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Música

Fomos procurar inspiração nas nuvens do MUSA

Não sabemos em quais: nas ambientais, nas de pó ou nas de erva.

De dia estava toda a gente na praia e o vento levantava nuvens de pó. De noite as nuvens eram outras. Normalmente não sou grande apologista do reggae. Não tenho nada contra, mas soa-me um bocado a música de ir ao cu — mas há pessoas que gostam (de reggae, não de ir ao cu se bem que é possível a conjugação de ambos) e essas pessoas também merecem um festival. Foi debaixo do sol alto de Carcavelos que o melhor da linha de Cascais se comprimiu em dois dias de praia, bom ambiente, pessoal alternativo e miúdas giras. Depois foi levar ao lume com música, muita música, desde o dubstep e o trance dos dois espaços electrónicos, ao fundo do recinto, até ao palco principal, onde o reggae dominou a cena, ainda que também tenha havido espaço para algum rock e folk. O melhor momento musical aconteceu algures entre as dez e as onze da noite, quando a banca dos piercings decide passar clássicos dos anos oitenta e duas pitas começam a dançar fervorosamente para deleite do vendedor. As "árvores" plantadas estavam logo à entrada, mas alguém deve ter pensado que a nossa tinha mesmo erva e fugiu com ela. Antes que o recinto do MUSA enchesse — pensámos nós, eu e a Carolina, de parvos que somos — fizemos uma visita ao parque de campismo, mesmo ali ao lado, para saber como tinha sido o dia anterior. Nós, que só conseguimos ir no sábado, esperávamos um cenário pós- apocalíptico de ressacas e gente semi-despida e queríamos descobrir o que se tinha passado na noite anterior, mas já se tinha escapado tudo para a praia. Ainda havia muita gente a dormir, mas fomos fofinhos qb para os acordar para a vida. Infelizmente esse pessoal só conseguia pronunciar monossílabos. Este casal fofinho preocupa-se com o ambiente: para poupar água, tomaram sempre banho a dois. Todo o festival foi montado, de forma minuciosa, num antigo parque de estacionamento de aspecto desértico onde os montes de palha o e feno na terra batida dominavam, numa clara referência ao aquecimento global e a tudo o que isso implica. A grande motivação do MUSA passou, desde há algumas edições para cá, a centrar-se na sustentabilidade e na preocupação com o meio ambiente. Provavelmente desde 2006, inspirados pela onda pessimista do Al Gore. E o pessoal poderia dizer “relaxa Al, meu, vamos mas é ali para a praia fumar uma”, mas hoje não. Hoje (que no fundo foi anteontem) o pessoal é unânime e diz que este é um assunto preocupante e que deveria haver mais eventos que levantassem a questão. O que é bonito. Mas não deixam de ir à praia fumar uma. O que vimos foi o recinto do MUSA a abrir às seis da tarde e a encher a conta-gotas até às onze da noite, quando os grandes nomes aterravam no palco principal. Praticamente abandonados à sua sorte foram os portugueses seleccionados para ali tocar. Os The Hypers mostraram muita vontade e garra no seu rock meio comercial,mas foram ridiculamente deitados abaixo por um público pouco composto que queria era a sombra do palco e a primeira fila para outras sonoridades, enquanto os The Stonewolf Band, com a sua folk e surf rock, ainda reuniram alguns votos positivos junto de um público já com uns cinquenta elementos. A melhor resposta ao produto nacional aconteceu, contudo, durante a actuação dos Chapa Dux, a energética banda de ska-reggae que conseguiu a) a primeira enchente, b) pôr o público a saltar e a vibrar e c) que as miúdas da primeira fila gritassem para o vocalista “és lindo, faz-me um filho!”. Tocar na vertical é para meninos e o tipo de The Stonewolf Band está feito um homem. Estes dreads quiseram muito uma foto e, como são do Benfica, fizemos-lhes a vontade. Tentámos dizer-lhes que a Etiópia não tinha ido ao Euro, mas não nos quiseram ouvir. Foi com uma plateia já muito bem composta e com um cheiro intenso a poeira, fumo e erva no ar que os Mo’Kalamity entraram no palco. A noite de reggae puro começava com os cabo-verdianos a elevar instantaneamente a energia do festival. Como diria o Hélder Conduto “é disto que o meu povo gosta”. Nem um rosto apático desde a primeira até à última nota (que por acaso até era a mesma). Seguiu-se Ijahman Levi, um dos nomes mais esperados pelos tipos com rastas e pelas tipas com cabelo rapado com quem falei. Já se trata de um senhor com sessenta e seis anos de idade e o homem acalmou o público com o seu reggae mais cheio de alma e conteúdo, mas também não se inibiu de descer o palco de dois metros e meio para ir ter com os fãs da primeira fila, que rapidamente se tornaram os fãs da segunda e da terceira filas (além da ponta dos dedos do pessoal da quarta). Finalmente, e para acabar em beleza, a estrela da noite e o nome na ponta da língua de todos os festivaleiros abriu a sua actuação aos saltos e fechou-a aos pulos. Anthony B. foi uma explosão depois da maresia e de repente o recinto tornou-se demasiado pequeno para tanta energia. O público foi completamente levado ao rubro e até nós, que não nos alimentamos desta fome, nos deixámos contagiar. Felicidade aos sessenta e seis é aguentar uma tusa, mas para um rastafari é ter este efeito em gente que nasceu depois dos netos. Tanta energia e, na nossa franca opinião, uma overdose de mistura de substâncias com a repetitividade inevitável de seis horas de reggae, acabou por cansar o público que se dispersou um pouco antes da ovação final a Anthony B. pelas tendas do campismo, pelas tendas das electrónicas ou mesmo pela praia do outro lado da Marginal, também conhecida como "acampamento, mas sem tendas". A nós impressionou-nos bem mais a dimensão do festival, comparativamente com a do recinto. Isso e a quantidade de negócios alternativos que nos foi oferecido. Fotografia por Carolina Prata