, né, dizer que merda acontece porque elas não conseguiram manifestar o suficiente. Quer dizer, manifestar coisas maravilhosas não é o que todo mundo está tentando fazer? Além disso, sinto que algumas das coisas maravilhosas da minha vida provavelmente deixam muita gente puta. Se alguém estivesse tendo um monte de coisas e eventos maravilhosos acontecendo na vida, e eu não tivesse coisas e eventos maravilhosos na minha, eu ia odiar essa pessoa.

Afirmação: Me sinto bem.

Resposta: Não.

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Afirmação: Me sinto atraída por alimentos e bebidas com altos níveis de vibração.

Resposta: Na verdade, me sinto atraída por comida com embalagem que diz quantas calorias ela tem. E também comidas como sorvete diet e adoçante, que você pode comer um monte, não engordar e depois morrer de câncer.

Afirmação: Exercito meu corpo com frequência para manter a forma perfeita.

Resposta: Exercito meu corpo com frequência porque tenho dismorfia corporal, e uma personalidade obsessiva-compulsiva que me diz que se não me exercitar um monte de minutos por semana vou inchar para um tamanho que é inaceitável para mim.

Eu sei que o propósito das afirmações não é criar uma festa de amor-próprio imediata que só certas substâncias proporcionam, mas ver exatamente onde estão as falhas da minha autoestima. Mas não sei como exatamente superar essas muitas deficiências. Talvez se eu repetir essas afirmações vezes o suficiente, eu finalmente desista e diga "Foda-se, não sou tão ruim assim". Ou talvez eu me sinta melhor comigo mesma com base no simples fato de que não sou uma idiota dizendo para as pessoas que a vida delas é maravilhosa, e que elas podem ser saudáveis e ricas, é só acreditar.

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Tradução: Marina Schnoor

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