Como Conor McGregor derrubou José Aldo

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Como Conor McGregor derrubou José Aldo

Um olhar nas táticas e técnicas do UFC 194.

Foto: Jeff Bottari/Zuffa LLC

Um ano inteiro de hype dissolvido em 13 segundos. Foi o tempo que José Aldo levou para sucumbir à esquerda de Conor McGregor. Para a maioria, não passou de um fim decepcionante à rivalidade entre os dois lutadores. Mas se há algo positivo nessa história é que os fãs de MMA agora admitem que McGregor tem algo de especial. Estava demorando demais para isso.

Fiquei desapontado com Aldo, mas não tanto quanto ele mesmo e sua equipe. Em fevereiro de 2013, notamos sua tendência em expor o rosto quando segue à frente com socos, além da falta de um jab mais competente, especialmente na luta contra Mark Hominick. Depois dessa luta, Aldo enfrentou Frankie Edgar com um jab afiado e deixou de expor o rosto. Não havia motivo algum para mencionar seu hábito de se inclinar para frente ou sair correndo em direção a socos… Até a noite de sábado.

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Aldo se inclinando demais para acertar com a mão direita.

Da parte de McGregor, ele fez o de sempre. Se o irlandês preparou algo de novo para a luta, não deu tempo de vermos. O direto de esquerda pegou Aldo de jeito. Um pontapé baixo no joelho o incomodou. Aí Aldo correu para acertar um gancho de esquerda e recebeu um contra-ataque. A mesma esquerda que McGregor usou contra Buchinger, Brimage e que tentou utilizar em todas as lutas de sua carreira.

O legal é que tudo que McGregor fez está no nosso vídeo Ringcraft:A Study in Conor McGregor. Se você está se sentindo roubado ao ter pagado o pay-per-view por 13 segundos de luta, curta então 10 minutos de McGregor de graça.

Como mencionado em Ringcraft, a oportunidade de contra-atacar vinha sendo negada a McGregor há algum tempo, mas Aldo parecia tão agitado e feliz em correr para acertá-lo que o europeu pôde voltar às suas raízes.

Após a luta, o debate se volta para o quão ridícula deve ser a força de McGregor para derrubar Aldo com um movimento enquanto andava para trás. Claro que não foi McGregor quem forneceu tal força, e sim Aldo – correndo com o queixo exposto e ficando cego para qualquer contra-ataque. Desferir golpes enquanto se afasta era algo sobre o qual eu costumava escrever bastante, especialmente por ser uma das principais razões do sucesso de Anderson Silva, mas a técnica não costuma render nocautes contra lutadores de ponta porque eles não saem se expondo dessa forma.

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É difícil colocar o peso do seu corpo em um golpe enquanto você se afasta. Na maior parte do tempo, golpes acompanhados de recuo são socos parciais que acertam a lateral da mandíbula ou têmpora enquanto o oponente avança ou, em alguns casos, diretos em que o lutador cria uma estrutura para receber o oponente em vez de jogar seu peso para frente com um golpe. É uma excelente ferramenta que todo trocador de alto nível deve compreender. O efeito é minimizado com fintas, chutes baixos e um bom posicionamento no ringue. Mas e agora? Para Aldo, não há chance de uma revanche imediata. Em quaisquer outras circunstâncias um novo embate seria como uma galinha dos ovos de ouro, mas dada a natureza e velocidade da perda, há pouco que possa empolgar fãs. Talvez seja a hora de mudar para os pesos leves, como ele vem ameaçando há anos. Pessoalmente, gostaria de vê-lo lutar com o mais promissor entre os pesos-pena, Max Holloway – por mais que Holloway ter que derrotar o mais bem-sucedido peso-pena de todos os tempos para ter uma chance de pegar o cinturão seja meio sádico. Talvez com menos pressão em cima de Aldo, ele e Cub Swanson poderiam liderar um card no Brasil – uma chance para o brasileiro dar uma recalibrada e uma possibilidade para Swanson voltar ao topo, ou ao menos de se vingar do vergonhoso nocaute. Mas e quanto a McGregor? Frankie Edgar parece uma boa. Edgar levou Chad Mendes ao chão até mais rápido que McGregor, pegando-o com um gancho de esquerda e apagando as luzes com uma sequência, algo bastante pitoresco.

