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Eu Virei Um Algoritmo no Museu de Arte Moderna

Depois que você começa a ver o mundo em grupos e categorias, você nunca deixa de vê-lo dessa forma.

O artista de dados Mario Klingemann se debruça sobre a coleção Flickr Commons da Biblioteca Britânica procurando tendências e subgrupos por diversão. Treinando e manipulando algoritmos para escolher rostos e analisar cores, ele consegue fazer descobertas únicas e belas. Todas as imagens são cortesia dos artistas e do Museu de Arte Moderna (MoMA). 

Colecionei coisas durante a minha vida inteira. Quando era pequena, catalogava meus bens materiais em caixas de plástico: adesivos, conchas, cristais, cartas de baralho e assim por diante. Eu sonhava com quartos repletos de armários, de cima a baixo, com milhões de gavetas, cada compartimento guardando um grupo de objetos. Mesmo depois de adulta, ainda organizo, agrupo e classifico curiosidades não muito distantes das minhas primeiras coleções. Agora, é claro, não preciso mais de compartimentos físicos; uso contêineres intangíveis, criados na minha nuvem virtual. Em um canto minúsculo da internet, álbuns, pastas, “quadros”, planilhas, feeds, streams, listas e caixas postais guardam partes do meu arquivo. Quando estou online, parece que estou caminhando pelos corredores do meu próprio museu; atrás da tela, meus dados se desfazem como se nunca ao menos tivessem existido.

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Depois que você começa a ver o mundo em grupos e categorias, você nunca deixa de vê-lo dessa forma. E, no fim das contas, parece que não estou sozinha. Em um recente debate chamado “Arquivos como Instigadores”, no Museu de Arte Moderna (MoMA), outros companheiros obsessivos, incluindo o artista de dados Jer Thorp, a escritora Emily Spivack, o artista de códigos Mario Klingemann e o diretor da MetaLab, Yanni Loukissas, discutiram a arte de dados massivos. “Se todos os seres humanos desaparecessem e alienígenas aparecessem logo em seguida, uma maneira pela qual eles nos entenderiam seria através dos dados e dos bancos de dados que estamos deixando para trás”, diz Thorp.

No MoMA, Klingemman falou sobre o seu desejo de ser um explorador da era vitoriana ou um garimpeiro de ouro. Ele combina as duas funções agora com o seu trabalho na coleção Flickr Commons da Biblioteca Britânica. Aqui, ele relembra a era gloriosa das explorações, e o terreno que ele está explorando – o mundo dos arquivos digitais – ainda está cheio de tesouros escondidos. 

Spivack, Klingemann, Loukissas e Thorp, todos eles já criaram e trabalharam com arquivos ao mesmo tempo tão incrivelmente imensos quanto microscópicos, dependendo do contexto. Spivack compilou mais de 600 histórias a partir de descrições feitas no eBay, capturando fragmentos da condição humana nessas micronarrativas; Klingemann criou algoritmos com tags pesquisáveis, como “mapas” ou “homens de bigode”, para examinar mais de um milhão de arquivos de imagens do Flickr de quase 65 mil volumes da coleção da Biblioteca Britânica; Loukissas organiza os dados em ascensão de 70 mil plantas do Arnold Arboretum, a coleção viva de árvores, arbustos e trepadeiras da Universidade de Harvard; Thorp atualmente se debruça sobre 140 mil registros de objetos adquiridos pelo Museu de Arte Moderna na forma de uma única apresentação de arte performática.

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O artista digital Jer Thorp coordena o Office of Creative Research, um grupo de pesquisa que investiga e divulga dados interativos de maneiras tão belas quanto surpreendentes. No MoMA, ele apresentou um workshop utilizando os arquivos do museu, uma nova versão de um velho projeto em que ele colaborou com um grupo teatral em uma “encenação” do banco de dados. Aqui, um grupo de participantes está debatendo que tipos de dados poderiam coletar das obras de arte, usando lápis e fichas de papel, enquanto circulam por uma galeria durante um período de 25 minutos.

Há infinitas maneiras de organizar coisas e, nesses movimentos, inúmeras histórias a serem descobertas. Para alguém que não é um cientista da computação, dados podem parecer um fluxo frio e estéril – conectados e cruzados, no entanto, eles podem criar narrativas, significados e reflexões. Artistas exploram esses campos numéricos buscando conexões envolventes, de forma muito similar a ler nas entrelinhas de um texto. Klingemann descreve esta sensação: “A alegria de descobrir alguma coisa é intrínseca ao ser humano. Como quando você acha as suas chaves ou tem uma ideia nova. Porque não vivemos em tempos com grandes pontos [inexplorados] no mapa, preciso achar novos lugares para descobrir alguma coisa. Então estou criando motores de serendipidade aleatória”. Simplificando, a curiosidade nos faz querer mover uma pá sobre uma pilha de caos.

