A Favela Portelinha da Penha Pegou Fogo e os Moradores Foram Dormir na Rua

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A Favela Portelinha da Penha Pegou Fogo e os Moradores Foram Dormir na Rua

Dias depois do incêndio na favela Portelinha da Penha, na Zona Leste, as pessoas continuam dormindo em colchões pela calçada.

Assim que saltamos do carro, por volta das 19h30 na sexta-feira passada, nos deparamos com pessoas deitadas em colchões pela calçada, crianças, cães, peças de roupas e sapatos. É que dois dias antes um incêndio destruiu a maior parte da Favela Portelinha da Penha, precariamente instalada ao lado de um córrego e próxima de um viaduto na Zona Leste de São Paulo. Atualmente, cerca de 400 pessoas estão desabrigadas. Resilientes, muitas delas permanecem ali, a alguns metros do que sobrou depois do fogo, e não pretendem arredar pé enquanto não tiverem garantia de moradia — já que não podem remontar seus barracos no terreno, que pertence à Prefeitura.

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Quando a VICE esteve lá, a reclamação da maioria era a mesma: a única assistência oferecida às famílias foi um colchão e uma cesta básica. “Pra que cesta básica se a gente não tem fogão?”, indagou um rapaz que agora divide uma barraca de acampamento na calçada com sua esposa e o filho pequeno. “Mal deu pra tirar as coisas. Só documento. Morar na favela não tinha conforto, não era mil maravilhas, mas era um lugar pra descansar. Agora a gente tá na rua”.

Esse rapaz contou que se queimou durante o incêndio e até mostrou o machucado.

De acordo com os bombeiros, o fogo começou em um barraco onde duas crianças pequenas cozinhavam sozinhas — agora elas estão internadas, e inclusive a mãe já foi indiciada pela polícia.

Os moradores disseram que a Subprefeitura da Penha havia marcado uma reunião naquela sexta-feira, às 14h, mas que ninguém apareceu. Já a assessoria de imprensa da Subprefeitura diz que nada foi agendado e que eles desconhecem essa reunião. Na própria quarta-feira do incêndio foi oferecida aos desabrigados a possibilidade de ficar em um albergue, mas todos negaram e preferiram permanecer perto de onde ficavam seus antigos barracos.

No meio daquele cenário triste, vi um homem de cabelos grisalhos, quietinho, olhando ao redor. José Antônio tem 68 anos. “Moro sozinho há 12 anos. Estava há três anos aqui na Portelinha. Saí no meio do fogo. Se bobear você morre queimado.” Ele apontou para um prédio em construção e disse que “eles não gostam da favela aqui do lado”. Perguntei como ele se mantém financeiramente. “Recebo um salário mínimo, eu me viro. Mas não dá pra nada. Ou você vive ou paga aluguel.” Insisto e pergunto se ele se alimentou, se está com fome. “Não estou. Eu como pouquinho”, responde com os olhos baixos.

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Um outro homem me contou que há três dias não conseguia sacar dinheiro no banco porque todos os seus documentos pegaram fogo. “Meu patrão depositou o salário, mas sem documento não consigo mexer no meu dinheiro”.

Em dado momento ouvimos uma voz gritando “polícia, polícia”. Os carros da GCM que estavam lá desde a nossa chegada ganharam a companhia de quatro viaturas da Polícia Militar. Assustadas, as pessoas correram para o local exato onde ficava a favela, cheio de destroços, madeiras e arames. Era difícil ver onde estávamos pisando. Estava escuro demais. Anotei coisas no caderno completamente às cegas. As únicas luzes vinham dos carros da polícia. O sargento Jasson, da Força Tática, tentou acalmar os ânimos: “Só viemos aqui porque recebemos uma denúncia de início de motim. Viemos assegurar a integridade física de vocês”. Alguns moradores me contaram que aquele medo todo pairava no ar porque no dia do incêndio duas pessoas se rebelaram e a polícia não poupou ninguém, jogando bombas de gás lacrimogêneo e atirando balas de borracha.

Durante todo o tempo que estive lá com um caderno na mão, me confundiam com alguém da prefeitura e perguntavam se eu estava fazendo cadastro. Aí eu dizia que era jornalista e estava fazendo uma reportagem. Em muitos momentos me vi cercada por quatro ou cinco pessoas, todas falando ao mesmo tempo, dizendo que sequer tinham um banheiro químico, reclamando da presença da Força Tática àquela altura da noite, fazendo reinvindicações, contando que quem têm fornecido alimentos são pessoas das comunidades vizinhas.

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Basicamente, todos ali temem ser colocados num albergue e posteriormente esquecidos. Embora a prefeitura diga o contrário. “O ideal é que eles fiquem abrigados enquanto os inscrevemos em programas de habitação”, me contou por telefone o assessor Elias Cândido. Mas a gente sabe bem quão devagar funcionam esses programas. Enquanto isso, as lideranças da Portelinha dizem que só saem de lá quando tiverem alguma garantia da prefeitura. E que pra isso farão o possível.

Depois de ver crianças dormindo ao relento, uma senhora hipertensa deitada ao lado da filha portadora de deficiência mental, um senhor com muletas e duas pontes de safena no coração, uma mãe dando mamadeira a um bebê ali, num colchão qualquer, em plena calçada, ficou difícil não gravar na memória o que um cara me falou. “Eles não gostam de favelado. Eles estão em casa, quentinhos. Aqui ninguém é bandido. A gente acorda às cinco da manhã pra ir trabalhar”.

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