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As brilhantes habilidades marqueteiras de McGregor criaram um mundo em que ele sempre seria um qualquer se perdesse para Aldo e um semideus imbatível caso vencesse. Você sabe que não é bem assim. Trata-se de um lutador único na categoria, mas um homem com seus vícios e falhas como qualquer outro. Vamos aguardar algumas lutas e ver se devemos mesmo pensar em imortais e hipotéticos embates entre categorias.

Há um burburinho em torno de lutas com pesos leves, mas o UFC aprendeu sua lição ao deixar campeões subirem de categoria no caso BJ Penn versus Georges St. Pierre II. Fere a marca de um dos campeões do UFC tidos como invencíveis. O cara que desce de categoria normalmente apanha e, caso isso não aconteça, fica feio pra categoria maior. O UFC se beneficia bem mais ao deixar as pessoas especularem que em algum momento no futuro rolará Jones versus Silva, GSP versus Silva ou Jones versus Velasquez ou Weidman versus Jones. Mesmo que McGregor lutasse contra o campeão dos pesos-leves e vencesse, de repente um só lutador teria dois cinturões. Ele dividiria seu tempo entre a defesa ambos e aí faltam ainda mais eventos principais.

O UFC 194 inteiro teve lutas de alto nível, e a final do Ultimate Fighter na noite anterior contou com alguns bons combates também. Falta-me espaço para citar tudo, então falarei apenas de alguns momentos que me pareceram interessantes ou relevantes.

Luke Rockhold tomou o cinturão de Chris Weidman na decisão dos pesos-médios. Foi uma luta curiosa porque gostei do jogo de ambos, mas lá pelo segundo e terceiro rounds, ambos estavam com o rendimento em baixa. Um dos momentos interessantes na trocação da luta foi quando Weidman encurtou a distância, recebeu um gancho de Rockhold – que você pode ter certeza que ele usará sempre que recuar – e pareceu perder o equilíbrio.Rockhold seguiu com mais um gancho e abriu a guarda, o que deu a Weidman, mesmo após a pancada, a oportunidade de montar em suas costas.

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O curioso foi que Rockhold prendeu um dos braços de Weidman com uma guilhotina, mantendo o controle mesmo enquanto o rival seguia para a posição dos 100 quilos. Numa situação normal, seria encarado como erro de principiante. Mas não foi. Rockhold conseguiu segurar Weidman ali, imóvel, até que Herb Dean mandou ambos se levantarem. Preso em um estrangulamento sem sentido, Rockhold pareceu ao menos ter cansado Weidman. Foi um momento peculiar que nos lembrou que todas as regras da luta tem exceções.

Disciplina é o que move Weidman no octógono. Rockhold só sabe lutar de uma forma, para o bem ou para o mal. Já o Weidman ansioso, frustrado ou desconcertado é muito diferente do Weidman focado. Apesar de ter conseguido pegar a perna de Rockhold por causa das seguidas tentativas de chutes baixos, Weidman – aparentemente frustrado pela envergadura de Rockhold – começou a ir para cima do oponente, mudando sua guarda enquanto isso. No começo do segundo round, isso fez com que Weidman fosse derrubado.

Rockhold venceu o segundo round com chutes poderosos e com a incapacidade de Weidman levantar e partir pra trocação. Já no terceiro, Weidman investiu nos chutes e, por mais que lhe faltasse a força de Rockhold, eles atingiam o oponente com mais facilidade. Foi então que Weidman cometeu um erro tático crucial: tentou um chute giratório. O principal risco do giratório é que a superfície a ser atacada está muito longe do corpo enquanto se gira. Um passo adiante do oponente por acidente ou de propósito, ou apenas uma falha ao calcular a distância, pode fazer com que o outro lutador pegue suas costas com muita facilidade. E foi isso que Rockhold fez.