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Uma participante do workshop estuda Clouds, de Gerhard Richter. Um dos dados que o grupo decidiu coletar foi a primeira coisa que pensaram quando viram a pintura. Ela pode ou não ter visto nuvens. 

Nos workshops realizados depois do debate, descobri um exemplo das extensas possibilidades dos dados de arquivamento de uma maneira analógica: a Galeria de Pintura e Escultura 2, uma amostragem do conteúdo dos arquivos do MoMA, seria o nosso território-alvo. Ao lado de Klingemann, Loukissas, Thorp e Spivack, os participantes se focaram nas placas informativas ao lado das obras de arte. Primeiro, debatemos os tipos de dados que podiam ser incluídos numa placa de museu. Thorp, que conduzia o workshop, nos desafiou a dividir estes dados em três grupos: as propriedades da obra de arte, as suas experiências subjetivas mensuráveis e as nossas observações das experiências de outras pessoas. Analisamos as cores predominantes das obras, seus pontos focais, o número de pessoas que lê as placas informativas e as primeiras palavras que vieram à nossa cabeça ao ver as obras; estimamos a distância que os seguranças ficavam de cada obra; e recolhemos a pesquisa de oito obras de arte diferentes.

Em outro workshop apresentado por Klingemann, ele imprimiu imagens do Flickr em cartões individuais com um QR code. O nosso trabalho era circular ao redor das imagens aleatórias e organizá-las em grupo. Uma que descobri se chama “homens e mulheres se cortejando”. Ao final do workshop, ele escaneou as imagens e criou uma tag. Procure pela tag no Flickr e você as verá todas dispostas em uma galeria – exatamente como eu as organizei na mesa para esta foto. 

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Com todas as nossas fichas expostas sobre a mesa, analisamos alguns dados em profundidade, usando lã azul para ligar fichas com outras de associação livre de palavras similares, e lã vermelha para registros opostos. Os post-its simbolizavam diferentes porcentagens de pessoas que pararam para observar as informações de uma pintura ou escultura. Então, eu percebi: tudo que estávamos fazendo manualmente era uma brincadeira com o que os algoritmos podem alcançar em minutos – multiplicado por milhões. E nenhum dos participantes percebeu o exercício analógico da mesma forma.

Nós usamos lã e post-its para mapear as similaridades e diferenças entre os dados que coletamos e observamos individualmente durante os nossos 25 minutos na galeria do MoMA. Quando terminamos, Thorp pegou um cartão que puxou os outros cartões que estavam conectados a ele, criando um móbile intrincado. Esta é a essência das estruturas de dados, ele disse. 

“Muita porcaria se legitimizou por estar no meio digital”, admite Loukissas. Só estive conectada por bem menos de um quarto da minha vida, mas os conteúdos da minha vida digital já estão transbordando. Essa é a maldição de manter coisas numa caixa com um fundo infinito. O que é importante? O que não é? Com a tecnologia, todos têm um arquivo, não importa se decidam administrá-lo conscientemente ou não. É atordoante pensar na quantidade de dados que você acumulou ao longo dos anos, mas, além disso, o que me angustia mais é que um dia tudo o que acumulei, consciente e inconscientemente, cada clique, tag, palavra, foto – vai continuar existindo sem mim. Um arquivo não é só uma coleção de coisas, é um conservador do tempo e do espaço.

Yanni Loukissas trabalha com os arquivos em ascensão do Arnold Arboretum da Universidade de Harvard, um “zoológico de plantas”. Apanhar dados e repensar a sua forma (por exemplo: círculos concêntricos como anéis de árvores) permite encontrar novos significados. “Dados são artefatos culturais. Uma das características dos dados é que eles têm mesmo uma materialidade. Gostamos de pensar que a informação é efêmera. Mas ela existe em algum lugar”, ele diz. 

Como se percebesse a ansiedade na minha expressão, Spikav fez um comentário tranquilizador: “Arquivos não gravam experiências tanto quanto a ausência; eles apontam onde falta uma experiência do seu devido lugar, e o que volta para nós, em um arquivo, pode muito bem ser algo que nunca possuímos para começar”. Arquivos são criados, mas somos criaturas de histórias. Talvez, nesse sentido, como Thorp disse, nossas bibliotecas e museus serão uma cápsula do tempo para quem ou o que quer que venha depois de nós.

Uma participante para diante de Sweet Cathy's Song, obra da pintora americana Joan Snyder. Esta obra, criada a partir de desenhos de crianças, papel machê e pastéis, parece irradiar encanto e admiração. É o reflexo perfeito dos temas do evento “Arquivos como Instigadores” do MoMA. 

Tradução: Fernanda Botta