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Dentro do Acampamento de Protesto Indígena da Montanha Burnaby, no Canadá

No dia 3 de setembro, três empreiteiros cortaram 13 árvores da terra indígena de Sḵwx̱wú7mesh (Squamish) sem o consentimento da tribo.

Matéria da VICE Canada.

No dia 3 de setembro, três empreiteiros cortaram 13 árvores da terra indígena de Sḵwx̱wú7mesh (Squamish) sem o consentimento da tribo. Mais conhecido como Área de Conservação da Montanha Burnaby, o lugar virou, então, palco de protestos e bloqueios que duraram vários meses, ganhando a atenção da mídia.

A petroleira texana Kinder Morgan vem fazendo um levantamento da região da Montanha Burnaby para perfurar poços de 250 metros capazes de extrair material que determine se ela é estável o suficiente para ser atravessada por um oleoduto. A construção seria complementar à que já existe em Trans Mountain, por onde são transportados atualmente, de Edmonton até a costa da Colúmbia Britânica, 300 mil barris de petróleo cru por dia. Se construído, esse segundo oleoduto quase triplicaria a capacidade do sistema.

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Quando cheguei ao estacionamento no topo da Montanha Burnaby, na semana passada, Marija Brzev estava falando ao telefone com o chefe, tentando negociar sua agenda. Eram 19h, e o chefe da organização habitacional Portland Hotel Society estava, de Vancouver, tentando convencê-la a pegar o turno da noite. Ela, que tinha passado a noite anterior dormindo numa picape estacionada na beira da estrada, teve de ficar sentada perto de uma fogueira próxima para garantir que a chama continuasse acesa a madrugada toda. Depois de um longo dia na montanha, Marija não estava em condições de ficar acordada por muito mais tempo, ainda mais a noite toda, e o turno em questão começava em três horas.

Foi assim que tudo começou: um punhado de pessoas tentando equilibrar coisas como emprego, relacionamento e sua própria casa, além de cuidar de duas pequenas áreas na montanha. Depois de passar 13 horas acorrentada ao terminal Westridge da Kinder Morgan com os ativistas Adam Gold, Mia Nissen, Dan Wallace e Liam Mongeon, Brzev e alguns outros começaram a ocupar 24 horas por dia o topo da Centennial Way do parque ou a clareira abaixo, aberta pela gigante petroleira.

Logo, amigos de outras cidades, pessoas que largaram o emprego para estar ali e mães locais começaram a aparecer toda manhã e tarde com comida, roupas e velas. A trilha de bicicleta até lá é terrível, mas a vista é de tirar o fôlego; assim, depois de um verão inteiro fazendo pesquisa de campo em acampamentos e comunidades de resistência por toda a Colúmbia Britânica com meu parceiro, parecia uma boa ideia conhecer o local também.

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Nos últimos dois meses, o acampamento cresceu de uma pilha de lonas num estacionamento para um espaço comunitário funcional, com cozinha coberta e painéis informativos.

Depois que os manifestantes expulsaram funcionários da petroleira da montanha e das áreas ao redor várias vezes, a Kinder Morgan pediu uma liminar para as áreas dos dois principais poços. O tribunal local anunciou, em 14 de novembro, que a liminar entraria em vigor no dia 17 de novembro, às 16h.

Uma grande manifestação levou centenas de pessoas ao acampamento naquela segunda-feira, mas a RCMP (a polícia montada canadense) não apareceu. O clima era silencioso mas um pouco tenso, com todos esperando para ver quando a RCMP apareceria para fazer valer a ordem judicial. Isso até a quinta-feira, 20 de novembro, quando a polícia montada de Burnaby – apoiada pelas forças das comunidades de Delta e Surrey – invadiu o lugar e destruiu tudo.

Agora o caso é notícia internacional, com o número de prisões chegando a 70 e subindo a cada dia. E mesmo que pareça impossível continuar ocupando o local tempo suficiente a fim de se evitar que a Kinder Morgan colete os dados que precisa para continuar o projeto, o impacto que o acampamento e os eventos subsequentes tiveram na opinião pública e nos investidores é inegável.

Depois de praticamente ignorar o acampamento, o Globe and Mail publicou nesta semana uma enxurrada de histórias sobre polêmicas cercando o projeto e os bilhões de dólares em dinheiro de desenvolvimento congelado por decisões judiciais, graças, principalmente, à oposição das Primeiras Nações indígenas do Canadá. Muita gente, consciente do histórico de resistência a grandes projetos de desenvolvimento na província, admite que a história é grande, mesmo para a Colúmbia Britânica.

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Apesar de parecer uma jovem doce e calma, Brzev tem lidado com a mídia quase que sozinha, de meios de comunicação independentes a transmissões nacionais. Depois de passar cerca de uma hora acorrentada pelo pescoço num bloco de concreto dentro da zona da liminar na quinta, ela removeu sozinha o cadeado em forma de U, se arrastou por baixo da fita da polícia cercada de simpatizantes e imediatamente disse ao grupo de repórteres ali:

"Eles estão em território não concedido do povo Salish. Eles não têm consentimento do povo Salish para estar aqui; então, não há razão para esse oleoduto ser construído. A comunidade veio aqui para dizer não, e a RCMP diz que está aqui para defender a segurança pública, mesmo com a comunidade toda aqui para se proteger sozinha. Não há razão para essa área ser delimitada."