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Após ter aguentado alguns castigos para finalizar o terceiro round, Rockhold logo conseguiu ficar por cima de Weidman. Ele partiu para o ground and pound até que a luta fosse interrompida. Uma das coisas mais intrigantes da luta foi que, assim como Robbie Lawler e Johnny Hendricks, se cada lutador fizesse ajustes aqui e ali, renderia uma bela revanche. Não sou muito fã de revanches imediatas, e a categoria dos pesos-médios tem muita gente talentosa, mas tenho certeza que esses dois lutarão de novo e, após testemunhar tamanha habilidade de ambos, fico ansioso por isso.

Já o melhor desempenho da noite com certeza foi o de Demian Maia. É o mais belo praticante de jiu jitsu a calçar luvas de MMA. Ao enfrentar Gunnar Nelson, considerado o mestre na arte marcial, Maia saiu como um fenômeno da natureza. A forma como lidou com a guarda do oponente foi hipnótica. O esmagar dos ganchos, suas transições de pernas, suas montadas.

Maia gosta de se apoiar em um dos ganchos de seus oponentes até que eles sintam que é hora de fazer algo. Então ele move-se e posiciona o joelho para passar a guarda. Dali em diante é uma simples progressão até a montada.

Há algo de especial em Maia. Tão avançado e ao mesmo tempo tão simples. Espera-se que o wrestler de ponta faça as transições rápidas e inversões, mas, quando Maia está por baixo, quase sempre inverte tudo com um humilde single leg e com grande sucesso.

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Ficou claro que Maia não se tornará um lutador de MMA versátil. Ele nunca pareceu ter aptidão para a trocação, mas fez o melhor que podia. Aumentou a força de seus golpes. Enquanto estava no chão com Nelson, ele não se prendia às trocas de guarda como antes ou como outros grapplers fazem. Ele batia, socava, dava cotoveladas. E por mais que não parecesse muita coisa, alguns golpes acertaram em cheio. O segundo round começou com os dois em pé e o ímpeto de Nelson havia se esvaído. Ele estava tão mole que mal reagiu quando Maia lhe acertou um direto de esquerda.

Um momento final bacana da meio desapontadora luta entre Yoel Romero e Ronaldo 'Jacaré' Souza foi o backfist do primeiro. Ele tentou acertar o oponente algumas vezes após vários chutes que passaram no vazio, mas errava porque Jacaré estava muito longe. Quando o brasileiro finalmente deu um passo adiante após mais um chute no nada, as costas do punho de Romero o acertaram em cheio, levando ao chão.

Essa é uma técnica excelente para ser usada contra quem gosta de chutar porque quanto mais se chuta, mais se erra. Não tem como ser um bom chutador e, em algum momento, não acabar dando as costas ao oponente. Cung Le nocauteou uns e outros depois de chutes no vazio ou defendidos.

Antes de darmos prosseguimento à tarefa de nos prepararmos para o melhor card gratuito do ano, Cerrone versus Dos Anjos, vamos tirar um minutinho pra falar de Marlon Sandro – um exemplo de como não entrar pras organizações certas nas horas certas. Vocês o conhecem como "corner de Aldo", um GIF que tem bombado pela internet:

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Mas há alguns anos ele foi o número 2 na categoria dos pesos-penas, logo abaixo do seu colega de equipe, fazendo coisas como essas:

Felizmente, quando toda a amargura se for, será impossível que Aldo sofra o mesmo destino. Ele fez demais pela empresa, pela categoria e pelo esporte como um todo. Por vezes é preciso lembrar da fragilidade de nossas heróis enquanto humanos para que seus feitos sejam encarados da forma correta.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva