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reportagem

Jornalista foi detida por PM ao questionar abordagem violenta

Repórter que não estava em serviço prestou depoimento à Corregedoria sobre a violência cometida por sargento.
A praça onde a jornalista foi abordada. Foto via Google Street View.

*Essa reportagem foi atualizada às 19:38 do dia 5 de setembro.

Uma repórter especializada em jornalismo investigativo e conhecida por apurar denúncias contra a Polícia Militar de São Paulo foi vítima de uma abordagem violenta na tarde de segunda-feira (4) em uma praça na zona norte de São Paulo. A VICE optou em não divulgar o nome da profissional e o veículo para não expô-la indevidamente antes de uma resolução do caso.

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Fontes confirmaram à VICE que houve uma abordagem violenta por parte do sargento Gerson Ferreira Lima da 2ª Cia do 43º Batalhão de Água Rasa, zona norte de São Paulo. O PM deu voz de prisão, mandou a jornalista calar a boca e a arrastou até o camburão porque a mesma se recusou a fornecer seu celular para o PM apagar as imagens que fez durante a ocorrência. Há também informações que o agente policial apontou uma arma em direção da jornalista.

Também foi relatado pelas mesmas fontes que a jornalista não se negou a ser revistada por uma PM mulher e que forneceu seu nome e profissão no ato da abordagem, ao contrário do que foi relatado na nota oficial da PM.

A praça onde a jornalista e a pessoa que a acompanhava foram abordadas está localizada na Rua Conchilia, zona norte de São Paulo e é uma das maiores áreas de convivência dos moradores da Vila Albertina. Ela conta com um espaço para exercícios, com aparelhos ao ar livre, e também é o ponto onde muitos moradores levam seus cães para passear, além de ser conhecida localmente por ficar na frente da antiga casa do piloto Ayrton Senna.

No entanto, a comunicação social da PM publicou uma nota dizendo que a praça é notória por ter vendedores de entorpecentes e por isso os policias fizeram a abordagem na jornalista e uma segunda pessoa que estava a acompanhando. A corporação também disse que houve resistência por parte da repórter e desrespeito aos agentes. Na 20ª DP ela foi autuada pelo crime de desobediência e também prestou queixa de abuso de autoridade contra o sargento Ferreira.

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O caso também corre na Corregedoria, conforme informado na nota.

Casos de abordagem policial são delicados e já publicamos um passo-a-passo do que fazer em situações dessas na reportagem acima sobre protestos. Em 2016, a 5ª Turma do STJ decidiu pela descriminalização do tipo penal de desacato à autoridade por ser incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Na justiça comum também há precedentes de que não há crime de desobediência se a abordagem policial foi feita sem motivo. O artigo 240 do Código de Processo Penal é cristalino nesse sentindo: abordagem policial só poderá ser realizada em casos de flagrante de crimes e que haja suspeita real de que o abordado esteja ocultando objetos ou arma do crime e outras situações descritas no artigo.

Inclusive, a própria Secretaria de Segurança Pública e o Ministério da Justiça publicaram em conjunto uma cartilha em 2013 ensinado agentes policiais a maneira correta e constitucional na abordagem de civis. O documento está disponível online e diz claramente que "a existência de fundada suspeita é o pressuposto inicial para que o policial realize uma abordagem. A fundada suspeita resulta da constatação da existência de elementos concretos e sensíveis que indiquem a necessidade da abordagem. A decisão de realizar uma abordagem e o procedimento adotado não devem ser motivados por desconfianças baseadas no pertencimento da pessoa a um determinado grupo social."

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No entanto, no caso da jornalista há uma visível discordância do PM da abordagem em relação às diretrizes oficiais dos Direitos Humanos e da própria SSP. A advogada atuante em Direitos Humanos Carolina Gerassi fez uma análise superficial conforme as informações que conseguimos e frisou que a polícia não pode justificar essas atitudes com base em vagas suposições e que, ao que tudo indica, as intenções do PM eram outras. "Consoante essas informações a intenção não era proteger a sociedade, impedir a prática de crimes e garantir a eventual e futura aplicação da lei penal. Ali, aparentemente, a intenção era de agir em causa própria tentando omitir provas d abuso de autoridade praticado por ele minutos antes contra a jornalista e a pessoa que a acompanhava", analisou.

Gerassi também chamou atenção para o fato de que a repórter tendo se identificado não é obrigada a responder ordens manifestamente ilegais. Como, por exemplo, entregar um pertence seu (o celular) para o policial e muito menos ser conduzida a delegacia já que aparentemente não houve nenhum motivo válido para essa medida extrema que foi tomada contra ela.

"É importante lembrar que esses casos de abordagem policial truculenta e abusiva ocorrem com muito mais frequência em bairros periféricos, cuja maioria da população é negra, justamente por contra dessa discricionariedade utilizada de forma discriminatória" diz.

Entramos em contato com a repórter investigativa, mas a mesma se negou a relatar o caso na íntegra, porém reclamou da exposição irresponsável e indevida que blogs e sites fizeram do caso sem falar com ela antes. Um veículo chegou a publicar uma foto dela junto ao veículo onde atua. "Pedi para meus amigos e para o lugar onde eu trabalho para terem calma porque queria o término da ocorrência. Alguns sites publicaram fotos minhas sem me consultar, isso me incomodou muito", contou.

Por e-mail a SSP declarou à VICE que o caso está em apuração.

"A Polícia Civil informa que o 20º DP registrou a ocorrência como resistência e abuso de autoridade e a delegacia investigará o caso em Inquérito Policial. A equipe segue em buscas de imagens de câmeras e de novas testemunhas que auxiliem a esclarecer as circunstâncias dos fatos. A Corregedoria da Polícia Militar está em contato com o Comando da área para solicitar esclarecimentos sobre o caso."

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