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Um Passeio pela Cidade Romena com mais Analfabetos no Dia da Eleição

A Romênia tem o maior número de eleitores analfabetos que têm o direito de votar. São tantos que eles podem até definir os resultados de uma eleição.

Com muitos romenos no mundo todo protestando por não poder votar nas eleições presidenciais, você deve ter pensado que a situação dessa eleição no país não tinha como piorar.

Mas não: a Romênia tem a maior população de analfabetos da Europa, o que também significa o maior número de eleitores analfabetos. Mais de um quarto de milhão de romenos que não sabem ler têm o direito de votar. São tantos que eles podem até definir os resultados de uma eleição. Nas eleições presidenciais de 2009, por exemplo, a diferença entre os dois principais candidatos foi de apenas 70 mil votos.

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Dessa vez, eu queria descobrir como as pessoas que não sabem para quem estão votando escolhem entre os partidos. Então, viajei para Dobreni, que – de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas – é a cidade com o maior número de analfabetos na Romênia.

"Simplesmente voto em um cara ou no outro, seja quem for. O que eu preciso ler? Penso nisso quando chegar lá, faço a marca no sinal e pronto", disse Nicu assim que saiu da cabine de votação.

A zona eleitoral em Dobreni está lotada e as filas parecem não ter fim. Um cara começa a gritar "Diás! Pora!", porque deve achar que são duas palavras separadas.

Lá dentro, a urna parece um ponto de peregrinação religioso. As pessoas fazem o sinal da cruz antes de depositar o voto. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Um voto.

Vemos dezenas, até centenas de pessoas votarem. Muitas cédulas abrem ao cair dentro da urna, mostrando que a marca está nas três rosas, o símbolo do PSD, o partido de Victor Ponta. Então, essa é a dica para os analfabetos: eles veem as rosas e votam. Eles votam em Ponta. Ou assim pensam. Infelizmente, o destino parece estar contra os analfabetos: o partido rival, ACL, também tem rosas no logotipo.

"Coloquei meu voto na rosa!", grita Gheorghe. Gheorghe não sabe escrever e não fala muito bem. Ele também é parcialmente surdo. "Ro-sa", ele diz, olhando para os outros eleitores quando não entende o que estou perguntando. Gheorghe coloca sua identidade no nariz para me mostrar o adesivo na parte de trás, a prova de que ele votou. Depois, ele segura o documento em cima do coração, como se fosse uma condecoração militar presa ao peito.

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Esses adesivos, que a maioria dos romenos ignora, são tratados como um tesouro mágico aqui. Eles parecem ser tão valiosos que um dos eleitores locais tentou votar duas vezes, para ter mais um adesivo em sua identidade.

O nome dele é Alexandru. Tinha acabado de ser gentilmente expulso do local de votação: os funcionários lembraram que ele já tinha votado naquela manhã. Ele diz que não queria votar outra vez – só queria outro adesivo. O recebido pela manhã derreteu quando Alexandru derrubou seu documento numa poça.

Alexandru tem dificuldade para me dizer quem são os candidatos. Seu vizinho analfabeto resume bem a coisa toda: "Como vamos saber a diferença entre o sujo e o mal lavado?". Finalmente, ele consegue lembrar o nome do primeiro-ministro: "Ponta é nosso candidato!". Pergunto-lhe o nome do outro candidato.

"O outro cara!", ele exclama. Ele pula no meio da rua e para um carro a fim de perguntar ao motorista: "Ei, chefe, qual o nome do outro cara que está concorrendo contra o Ponta?".

"Iohannis", responde o motorista, chocado. "Iohannis!", repete vitorioso, sorrindo. "Qual o primeiro nome de Iohannis?", pergunto. Ele suspira.

Em Dobreni, Victor Ponta teve uma vitória esmagadora, com 70% dos votos; nenhuma chance para "quem quer que fosse aquele outro". O comparecimento também foi ótimo: 60%. Mas não se pode dizer que apenas os analfabetos votam aqui.

Titel é o encanador local; ele se considera parte da elite intelectual da cidade. "Já li um monte de livros!", ele garante.

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Titel é conhecido em Dobreni por sua inteligência; então, pergunto por que tantas pessoas comparecem para votar aqui. "Votamos, porque isso é a coisa mais moral a se fazer. Se você me disser que não foi votar, mas saiu para protestar, vou te dar um tapa no pescoço com a minha perna."

Dobreni votou em Ponta, mas vai ter que se contentar com "o outro cara". De hoje até a próxima eleição, para os eleitos e não eleitos, o sujo e o mal lavado, os 230 mil romenos analfabetos vão desaparecer.

A parte legal da democracia é que somos todos iguais diante da urna, quer você tenha nascido numa carroça ou numa biblioteca. Na Constituição Romena, que é fina como um livro de receitas e grande como um país, todos têm o direito de votar independentemente da religião, do sexo, da educação e do número do sapato. A única obrigação é ser um adulto responsável. Mas quanta responsabilidade pode ter uma pessoa que nem sabe nem quem está concorrendo?

O Comitê pelos Direitos Humanos da ONU atesta que os governos têm de tomar medidas claras para garantir que os "eleitores analfabetos tenham toda informação necessária para fazer sua escolha". Na Tunísia, por exemplo, onde 20% da população é analfabeta, eles realizam aulas gratuitas de educação cívica nas quais as pessoas ficam conhecendo os candidatos e o que é um partido de esquerda e um de direita. E os analfabetos recebem cédulas especiais com símbolos claros: uma mala, um galo ou uma berinjela.

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Toma Pătraşcu, o presidente da Associação Humanista Secular da Romênia, diz que essa educação é vital numa sociedade saudável. "Isso não é um concurso de beleza. Você não vota em alguém porque a pessoa tem barba e não vota em outra por ela ser careca. Em teoria, uma parte importante do seu voto deveria estar relacionada às políticas que o candidato propõe e apoia. Você precisa pôr isso em contexto, entender por que aquele candidato é a decisão certa."

E ele continua: "Um homem que não está acostumado a pensar por si mesmo pode facilmente acreditar em qualquer informação, e os políticos não precisam nem se esforçar para convencê-los a votar em um certo candidato. O populismo funciona bem com pessoas que não tiveram educação, que não sabem o que é um primeiro-ministro ou um presidente e o que eles fazem, e que acreditam que todas as promessas de campanha podem se tornar realidade".

Esse mecanismo funciona no reverso também: quanto menos você entende, mais fácil é te fazer aceitar uma visão política. "Manipular alguém depende das suas defesas da pessoa. Teoricamente, há muitas maneiras de se construir um 'sistema imunológico'. A escola é um deles. Claro, alguém que nunca frequentou uma aula e vem de um ambiente pobre está mais exposto a maquinações políticas", aponta Pătraşcu.

Então, as pessoas que deveriam tentar acabar com o analfabetismo são as que mais se beneficiam desse fenômeno. Quem diria…

Tradução: Marina Schnoor