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Onde o presidente sírio Bashar Assad poderia conseguir asilo?

Especialistas respondem se é possível acontecer o cenário de Assad – que é responsável pela morte de milhares de pessoas com bombardeios, fome e até guerra química – consiga fugir de seu país e se refugiar em outro país.

Foto de um grafite de Bashar Assad via usuário do Flickr thierry ehrmann.

Quando a Guerra Civil Síria começou em 2011, muita gente no Ocidente achou que os dias do presidente Bashar Assad no cargo estavam contados. Todo mundo achava que ele ia se juntar ao grupinho de ditadores depostos como Muammar Gaddafi, da Síria, Saddam Hussein, do Iraque, e Zine al-Abidine Ben Ali, da Tunísia. Oficiais dos EUA, do Reino Unido e da França estavam tão certos desse resultado que teriam ignorado uma proposta da Rússia de fazer o líder renunciar como parte de um acordo de paz.

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Cinco anos depois, o Ocidente não está mais esperando sentado. "Em resumo, a política americana aceita Assad como líder da Síria", escreveu Mike Doran, especialista em Oriente Médio do Hudson Institute, num e-mail para a VICE.

Mas a questão do destino final de Assad foi levantada mais uma vez na semana passada, quando um jornal alemão publicou a segunda metade de uma entrevista com Vladimir Putin, na qual o presidente russo sugeriu que não era inconcebível que Assad um dia se assentasse em território russo, dizendo: "É mais difícil garantir o asilo de Snowden na Rússia do que o de Assad".

Um cenário no qual Assad – que é responsável pela morte de milhares de pessoas com bombardeios, fome e até guerra química – consiga fugir de seu país pode ser difícil de imaginar nessa conjuntura. Os rebeldes sírios teriam de entregá-lo ou ele teria de ser forçado a sair como resultado de um acordo de paz. Outra pergunta seria se o mundo – especialmente os sírios – conseguiria colocar sua sede de justiça de lado e aceitar a aposentadoria de Assad num país confortável. Ele realmente conseguiria evitar julgamento por todos os crimes de guerra cometidos durante o conflito?

"Muita gente ficaria insatisfeita com isso", afirmou Stanley Payne, especialista em história política europeia e fascismo da Universidade de Winsconsin. "Mas nem todo mundo. Às vezes, você simplesmente só consegue paz a um preço."

Mostafa Winawi concorda. Professor do Departamento de Estudos do Oriente da Cornell, Winawi já trabalhou com refugiados sírios. Quando tiranos do Oriente Médio são exilados depois de perder poder, segundo Minawi, às vezes as pessoas estão dispostas a esquecê-los e se concentram em reconstruir seus países. "Isso aconteceu muitas vezes na região: quando alguém como Assad decide sair, as pessoas ficam tão aliviadas por não ter mais de lidar com os horrores da guerra que nem pensam em buscar justiça", ele diz.

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Minawi frisa que, no caso da Síria, ver o final do reinado da família Assad – que começou com um golpe pacífico do pai de Bashar, Hafez Assad, em 1970 – já seria uma vitória. "Eles [os Assad] são especialistas em fazer as pessoas terem medo da própria sombra", explica Minawi. "Não imagino que alguém vá dizer 'Ah, espera, temos de julgá-lo, senão não topamos o acordo'."

Jen David Ohlin, especialista em crimes de guerra internacionais, chama a tensão entre justiça e paz de "um dilema clássico que aparece por toda parte".

Ele descreveu três filosofias sobre responsabilização criminal. A primeira é instrumental: se vidas podem ser salvas fechando um acordo com um autocrata assassino, você faz o acordo. Ohlin destaca que esse foi o caso de Charles Taylor na Libéria, condenado em 2012 a 50 anos de prisão por crimes de guerra. "Alguns acreditam que, se não fosse a insistência na perseguição criminal, ele teria acabado com a guerra e cedido o poder muito antes", ele disse. "E talvez milhares de pessoas teriam se salvado."

Outra visão, aponta Ohlin, é que o mundo deve julgar ditadores e criminosos de guerra sempre que puder. Se os poderosos de hoje notarem o destino de seus colegas depostos, segundo essa ideia, eles podem perceber que haverá consequências para suas transgressões.

A terceira atitude diante dessas situações – a retribuição – sustenta que criminosos devem ser punidos porque essa é a essência de justiça. "Você não pergunta se a punição vai tornar o mundo melhor ou pior", pontua Ohlin. "Você apenas pune o crime."

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No entanto, o pragmatismo muitas vezes vence, o que significa que ditadores com as mãos sujas de sangue nunca veem o interior de uma cela.

O general Alfredo Stroessner, ditador do Paraguai que usou tortura como ferramenta política e ofereceu refúgio para nazistas criminosos de guerra, encontrou asilo no Brasil sob a condição de nunca mais voltar à política. Ele morreu em 2006, aos 93 anos. Idi Amin, de Uganda, que, nos anos 70, supervisionou a morte de talvez meio milhão de seus compatriotas, ficou afastado numa vila da Arábia Saudita, onde morreu em 2003. A mesma cidade saudita, Jedá, é o lar de Ben Ali, da Tunísia, que fugiu para lá quando foi deposto em 2011.

Para Assad ir a julgamento diante da Corte Penal Internacional, seria necessária uma ação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, já que a Síria nunca ratificou o tratado que fundou a CPI. Mas China e Rússia vetaram uma resolução referindo os crimes de guerra na Síria à corte; além disso, um porta-voz da CPI confirmou para a VICE que, na ausência desse tipo de ação, a corte permanece inativa. A França lançou uma investigação sobre os crimes cometidos pelo regime de Assad, embora ainda não esteja claro se isso vai resultar num julgamento.

Por enquanto, Assad continua onde está.

Tradução: Marina Schnoor

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