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Alan Moore fala-nos sobre cinema, comics e o projecto "Show Pieces"

Criador de comics como "Watchmen", "V for Vendetta" e "From Hell", Moore é também escritor de romances, músico e mágico e está agora a transformar um projecto de cinco curtas numa longa-metragem.
Alan Moore no papel do misterioso Frank Metterton em "Show Pieces". Todas as fotos cortesia da Lex Records.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma The Creators Project.

Pobre Jimmy… perdeu o rumo e acaba num muito estranho clube privado para homens. Através de cinco curtas interligadas, conhecidas em conjunto como Show Pieces, Alan Moore apresenta-nos as bizarras atracções, regras, cerimónias e horrores deste clube. No entanto, Show Pieces - que podes adquirir em formato físico através da Amazon - é apenas o início de uma história muito maior.

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Moore, criador de comics como Watchmen, V for Vendetta e From Hell, é também escritor de romances (Voice of the Fire e, em breve, Jerusalem), músico e mágico. Falámos com ele sobre Show Pieces, sobre o seu guião para The Show e sobre o seu processo criativo em geral.

Jimmy (Darrell D'Silva, esquerda), a stripper Beryl (Khandie Khisses, ao meio) e o palhaço (Andrew Buckley, direita).

The Creators Project: Podes contar-nos alguma coisa sobre a origem de Show Pieces?

Alan Moore: Há uns anos, mais concretamente em 2009, decidi lançar uma revista underground, que acabou por converter-se na muito querida, mas também maldita, Dodgem Logic. Para o segundo número, o meu grande amigo e fotógrafo, Mitch Jenkins, ofereceu-se para fazer uma sessão de fotos de cabaret que acompanhariam um artigo que a minha mulher, Melinda Gebbie, estava a escrever sobre o tema. Mitch decidiu usar como cenário um clube de homens num bairro de Northampton e as raparigas e outros personagens apareceriam a posar.

Então foi essa sessão de fotos que impulsionou a série de curtas metragens?

Pouco depois, Mitch comentou comigo que se sentia um bocado frustrado por só ser conhecido pelos retratos de celebridades, quando no início da sua carreira também tinha tido as suas experiências como realizador. Falou-me de fazer uma curta para acrescentar ao seu reel. Nesse momento, talvez num assomo de insensatez, perguntei-lhe: Queres que te escreva o guião? E ele respondeu-me: "Não tenho nada a perder". Foi essa a origem do projecto.

Na casa-de-banho, Jimmy dá-se conta de que está com problemas.

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A partir daí criaste um total de cinco curtas e agora escreveste um guião para uma longa, baseada neste universo, que se chama The Show. Dirias que há alguma diferença quando escreves para cinema, ou quando o fazes para os comics?

Antes de fazer isto só tinha escrito guiões para comics. Tinha escrito romances e muitas outras coisas, mas no que diz respeito a escrita narrativa só tinha trabalhado no território dos comics, onde, mais ou menos, podes fazer tudo o que te dê na real gana com os teus personagens. Isto porque não existem, são feitos de papel. Tudo o que fiz às minhas personagens, por vezes coisas terríveis, foi feito apenas a um punhado de indivíduos de papel. Mas quando vi a interpretação de Siobhan Hewlett foi muito doloroso e comecei a rever algumas das minhas abordagens. [Nota: Siobhan interpreta Faith, uma mulher que morre num acidente insólito de asfixia erótica. Moore diz que declinou o convite para estar no plateau enquanto se filmava essa cena em particular]. Não quero dizer com isto que estaria disposto a que nada de mau se passasse com as minhas personagens no cinema, sou um bocadinho mais duro que isso, mas, na verdade, fez com que me desse conta de que não queria que as coisas acontecessem de forma gratuita.

Faith (Siobhan Hewlett) prepara-se para uma noite de trabalho.

Sendo quem és, imagino que já tivesses recebido várias propostas para que fizesses uma adaptação disto a novela gráfica. É uma coisa que pode acontecer?

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Não, isso nunca vai acontecer [risos]. Uma das coisas de que não gosto no cinema moderno é que tudo tem de ser feito em diferentes plataformas e, como tal, temos comics que, na realidade, querem ser filmes e filmes que, na realidade, querem ser uma salsicha. Há uma ânsia para que tudo seja oito coisas de uma só vez e isso prejudica qualquer que seja o propósito original.

Podes nomear algumas das tuas influências para este projecto?

Uma das minhas maiores influências foi Jean Cocteau. Era um poeta e um mágico, o que, para mim, é uma combinação irresistível. Era uma pessoa muito profunda e as suas reflexões sobre o cinema são das coisas que mais me inspiraram. É óbvio que Hitchcock fez coisas fantásticas, mas acho que não era a mais agradável das pessoas. Acho que ele teria tido prazer a ver Siobhan a asfixiar até à morte no armário. Seria como que uma recompensa pelo seu trabalho. Mas, como cineasta, há coisas que podes aprender dele e seria estúpido se não o aproveitasses. De qualquer forma, estamos a tentar que isto seja uma obra nossa, que tenha o nosso cinema. Sou eu e o Mitch e a gente do caraças com quem estamos a trabalhar.

Jimmy e Faith no clube.

A tua abordagem na escrita para cinema é diferente da abordagem que utilizas quando trabalhas para outros meios?

A minha abordagem em relação aos comics, quando estava a começar, era vê-los, lê-los, observá-los, ter a noção do que se estava a fazer nesta área e, sobretudo, o que não estava a ser feito. Essa tem sido a minha abordagem para tudo. É, basicamente, a única forma que conheço de abordar qualquer coisa. Vais a jogo, arregaças as mangas, tentas perceber o meio em que estás a jogar e segues caminho, jogando com a tua criatividade até que algo surja.

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Dentro do clube.

É um bom método de trabalho se conseguires levá-lo em frente.

Bem, sim [risos]. É a forma de trabalhar que me tem mantido nisto durante os últimos 35 anos da minha vida. É a única forma que conheço de fazer as coisas. Analisar as possibilidades de um meio, tentar entendê-las e atirar-me a ele. Dar forma, colocar as ideias em conjunto, reflectir, pensar na estrutura e pensar de uma forma global. Tenho tendência a trabalhar em muitas áreas diferentes. Sei que as novelas gráficas que escrevi entre o início e meados dos anos 80 tendem a dominar o pensamento de muita gente em relação a mim, mas também gravei seis ou sete discos, quando há muitas bandas que não chegam tão longe. Escrevi um par de romances e sempre gostei do trabalho de actor. Fiz sempre um monte de coisas. Uma das coisas boas de The Show, é que permite-me fazer tudo o que me diverte e isso é muito libertador e espero que se reflicta no produto final.

Show Pieces está disponível online e de forma física através da Lex Records e outros serviços destreaming.