Apesar de ninguém mencionar, exceto para fazer piadas sobre quantos bebês resultaram das noites frias nos acampamentos do Occupy, uma das primeiras coisas a emergir do acampamento foi um romance tímido entre Brzev, de 22 anos, e seu compatriota Skinteh, de 25. Um montanhês de olhos grandes impossível de definir, Skinteh está em seu elemento natural na floresta. Quem quer conversar com ele por mais de 45 segundos, é melhor estar preparado para segui-lo dentro da mata, ajudá-lo a erguer um tronco de três metros e segurá-lo enquanto ele o prega na barricada.

Observá-lo nas últimas semanas tem sido uma lição de se saber diferenciar entre paranoia e prontidão. O acampamento, cercado por árvores caídas e escorado em peças de carro enferrujadas e estátuas quebradas, parece loucura, e falava-se em bloquear mais e mais trilhas para manter a polícia longe.

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O oficial da RCMP Mike Kalanj, coordenador de saúde mental do destacamento de Burnaby, atuava como porta-voz da polícia e compareceu ao acampamento todo dia desde que a liminar foi concedida, geralmente para fazer papel de bom moço e afirmar que a polícia não tinha ordens para impor a liminar naquele dia. Ele informou a mesma coisa ao acampamento às 8h da última quinta-feira, cerca de dez minutos antes de duas vans lotadas de policiais chegarem à cena.

A polícia disse aos manifestantes que a área da liminar seria claramente marcada, de acordo com as coordenadas de GPS listadas nos documentos judiciais, mas, em vez disso, cercou com fita a estrada de acesso ao topo da montanha e ao restaurante Horizons; depois, foi arrastando a fita mais e mais, sufocando manifestantes pacíficos e jogando uma idosa no chão. A polícia tinha dito que os manifestantes teriam a oportunidade de ficar numa zona segura sem serem presos, mas os policiais agarraram diversas pessoas, as arrastaram para além da divisória da liminar e as prenderam.

Apesar de a cobertura da mídia se focar mais no ângulo classe média branca, as forças mais poderosas por trás do bloqueio têm sido mulheres indígenas. Quando o tempo esfriou, a idosa Sḵwx̱wú7mesh Sut-lut apareceu e acendeu uma fogueira sagrada – que deve ser acesa cerimonialmente e mantida queimando apenas com madeira até que a pessoa que a acendeu decida apagá-la. Ela e sua irmã Clarissa vieram quase todos os dias para cuidar do fogo. Sut-lut declarou que, quando ouviu que o jovem de 18 anos Jakub Markiewicz tinha se acorrentado embaixo de um jipe da Kinder Morgan no dia 29 de outubro, se sentiu obrigada a vir até a montanha e falar com os manifestantes. Avó e mãe, ela diz sentir uma conexão especial com a montanha e as pessoas que a defendem. Ela estava na Montanha Burnaby no dia 31 de maio de 1997, quando recebeu a notícia de que sua única filha tinha sido assassinada.

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"Então, eu precisava vir até aqui defender o lugar. É um lugar muito especial para mim." Na maioria das vezes, ela vem vestida com uma camiseta com a foto da filha por cima de suas roupas mais quentes.

"Minha filha se foi; então, vou fazer isso pelo filho de Christy Clark, Hamish Clark."

Presa na quinta-feira, depois de se deitar no tronco de cedro que seu irmão mais novo estava esculpindo num totem, perto do ponto onde a Kinder Morgan estava perfurando 24 horas por dia, ela tem retornado todo dia para alimentar as chamas juntamente com outras mulheres indígenas desse e de outros territórios. Elas têm mantido a fogueira queimando durante à noite, convidando jovens e velhos para se sentar com elas ao redor do fogo. A RCMP removeu a fogueira de seu ponto original dentro do acampamento para uma área longe do equipamento da Kinder Morgan, mas isso ainda está dentro das linhas da polícia, o que significa que, quem quiser chegar perto do fogo, precisa de permissão e escolta da polícia.

Enquanto a perfuração continua e a Kinder Morgan chega mais perto de terminar essa rodada de trabalho, as pessoas continuam chegando à montanha. Um grupo de mulheres solidárias aos Guardiões Klabona, idosos Tahltan que lutam para proteger as Nascentes Sagradas do norte da Colúmbia Britânica, discursou ontem e cruzou a linha da polícia. Um ônibus com ativistas e organizadores de Victoria pegou a balsa para passar um tempo na montanha. Os moradores de Burnaby continuam a fornecer comida e lenha apesar do fechamento da estrada e da pesada presença policial.

A Kinder Morgan provavelmente vai conseguir terminar sua perfuração e partir com a informação que veio buscar, mas os manifestantes querem garantir que a companhia pense duas vezes antes de voltar.

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Tradução: Marina Schnoor