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cinema

Manoel de Oliveira na Praça da Oliveira

Nem fama, nem dinheiro. Oliveira é o verdadeiro artista.

Fotografia por José Caldeira "Oliveira não faz filmes pela fama ou pelo dinheiro, faz filmes porque tem coisas para dizer. E eu admiro isso." Quem o diz é o actor francês Michael Lonsdale, protagonista de O Gebo e a Sombra e parece saber do que fala. Na realidade, se Oliveira fizesse filmes pelo dinheiro já há muito estaria falido: os seus filmes não são propriamente campeões de bilheteira, circulam pelo restrito circuito dos festivais de cinema, dos cineclubes ou salas de arte e conseguem, com esforço, garantir estreias comerciais em pouco países — sempre com resultados modestos. Oliveira também não faz filmes pela fama porque, infelizmente, é mais conhecido pela sua idade (fará 104 anos dentro de alguns meses) do que propriamente pelas suas películas. Sempre que alguém tenta fazer um inquérito de rua sobre o homem, o último filme que toda a gente viu foi o Aniki-Bobó, que data de 1942! Avesso ao espírito do tempo, Oliveira foi sempre um cineasta em contraciclo: quando o cinema descobria o som e as narrativas literárias, o portuense andava a brincar com a montagem soviética em Douro, Faina Fluvial (1929-31); quando o cinema se tornava moderno, Oliveira voltou aos planos longos, morosamente longos, propositadamente longos e majestaticamente fixos com O Pintor e a Cidade (1956) e Acto da Primavera (1962); quando toda a gente saiu à rua para filmar a revolução, Oliveira meteu-se no estúdio da Tóbis para filmar uma peça existencial e metafísica de José Régio em Benilde ou a Virgem-Mãe (1975); logo a seguir, enquanto Gabrielas e Mal-Amados invadiam as televisões portuguesas e “revolucionavam” a narrativa audiovisual, foi vê-lo a fazer uma adaptação de seis horas de Amor de Perdição (1978-79) que lhe valeu alguns dos mais criativos insultos pessoais do pós-PREC; e repetiu a brincadeira com O Sapato de Cetim (1985), uma adaptação de Paul Claudel quando Portugal andava entretido com Vilas Faias e Chuvas na Areia… Indiferente às críticas, Oliveira lá foi fazendo o seu caminho, com a ajuda de vários colaboradores fiéis e que ficarão para sempre ligados ao seu cinema. Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra e Diogo Dória viram juntar-se a Oliveira grande monstros da representação internacional como Marcelo Mastroianni, Catherine Deneuve, John Malkovich, Michel Piccoli, Jeanne Moreau, Irene Papas. Mas o maior feito do homem foi ter posto o Pedro Abrunhosa e o neto Ricardo Trêpa a brincarem aos actores. O Gebo e a Sombra é a sua última obra e será ante-estreada hoje em Guimarães. Adaptada de Raúl Brandão, a trama do filme ambienta-se no século XIX e segue um patriarca que se sacrifica para proteger o filho fugitivo. Foda-se, ainda dizem que o homem não está atento à actualidade e que se perde a adaptar coisas que cheiram a mofo? Está-se mesmo a ver que o patriarca da coisa é o Pedro Passos Coelho e o seu filho fugitivo é o Miguel Relvas. Oliveira não alinha em vigílias nem em greves de fome, vai direito ao assunto e arruma a questão em três tempos. Para além disso, o homem continua perverso qb para recrutar ícones sexuais femininos que abrilhantam a coisa: depois de Catherine Deneuve, Irene Papas e Jeanne Moreau, agora é a vez de Claudia Cardinale! Claro que estamos a falar de divas dos anos 60, mas para quem vai a caminho dos 104 uma moçoilas a rondar os 70 equivale mais ou menos a umas adolescentes acabadas de sair da puberdade — sempre devem ser bem menos chatas que a Agustina Bessa-Luís.