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Música

Uma História do Gótico

Estamos falando de Bauhaus ou de Marilyn Manson?

Gótico:

1) Na música, um estilo de rock baseado em guitarras com algumas similaridades com o heavy metal e o punk, geralmente caracterizado por letras depressivas ou tristes.

2) Na moda, caracterizado por roupas pretas e maquiagem pesada, frequentemente criando uma aparência fantasmagórica.

O que diabos é gótico? Estamos falando de Bauhaus ou de Marilyn Manson? Siouxsie and the Banshees? Aquela molecada que compra meias d'O Estranho Mundo de Jack pela internet? Como o juiz da Suprema Corte dos EUA Potter Stewart se pronunciou quando questionado sobre o que constituiria pornografia hardcore: “Eu não devo fazer uma nova tentativa de definir os tipos de material que entendo como estando contidos nessa expressão… Mas vou saber que é quando vir”. E é basicamente aí que o rock gótico se encaixa. Difícil de explicar, mas não dá pra negar quando está bem na sua fuça. Pra mim é um tipo de gênero musical que se perde no shuffle, frequentemente confundido com pós-punk drone ou as trilhas sonoras de filmes de terror death rock.

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As origens são obscuras. O lendário crítico musical John Stickney cunhou o termo “rock gótico” em 1967 quando descreveu um encontro com Jim Morrison numa adega mal iluminada como “o lugar perfeito pra honrar o rock gótico do Doors”. Mas não se engane, o Doors não é uma típica banda gótica, embora muito do romantismo poético de Jim Morrison tenha permanecido. Nascido da frustração política do punk rock e da esquisitice drogada do pós-punk, o rock gótico é uma mistureba de música minimalista, arranjos esparsos, linhas de baixo sensuais, teclados etéreos e baterias monótonas. Com letras sombrias, os vocais levam as canções, girando num redemoinho de amores não correspondidos, morte, isolamento e solidão. Apesar de popular na América do Norte, o gênero era firmemente britânico, invocando imagens geralmente associadas à poesia e literatura inglesas, campos sombrios, ruas enevoadas, cemitérios abandonados.

O “rock gótico” carregava orgulhosamente a bandeira de seus predecessores, combinando a sensualidade de Jim Morrison e Iggy Pop, a entrega vocal de Leonard Cohen, o rock drone do Velvet Underground, os movimentos ecléticos de David Bowie e a teatralidade de Marc Bolan do T. Rex. Pegando todos esses elementos e fundindo-os com a tecnologia moderna, o “gótico” defendeu o uso de efeitos modernos na composição, incorporando sintetizadores, teclados, baterias e programação.

Diferente do grunge, que viu seu nascimento definitivo (apesar de muita discórdia nesse ponto) com o lançamento de Nevermind do Nirvana em setembro de 1991, a cultura e a identidade do movimento gótico são difíceis de rastrear. Sem dúvida, 1976 foi um grande ano pro gênero, com a formação do Siouxsie and the Banshees, Joy Division e Cure. O Bauhaus e o Killing Joke se formaram alguns anos depois, em 78. E o Bauhaus lançou seu single de estreia “Bela Lugosi's Dead” em 1979. Em retrospecto, a maioria vai concordar que o lançamento do segundo disco do Joy Division, Closer , em 1980, com o suicídio subsequente do vocalista Ian Curtis, foi definitivamente o começo do movimento “rock gótico” clássico. Ah, os anos 80… Se houve uma época em que as pessoas podiam se vestir do jeito que quisessem sem dar a mínima pra isso, foi essa mesmo. O gótico decolou, tanto nas lojas de disco quanto nos shopping centers, e novas bandas como Southern Death Cult e Sex Gang Children começaram a influenciar os corações e mentes dos adolescentes de esmalte preto. E como toda família precisa de um lar, todo gênero precisa de uma “cena”. O protopunk americano teve o East Village em Nova York. O grunge teve Seattle. O gótico tinha Londres. Fazia sentido. As bandas eram inglesas ou escocesas, as ruas eram de paralelepípedo e enevoadas, e tanto o clima quanto a comida eram uma bosta. Em 1982, a Batcave abriu as portas no distrito do Soho em Londres, e rapidamente se tornou o epicentro da vida gótica. E como os norte-americanos sempre foram suscetíveis a casos rápidos de febre britânica, não foi diferente dessa vez. O gótico estava tomando todo o Reino Unido e os Estados Unidos. Cenas locais começaram a pipocar no Lower East Side de Nova York e em Hollywood.

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Essas “cenas” eram solo fértil pra novas bandas e formaram o coração da subcultura gótica. Mais do que qualquer outro gênero, a cultura e a estética do rock gótico são essenciais pra determinar o que é e o que não é gótico. The Smiths e Morrissey em particular, por definições estritamente musicais, poderiam ser considerados góticos. Qualquer cara que cante “If a double decker bus crashes in to us / to die by your side is such a heavenly way to die” deveria ser considerado gótico. Mas, infelizmente, o senhor Morrissey não tinha os traquejos fashion e culturais requeridos, e nunca será considerado um membro da comunidade gótica.

Então o que é cultura gótica? As pessoas com quem conversei que viveram essa época descrevem uma comunidade de párias com uma forte ênfase na escuridão, rebelião, solidão e romantismo. Suas roupas e estilo procuravam transmitir esses sentimentos e incluíam cores escuras, cabelo tingido de preto, esmalte de cores estranhas, piercing e tatuagens. A cultura também é rica em simbolismos tanto religiosos (cruzes celtas) quanto antirreligiosos (pentagramas e crucifixos invertidos).

Mas não se preocupe, nem tudo é escuridão na Goticolândia. Outro aspecto único de se ser “gótico” é a importância do humor e da sátira tanto na composição quanto na performance. O single gótico seminal “Bela Lugosi's Dead” foi descrito pelo vocalista do Bauhaus Peter Murphy como “irônico” e pretendia ser um grande foda-se pra quem não entendesse a piada. Esse senso de humor fica definitivamente aparente nas teatralidades de Alice Cooper no palco, com adereços como guilhotinas falsas, cadeiras elétricas e monstros. Assim como a carreira de Cooper, a música e a cultura góticas começaram fortes, mas esmoreceram no final, durando do fim dos anos 70 até o meio dos 80. Por volta dessa época, apareceram muitos subgêneros diferentes e divergências que iriam efetivamente acabar com essa cena e dar início a dúzias de outras.

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O rock gótico não estava só nas inclinações sombrias e mórbidas pelo outro mundo. Outros gêneros rapidamente adotaram esses motivos. Subgêneros bastante conhecidos foram o horror punk e o death rock, popularizados por Dazing e sua banda Misfits no final dos anos 70. As ideias eram as mesmas, mas a música optava por guitarras podres e batida punk ao invés do drone rock e da poesia ao estilo Leonard Cohen. Enquanto a música era mais visceral e não tentava esconder suas origens no punk rock, isso ainda existe firmemente no universo do rock gótico. O mesmo pode ser dito do death rock, do black metal e de qualquer outro gênero que incorporava elementos góticos em suas músicas, mas que não tinham as tendências taciturnas e minimalistas originais. De maneira similar, a afinidade e incorporação de tecnologia moderna pelo rock gótico levou a subgêneros musicais mais digitais. O mais notável desses desdobramentos foi a música industrial, que deu origem a bandas como Nine Inch Nails no final dos anos 80. Assim como os góticos foram influenciados por seus predecessores punks, esses novos movimentos musicais emprestaram do gótico o lirismo e crenças como raiva, perda e isolamento.

Mas onde foi parar o rock gótico? Isso ainda existe? Depende de pra quem você pergunta. Em minha opinião, o rock gótico foi cooptado por dois subgêneros muito diferentes e igualmente únicos de música. Em algum momento no meio dos anos 90, a ascensão de uma nova escola de rock gótico e a emergência do “emo” se tornaram a divisão simbólica que rasgou o movimento rock gótico clássico ao meio. A interpretação moderna do “gótico” esqueceu quase que completamente suas raízes mais minimalistas. A interpretação atual é associada principalmente aos sentimentos políticos e antirreligiosos de Marilyn Manson e seus colegas que subiram ao poder no começo dos anos 90. É irônico como uma subcultura de música que evitava as obsessões políticas e ideológicas de seus predecessores no punk e pós-punk acabou cooptada por um estilo musical que é igualmente obcecado com os objetivos mencionados antes de mudança social e religiosa.

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De maneira similar, a música “emo” se tornou o estilo com mais apelo pra quem se sentia isolado e incompreendido, os deslocados que procuravam por um estilo musical que entendesse seus problemas emocionais, fornecesse conforto e um meio pra encontrar indivíduos com as mesmas ideias. Os ornamentos musicais do “emo” são bastante distintos dos do movimento gótico clássico, mas os princípios fundamentais são os mesmos. Com os adolescentes rebeldes escolhendo o “novo gótico” e os moleques deprimidos optando pelo “emo”, o gótico foi substituído pelos dois gêneros que ele ajudou a criar.

Mas e agora, isso ainda existe? Bem, o gótico teve seu revival nos anos mais recentes. Bandas como New Thrill Parade tentaram recapturar o espírito inicial, mas não há como negar que a cena que existiu por alguns anos no começo dos anos 80 não está mais entre nós. O cadáver está ali, mas o espírito já se foi.

E vamos fazer a pergunta que coloquei no começo. O que diabos é rock gótico? Isso começou com o Doors e sua afinidade por adegas iluminadas por velas? Foi com o suicídio de Ian Curtis na noite anterior ao começo da turnê norte-americana do Joy Division? Pra mim, o rock gótico é o estilo musical equivalente a ficar bêbado sozinho. É autoindulgente, incrivelmente pessoal, meio bizarro e muito divertido. De todos os gêneros de rock moderno que posam de raivosos e assertivos (punk), ou de curiosidade andrógina (new wave / protopunk), ou são cheios de raiva adolescente (grunge), o rock gótico é o mais sincero. Sim, eu estou chateado pensando naquela garota que me deu um fora semana passada me trocando por um cara sem espinhas e sim, essa música é sobre um cara que decide apagar a luz, acender umas velas e pensar em se matar, é assim que eu sou. Se eu não puder me proporcionar um pouco de autoindulgência de vez em quando, então pra que ouvir música?

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